Muitos queriam vir a Brasília, no 11º
Acampamento Terra. Apenas uns mil conseguirão chegar até o centro de decisão
onde se tramam tantas decisões nefastas contra os povos indígenas, quilombolas,
populações tradicionais e a mãe terra. A
maioria estará se mobilizando, dando sua força e solidariedade em suas regiões.
Será uma explosão de insatisfação e de
luta pelos direitos em todos os rincões do país. Será o abril indígena em mobilização.
As
raízes da mobilização indígena
As raízes estão na resistência secular dos
primeiros habitantes dessa terra. A
invasão foi uma guerra permanente. Cada palmo de chão sagrado, assegurado ou
reconquistado, foi uma batalha. Nada foi dado de mão beijada. A sobrevivência foi uma arte de muita
sabedoria. A razão maior da luta é a confiança e a certeza da vitória. Quem
suportou mais de cinco séculos de massacres e opressão, não haverá de morrer na
praia. De menos de cem mil na década de 1960, hoje estão beirando a um milhão
de indígenas.
Sentem que a invasão continua. Invadem as
terras e os corações. Aliciam as mentes, destroem as sementes, espalham a dor,
a fome, a dominação. Sonham com um Brasil sem índios, espalham decretos de
morte e anunciam que o fim dos povos originários é uma questão de tempo. Não mais usam o fuzil ou metralhadora. Hoje
matam com a lei. PEC, PLs e portarias. Aperfeiçoaram as armas. Matam
silenciosamente não só o corpo, mas também as almas a cultura. Razões não
faltam para se manter as mobilizações.
Das
raízes brotaram os galhos, folhas e frutos
Quando em abril de 2003 um pequeno grupo de
indígenas do sul do Brasil, especialmente Kaingang, Guarani e Xokleng,
acampou na Esplanada dos Ministérios,
não imaginavam estar inspirando um importante processo de mobilização do
movimento indígena no Brasil. Somando-se a essa ação, representantes do
Conselho Indígena de Roraima, vieram manifestar a aliados, como o Cimi, a
intensão de realizar anualmente encontros para pressionar a demarcação da terra
indígena Raposa Serra do Sol. No que conseguiram total apoio para uma ampla
mobilização, tendo então surgido a proposta de realização, em abril de cada ano,
do Acampamento Terra Livre. Desde então, na Esplanada dos Ministérios, em
frente ao Ministério da Justiça, se realiza o grande momento político dos povos
indígenas do Brasil, o Acampamento Terra Livre – ATL.
Em 2009, finalmente, foi homologada a terra
indígena Raposa Serra do Sol, razão maior do ATL daquela época. Em 2010, a mobilização se deu em duas regiões
onde os direitos indígenas estavam mais ameaçados: no Mato Grosso do Sul, a
gravíssima situação dos Kaiowá Guarani e Terena, e no Pará, em função da
construção da hidrelétrica de Belo Monte, ameando a vida e os direitos de
vários povos indígenas. Em 2012, a mobilização Terra Livre se realiza no Rio de
Janeiro, por ocasião da Rio +20, juntamente com a Cúpula dos Povos. Vários
representantes de povos originários de outras partes do continente e do mundo
estiveram presentes.
Com uma participação em média entre 700 a
1.000 representantes de uma centena de povos, os acampamentos têm se
constituído no amplo espaço político de luta e articulação nacional do
movimento indígena. É o momento de debate, definição de estratégias e de
visibilidade às lutas e reivindicações indígenas.
Nos últimos anos as preocupações do ATL
giraram bastante em torno das ameaças as direitos indígenas, através de uma
série de iniciativas e ações em nível dos três poderes, e com maior intensidade
no Poder Legislativo e a total paralização dos procedimentos de regularização
das terras indígenas. Isso fica
evidenciado nos documentos dos últimos dois acampamentos indígenas.
No ATL de 2013:
1. Repudiamos toda
essa série de instrumentos político-administrativos, judiciais, jurídicos e
legislativos, que busca destruir e acabar com os nossos direitos conquistados
com muita luta e sacrifícios há 25 anos, pelos caciques e lideranças dos nossos
povos, durante o período da constituinte;
2. Não admitiremos
retrocessos na garantia dos nossos direitos, sobretudo se considerarmos que o
passivo de terras a demarcar é ainda imenso. Das 1046 terras indígenas, 363
estão regularizadas; 335 terras estão em alguma fase do procedimento de
demarcação e 348 são reivindicadas por povos indígenas no Brasil, mas até o
momento a Funai não tomou providências a fim de dar início aos procedimentos de
demarcação”.
Já no ATL de 2014:
“É por essa razão que protestamos hoje no Ministério da
Justiça contra a paralização dos procedimentos de demarcação e exigimos:
- A imediata publicação de todas as portarias declaratórias,
despachos de identificação e delimitação, e decretos de homologação (conforme
anexo) que se encontram paralisados sem nenhuma razão confessável.
- A desistência de todas as medidas genocidas que paralisam
a demarcação das nossas terras, incluindo a Minuta de Portaria proposta pelo
MJ, e também a revogação da Portaria 303/AGU.
Nossos guerreiros e lideranças continuarão em luta até que
nossas reinvindicações legítimas e constitucionais sejam atendidas, e não nos
curvaremos diante da repressão e das injustiças do Governo dos brancos, que nos
oprime há mais de quinhentos anos.
Sem terra não há cultura, sem terra não há saúde, sem terra
não há vida!
Toda força aos que lutam!”.
Ao comemorarmos os 41 anos do
surgimento de um movimento indígena inédito e combativo, ligado aos movimentos
de lutas sociais por transformações profundas nos países da América Latina, num
promissor esforço para a superação das ditaduras e colonialismo, na construção
de sociedades de Bem Viver, fazemos memória da 1ª Assembleia Indígena Nacional,
realizada em Diamantino, Mato Grosso, em abril de 1974.
O grito
guerreiro, do fundo da terra, da floresta ou da raiz continuará anunciando um
novo amanhecer. Não podem matar nosso sonho. “Somos lutadores resistentes de
uma causa invencível”.
Com os
povos indígenas, originários de todo o continente, Abya Yala, com os quilombolas,
populações tradicionais, com os empobrecidos e oprimidos, queremos renovar
nossa profunda convicção de que da vida negada e da árvore decepada, permanecerá
a raiz de onde brotarão flores e frutos, novos projetos de sociedade, de Bem
Viver.
Egon Heck
Acampamento Terra Livre 2015
Brasilia, 10 de abril de 2015
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