O dia internacional do Direito à Verdade
Numa
audiência pública despretensiosa, presidida pela aguerrida deputada Luiza
Erundina, o Brasil preencheu as condições para levar à aprovação do Congresso a
instituição do "dia internacional do direito à Verdade". O Dia 24 de
março, em homenagem Dom Romero das Américas, foi instituído pela ONU, em 2010,
como a data comemorativa ao Direito à
Verdade em todo o mundo.
Os
participantes da audiência pública, insistiram na importância simbólica dessa
data, pois será um momento a mais para que o país busque fazer justiça,
recuperando a memória perigosa das vítimas da secular resistência no país e no
continente.
Em nome do
Cimi expus algumas reflexões que passo a socializar.
Desconstruir a memória colonialista.
Desconstruir
a memória do invasor, do colonizador, do capital nacional e internacional,
ontem e hoje, significa não apenas reconhecer a pluralidade de povos ,
culturas, crenças, organizações sociais e direitos consuetudinários em nosso
país, mas requer a imediata devolução de seus territórios, e as condições para
viverem em paz e com dignidade. Isso requer rever o panteão dos heróis, dentre
os quais estão vários matadores de índios, ter a coragem de fazer fogueiras com livros que
continuam veiculando mentiras sobre os povos indígenas em nossas salas de aula,
veicular a verdade com relação à realidade, lutas e valores dos povos
indígenas. Dizia ontem, nesta casa a indígena Pierangela Wapixana, de Roraima,
"é difícil os não índios nos entenderem, enxergarem além das aparências, a nossa relação com a mãe terra e
a natureza,nosso espírito, nossa alma, nossos sentimentos".
Extirpar a
impunidade, violência e injustiça
Infelizmente
continuamos sob o manto da arbitrariedade que estimula a violência, promove a impunidade e sacraliza a injustiça.
Precisamos urgentemente descolonizar não apenas a memória, mas como diz Fernando
Ortiz, em recente entrevista "A descolonização deve ser não apenas
política ( do poder) e econômica, se não também mental, cultura e
ideológica".
Portanto
temos uma árdua e imprescindível tarefa de mudanças profundas, sistêmicas e
mentais, para o qual a criação da comissão indígena da verdade e o dia
internacional da verdade poderão contribuir.
Comissão
Indígena da Verdade
Nas duas
décadas da ditadura militar (1964 a 1985) não imaginávamos que um dia fosse
criado uma Comissão da Memória, Verdade e Justiça. Menos ainda que se buscasse
um dia restaurar a verdade com relação às mortes e violências sofridas pelos
povos indígenas em decorrência da ação do Estado brasileiro. Parece que finalmente estamos saindo de um
pesadelo e massacre secular dos povos indígenas no Brasil. São passos tímidos e
difíceis não apenas para criar a Comissão, mas principalmente fazê-la
efetivamente funcionar e ir a fundo nos meandros obscuros da tortura, mortes e
violências. Porém os passos iniciais são promissores e vai agora depender de
empenho e eficiência de todos nós brasileiros e aliados dos povos indígenas e
em especial desses povos. Nos dizia com contido entusiasmo, o guerreiro
indigenista, Egydio Schwade “Estamos num momento importante da história
brasileira. Finalmente a questão indígena está sendo incluída num programa que
poderá trazer à luz fatos tenebrosos,
massacres, genocídio de povos e comunidades indígenas.” E pois a mão na massa. Produziu um texto com
mais de 200 documentos indicando a morte de mais de 2.000 índios Waimiri
Atroari, com armas pesadas e até bombardeios, nas décadas de sessenta e
setenta, por ocasião da construção da estrada BR 174. Certamente muitos outros
fatos virão à tona.
Um novo horizonte – O Bem Viver e a
Terra Sem Males
Apesar do
mar de sofrimento, violência, injustiça e opressão em que está mergulhado o
Continente e nosso país, a institucionalização do dia internacional de Direito
à Verdade, soa como um leve ruflar das asas de um beija flor em meio a um
temporal.
Porém passos
importantes estão sendo dados em países como Bolívia e Equador, que tem o Bem
Viver inscritos em suas constituições e estão caminhando para o reconhecimento
dos Direitos da Mãe Terra – Pachamama,
os Kaiowá
Guarani estão construindo importantes estratégias comuns nos quatro países
(Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia, para mutuamente se apoiarem na luta por
seus direitos, especialmente os territórios. O Conselho Continental da Nação
Guarani é uma experiência esperançosa no contexto de luta e reconhecimento de
direitos, para além das fronteiras dos
países.
Na busca da
Terra Sem Males somos todos caminhantes guiados e precedidos por nossos irmãos
Kaiowá Guarani. Que o dia 24 de março se torne não apenas mais um dia
comemorativo, mas que seja o dia de mudanças em nossas mentes, corações e
estruturas na perspectiva da convivência respeitosa e digna de todos os povos.
Egon Heck -
Cimi , 6 de dezembro de 2012
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