Emoção e gratidão sejam talvez as palavras que melhor
expressam os momentos do ritual de despedida de Dom Erwin Kräutler, depois 18
anos cumpridos em quatro mandatos, a frente da Presidência do Cimi. Gestos, lágrimas e abraços calorosos.
Convicção e certeza da missão cumprida: “Combati o bom combate, terminei minha
corrida, guardei a fé” (2 Tim 4,7). Nem
mesmo a súbita alteração de sua pressão arterial, o impediu de estar presente à
XXI Assembleia Geral do Cimi.
Nós que acompanhamos seu trabalho frente à presidência do
Cimi, enquanto membros da diretoria da entidade, bem sabemos a abnegação com
que ele se dedicou à causa indígena. Sabe dar sabor à luta, partilhando
momentos de lazer e cantorias.
Ameaçado de morte,
mas não intimidado.
Sua firme opção e fé, o fazem não arredar pé. Nem nos
momentos mais difíceis e duros desses 18 anos. Sofreu tentativa de assassinato
e enfrentou com galhardia todas as investidas anti-indígenas, principalmente
por ocasião da Constituinte e da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI),
em 1987, e a virulenta campanha contra o Cimi, veiculada por uma semana em
grandes jornais como o Estadão, Correio Braziliense e A Crítica, de Manaus.
Lembro-me daqueles fatídicos dias de calúnia e difamação, quando
o colega secretário Antônio Brand (em memória e gratidão) ia cedo à banca de
jornal para saber qual era a bomba do dia. Imediatamente entrava em contato com
Dom Erwin que nos tranquilizava e dava total liberdade e apoio para agirmos
diante de tamanha ignomínia.
Em abril de 1987, em audiência pública, externaste, em nome
do Cimi que “a Constituinte no alvorecer do século 21 deve ser o marco decisivo
na história das nossas relações com os povos indígenas”. Mais tarde expressavas
a emoção e grandeza resultante dessa luta: “É inesquecível a presença de quase
200 índios no Congresso quando, em 1º de junho de 1988, o plenário aprovou a
redação do capítulo específico sobre os seus direitos”.
Dom Erwin dispensa
palavras
Foto – arquivo cimi
Gostaria de não precisar de palavras carregadas de
sentimentos, mas absolutamente pequenas demais para dar conta da grandeza de
seu testemunho. Com Dom Pedro Casaldáliga e Dom Tomás Balduíno constituíram o trio
contundente e radical em defesa dos povos originários e da vida.
No dia 22 de abril, na Assembleia da CNBB, em Aparecida, Dom
Erwin se dirigiu aos bispos pela última vez como presidente do Cimi:
“Hoje é a última vez que, como
presidente do Cimi, me dirijo aos bispos do Brasil porque no próximo setembro
termina o meu derradeiro mandato. Agradeço de coração as notas da CNBB ao longo
de todos estes mais de 30 anos em favor dos direitos e da dignidade dos povos
indígenas. Obrigado por tantos apertos de mão e abraços que recebi em
solidariedade para com essa causa. O apoio direto, o compromisso com o
Evangelho da Vida e a intransigente postura profética da CNBB foram e continuam
a ser “Boa Notícia” para os povos indígenas. A Igreja do Brasil nunca os
abandonou nem os deixou sozinhos.
Recebam, assim, meu cordial e
mais sincero “Deus lhes pague”. Obrigado por todos os sinais de justiça e
colegialidade que foram “razão da esperança” dos povos indígenas. Agora os
seguranças que há nove anos me vigiam dia e noite no Xingu podem relaxar. Nossa
vigilância, porém, para o bem comum e em defesa da causa dos povos indígenas
continua. Não foi e nunca será em vão: “Se Deus é por nós, quem será contra
nós?” “Quem nos separará do amor de Cristo?” (Rom 8,31.35). Aparecida, 22 de
abril de 2015.
No dia 17 de setembro, na 21ª Assembleia do Cimi, Dom Erwin
deixou a presidência do Cimi:
“Depois de quatro mandatos (1983 – 1991, 2007 – 2015) e um mandato tampão
(2006) como presidente do Cimi apresento pela última vez o Relatório da
Presidência por ocasião de nossa Assembleia Geral. Guardadas as devidas
proporções lembro neste momento a palavra de São Paulo a seu discípulo Timóteo:
‘Combati o bom combate, terminei minha corrida, guardei a fé’ (2 Tim 4,7). Não
se trata de despedida, pois mesmo voltando a ser ‘soldado raso’, enquanto Deus
me der a vida, jamais deixarei de lutar pela nobre causa dos povos indígenas e
pela Amazônia.
Digo apenas a cada irmã, a cada
irmão do Cimi, às lideranças dos povos indígenas e a cada indígena neste país
um cordial e sincero ‘Deus lhe pague’. Obrigado, de coração, à Irmã Emília e ao
Cleber que comigo integraram a presidência durante os anos passados, obrigado a
vocês todas e todos pela fraterna e sororal amizade e comunhão que nos une hoje
e unirá também nos anos vindouros” (Luziânia, GO, 17 de setembro de 2015
Dom Ervim, guerreiro e lutador, temos a certeza de que, mesmo
passando a responsabilidade pela presidência do Cimi a Dom Roque Paloshi, continuarás
conosco, na família do Cimi e no compromisso da luta pelos direitos dos povos
indígenas.
Dom Roque, bispo de Roraima, assumiu a presidência do Cimi
dia 17 de setembro e no dia seguinte foi aprovada a CPI contra o Cimi, na
Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul. “Estamos aí para o que der e
vier”, assegurou Dom Roque, mostrando seu compromisso com os povos indígenas no
país.
Egon Heck, Fotos Laila Menezes
Cimi Secretariado
Brasília, 28 de setembro de 2015.
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