Votamos em Lula! Nas eleições de 2002 os
índios votaram massivamente em Lula, pois tinham a firme convicção de que a
proposta de política indigenista construída durante vários anos, pela
militância do PT e os povos indígenas, finalmente teria guarida no coração, nas
ações e nas políticas do novo governo. As visitas de Lula a várias terras
indígenas, suas palavras de compromisso com os direitos desses povos e as
promessas de demarcar todas as terras indígenas até o final do primeiro
governo, marcariam um novo momento da relação do Estado brasileiro com os povos
indígenas. Ledo engano. Para chegar ao poder Lula teve que vender, negociar e
adequar a política indigenista aos interesses de sustentação de seu governo. E
o que se viu foi um imediato avanço dos interesses antiindígenas, com o
assassinato de várias lideranças já no primeiro mês do novo governo.
Lula teve vários encontros com lideranças indígenas, foi na
festa da homologação da Raposa Serra do Sol, mas deixou uma grande dívida: a
maioria das terras indígenas não tiveram seus processos de regularização
concluídos, outros sequer iniciados. Não foi criado um canal de interlocução
com autonomia como o Conselho Nacional de Política Indigenista... Decepção.
Alguns se sentiram traídos. Lula reconheceu a dívida e a repassou para a
sucessora. Com Dilma a decepção aumentou. Apenas um único encontro com uma
delegação indígena, no contexto dos protestos de junho
Carta da véspera
Às vésperas das votações do 2º turno uma carta aos povos
indígenas. Redigida por um assessor, nem
sabemos se a “Presidenta” tomou conhecimento do texto. Promessa de empenho para
que não se consuma uma retirada de direitos indígenas na Constituição, com referência
à PEC 215. Quem sabe, presidenta, poderia seu novo mandato dar uma sinalização
de boa vontade revogando a Portaria 303, que é do seu governo, empenho em
evitar retrocessos com uma série de medidas, inclusive a alteração do processo
de demarcação anunciado pelo ministro da Justiça.
Pelos posicionamentos dos Três Poderes com relação aos povos
indígenas na atual conjuntura e considerando os possíveis cenários, são
previsíveis turbulências e tempestades com graves consequências para os povos
indígenas, quilombolas, populações tradicionais, unidades de conservação e meio
ambiente. Muitos “junhos” serão
necessários para não haver retrocessos.
O Jornal da Câmara do dia 24/10 nos dá
números preocupantes. A bancada ruralista passou de 191 para 263 membros.
Portanto 51% do total dos votos. Somado a isto a pequena margem da vitória de
Dilma, teremos pela frente um quadro nada animador para os povos indígenas,
quilombolas, sem terra, e outros setores empobrecidos.
Em
recente artigo, Frei Beto, ao analisar os processos dos governos progressistas
no continente, afirma que “Esse processo exportador-extorsivo inclui recursos
energéticos, hídricos, minerais e agropecuários, com progressiva devastação da
biodiversidade e do equilíbrio ambiental, e a entrega da terra aos monocultivos
anabolizados por agrotóxicos e transgênicos. O Estado investe em ampla
construção de infraestrutura para favorecer o escoamento de bens naturais
mercantilizados, cujo faturamento em divisas estrangeiras raramente retorna ao
país. Uma grande parcela dessa fortuna se aloja em paraísos fiscais. Eis a
contradição desse modelo neodesenvolvimentista que, no frigir dos ovos, anula
as diferenças estruturais entre os governos de esquerda e de direita. Pois
adotar tal modelo é aceitar tacitamente a hegemonia capitalista, ainda que sob
o pretexto de mudanças "graduais”, "realismo” ou "humanização”
do capitalismo. De fato, é mera retórica de quem se rende ao modelo capitalista”.
Tem
sido praxe dos governantes das últimas décadas, definir as políticas
indigenistas depois de terem sido satisfeitos e acomodados todos os interesses.
Só então se procura definir, no espaço que sobrou, os direitos indígenas. Dessa
vez parece que não vai ser diferente
Egon
Heck
Cimi Secretariado
Brasília,
28 de outubro de 2014
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