Mais um lamentável recorde do atual governo Bolsonaro, na definição cruel de uma política indigenista do atual governo. Desde o primeiro dia de governo cumpriu o que havia prometido aos ruralistas e a outros interesses anti-indígenas “Não irei demarcar um centímetro de terra para os índios”. E para que essa promessa inconstitucional se tornasse realidade, seriam necessárias criar as condições objetivas para que se transformasse numa política de governo e não apenas uma promessa de um candidato em campanha. Daí a razão da Medida Provisória 870, com a qual o que restava da Funai foi esquartejada em vários ministérios e setores anti-indígenas. Foi um golpe mortal. Ou melhor pretendia abrir o caminho para o que as ditaduras militares e civis não conseguiram nesses cinco séculos: exterminar os povos indígenas. No início da ditadura militar, em 1964, os índios eram estimados em tono de cem mil sobreviventes, em menos de cinco milhões de hectares. Mas hoje são em torno de um milhão.
Nenhum governo dos últimos 50 anos foi tão contumaz e afoito
contra os índios, em seus primeiros 100 dias de governo. Se de um lado, Bolsonaro
foi tão longe em suas ações e promessas anti-indígenas, de outro, os inimigos
dos povos indígenas parecem ter entendido tais ações como sinal verde para
cometer todo tipo de violências, especialmente a invasão de terras indígenas já
demarcadas para implantação de loteamentos e exploração madeireira. Com o total
esfacelamento da Funai, está aberto o caminho para o pretendido extermínio.
Outra afirmação, inúmeras veze repetida pelos governos ditatoriais
militares, é a de que os índios não são objetos de museu, mas querem ser como
os demais brasileiros. Essa é a expressão na qual está embutido o desejo de um
Brasil sem índios. Ou seja, os índios seriam “emancipados”, via decreto
presidencial. Com isso, seus territórios seriam liberados para exploração do
agronegócio, agricultura e pecuária especialmente. Esse foi o grande projeto do
ministro do Interior, General Rangel Reis, em 1975. Os povos indígenas pareciam
ter enterrado a proposta de Rangel Reis e seus aliados. Porém, mais de 40 amos
depois, a proposta de “integrar” os índios à sociedade volta a ser proposta,
dessa vez dentro dos 100 dias do governo Bolsonaro.
Ameaças permanentes de retrocesso
Antes mesmo de esquentar a cadeira de presidente, assinou,
ainda no primeiro dia de seu mandato, a Medida Provisória 870, na qual atingiu
o coração da política indigenista do Estado brasileiro. Estraçalhou a já
moribunda Funai. Pedaços do órgão foram parar no colo dos ruralistas, como a
responsabilidade pela regularização das terras indígenas. No campo da saúde, o
governo Bolsonaro não tardou em propor a extinção da Secretaria Especial de Saúde
Indígena, entregando o atendimento às prefeituras, e destruindo o modelo conquistado
a duras penas através de inúmeros encontros e debates desde a aldeia até os
seis encontros nacionais, através do subsistema da saúde indígena, assumidos
nas seis conferências nacionais.
O mesmo processo acontece com relação à educação escolar
indígena. Os professores indígenas, juntamente com suas comunidades, estão
construindo com muita luta e determinação, um caminho de descolonização do
sistema escolar implantado pelo projeto colonial. O agora ex-ministro, Vélez
Rodriguez, demitido esta semana, vinha destruindo as bases que a duras penas
foram sendo construídas pelos povos indígenas nas últimas décadas.
Permanente mobilização e luta do
movimento indígena
Quando se conversa com os povos indígenas sobre os êxitos no
enfrentamento com as forças e interesses que buscam exterminá-los, a resposta
se reporta sempre aos aprendizados de cinco séculos de resistência. E essa
resistência tem sido alcançada graças à profunda espiritualidade e a sua
relação harmoniosa com a natureza.
O movimento indígena emergido na década de 197, teve como
fundamentais e fundantes os processos das Assembleias Indígenas regionais e
nacionais, iniciadas em abril de 1974. Em seguida, sustentaram o enfrentamento ao
projeto de “emancipação”, que visava disponibilizar as terras indígenas ao
capital expansivo do latifúndio. No bojo dessas lutas, o movimento indígena
teve o surgimento de um importante movimento de apoio à causa indígena. Até
hoje, várias dessas entidades continuam como adiados dessas causas, dentre elas
o Cimi, o CTI, a CPI.
Outro momento fundamental das lutas do movimento indígena,
foi o processo Constituinte. Dele se estaca o enfrentamento da mineração ávida
para se expandir sobre os territórios indígenas. Um fato relevante desse
período foi a tentativa de impedir a aprovação dos direitos indígenas na
Constituição. Foi então criada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito,
quando toda a trama mentirosa das mineradoras foi derrubada. Logo em seguida,
em outubro de 1988, foram aprovados os direitos dos povos indígenas na nova
Constituição. Apesar da intensa mobilização para conseguirem essa conquista, a
luta continua até hoje. O Estatuto dos Povos Indígenas ainda não foi aprovado e
está em curso um movimento nos três poderes no sentido e modificar e excluir
direitos indígenas. Outro marco importante foi a Marcha e Conferência Indígena,
Negra e Popular, realizada por ocasião das “comemorações dos 500 anos” do
início da invasão dos territórios indígenas. Já no século 21 destacamos, a
importante participação dos povos indígenas na Brasil nos três fóruns sociais
mundiais, realizados em Porto Alegre, RS (2001, 2002 e 2003). Na sequencia, em
2004 se iniciou a realização dos Acampamentos Terra Livre, que são até agora os
espaços políticos de denúncia e unificação de lutas dos povos indígenas.
Desde 2005, o movimento indígena continua levando adiante
suas lutas através de suas próprias iniciativas, em nível dos povos e regiões,
articulados em termos nacionais pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil).
As mobilizações são permanentes, para evitar qualquer
retrocesso e exigir que sejam cumpridas a Constituição e a legislação
internacional, relativas aos povos originários no mundo.
O mês de abril, é um dos momentos fortes de tomada de
consciência da importância dos povos indígenas para toda a sociedade, de socialização
e denúncia das violências a que continuam submetidos esses povos, bem como os
povos tradicionais. É o momento de ampliar as alianças e avançar na luta.
Apesar da atual política indigenista sinalizar para o recrudescimento
dos conflitos e violências, o movimento indígena tem acumulado bastante
sabedoria para vencer estas novas batalhas.
Egon Heck
Fotos – Laila-Cimi
Brasília, abril 2019.
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