ATL 2017

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sábado, 26 de junho de 2021

Rosalino Ortiz, querido Guerreiro Guarani Nhandeva.

Por Egon Heck, Cimi MS 


Ontem dia 25, a terra sagrada de teu povo te chamou de volta para seres mais um guardião desse chão pelo qual lutaste por várias décadas. Fostes aguerrido quando se tratava da luta pela terra e sagrados direitos. Não hesitava em partir para a guerra conclamando teu povo para serem força junto ao Nhande Ru Delosantos Centurião.

Na retomada da terra indígena Yvy Katu/Porto Lindo lutastes heroicamente para garantir um futuro para os netos de teu povo.




Muitas lutas pela frente, agora és um guerreiro de asas chamado pelo Nhande Ru para continuar a luta, agora em outra dimensão.

Fica a saudade dos inúmeros encontros, reuniões, viagens, rodadas de tereré e chimarrão, dos telefonemas para atualizar as informações nas trincheiras da esperança ou apenas para desejar um boa noite.

Lembro com imenso carinho das longas conversas sobre a recuperação dos diversos tekohá, quando no início da década de 80 fizestes com os rezadores e lideranças o planejamento do retorno ao seu território tradicional, resultando no êxito de todas as ações, sem nenhuma morte de seus líderes. Isso só foi possível com muita reza e ritual.

No pátio de sua casa, numa Aty Guasu realizada em 2007, após constatar a total falta de demarcação por parte do governo, foi feito a relação de 39 terras indíg
enas Guarani e Kaiowá para serem demarcadas. No dia seguinte um ônibus com caciques e lideranças foi a Brasília exigir providencias imediatas. Foi então que se constituiu o CAC (Compromisso de Ajustamento de Conduta) e posterior a publicação das portarias dos GT, para demarcação das terras Guarani e Kaiowá.

Rosalino, você voltou para a terra sem males sem ver a sua terra definitivamente demarcada. O seu coração parou mais a luta continua. Nos solidarizamos a sua família, seu povo. Assim também nos solidarizamos a todos os povos que perderam seus entes para a COVID19.

O CIMI nestes 50 anos de história reafirma o compromisso com a defesa dos direitos dos povos indígenas.



Dourados, 26 de junho de 2021.

Fotos Egon Heck/Cimi

sexta-feira, 11 de junho de 2021

Política indigenista na história dos governos: da ordem e do progresso – meio século de violência e esbulho.

Por Egon Heck e Lídia Farias, Cimi MS

Numa rápida olhada nos últimos 50 anos de política indigenista no país, nos deparamos com inúmeras situações que questionam as reais intenções dos governos com relação aos povos indígenas, seus territórios e organizações sociais. Uma das características fortes deste período foi a constante imposição de uma política indigenista violenta, que tinha por objetivo final o extermínio dos povos indígenas.

Um dos aspectos reveladores da política da ordem eram os critérios de composição do quadro de pessoal dos órgãos estatais. A Funai por exemplo, herdou para o seu quadro de funcionários, 700 pessoas oriundas do antigo Serviço de Proteção ao Índio - SPI e, em menos de uma década, a fundação já contava com mais de 7 mil funcionários, a maioria imperiosa do quadro eram militares da ativa e/ou aposentados, que, sob o comando do general Bandeira de Melo, implantavam um rígido sistema de controle dos indígenas.


Para a garantia absoluta do controle, foram criados dentro da estrutura da Funai, alguns órgãos como a Guarda Rural Indígena – GRIN, que tinha como objetivo transformar os “índios” em soldados e as aldeias em grandes repositórios humanos para os quarteis militares, “o índio é um soldado nato e as suas tribos uma organização paramilitar” (General Frederico Rondon – 1977). Outra frente determinante no sistema de controle eram os Serviços de Segurança e Informação (DSN – Doutrina de Segurança Nacional, CSN – Conselho de Segurança Nacional, SNI – Serviço Nacional de Informação, ASI – Assessoria de Segurança e Informação), estes tinham por objetivo isolar os indígenas e vigiar completamente os seus passos. Para Queiroz Campos, primeiro presidente da Funai (1967-1970), estes órgãos tinham a intenção de “evitar a continuidade das invasões nas terras indígenas” e para isto a estratégia fora militarizar a Funai em todas as instancias administrativas, desde os postos indígenas nas aldeias até a direção do órgão, sediada em Brasília. 

Outra ação que tinha como horizonte o integracionismo eram os programas desenvolvimentistas produtivistas promovidos pela Funai no contexto do “milagre brasileiro” na década de 1970, onde se alardeava um crescimento do PIB de 11% ao ano. Para pensar a implementação destes “projetos de desenvolvimento comunitário”, a Funai chegou a contratar vários cientistas sociais (antropólogos, linguistas, agrônomos, economistas entre outros). Estes deveriam se empenhar em pensar a melhor forma de execução dos projetos numa lógica que rompesse com o “indigenismo dos quarteis”, promovendo um “novo indigenismo”, o qual estimulasse as comunidades indígenas ao etnodesenvolvimento.  Estes programas foram iniciados primeiramente junto aos povos indígenas Gavião-Suruí, Guarani Kaiowá e Nhandeva, Yanomami, Nambikwara, Pataxó, Tikuna, Tukano, Xokleng dentre outros.


A execução dos programas acima, explicita um profundo cenário de conflitos de interesses entre a ciência e o militarismo em curso. A Funai estimulava a produção e exploração nas terras indígenas, única e exclusivamente para gerar renda para o órgão tutor gerenciado pelo Departamento Geral de Patrimônio Indígena – DGPI, seguindo a lógica de que os índios deveriam ser um ônus menor para a nação.

Neste sentido, vale ressaltar que os projetos desenvolvimentistas e produtivistas dos governos, tais como exploração de madeira, minérios, instalação de rodovias, construção de hidroelétricas e outros empreendimentos em terras indígenas como o arrendamento, agenciados em épocas passadas pelo Estado e hoje pelo agronegócio, não tiveram como objetivo melhorias para a vida dos povos indígenas, do contrário, tais projetos foram e continuam sendo caminhos de invasões, inviabilizando as demarcações das terras indígenas, em que os prazos previstos para conclusão de todos os processos demarcatórios, foram duplamente desrespeitados, conforme determina o Estatuto do Índio[1] (1973) e a Constituição Federal[2] de 1988.

No Brasil, existem atualmente 1298 terras indígenas. Este número inclui as terras já demarcadas ou em alguma das etapas dos procedimentos demarcatórios. Passados mais de 30 anos da promulgação da CF/1988, pelo menos 536 terras indígenas ainda se encontram sem nenhuma providência do Estado para demarca-las (Cimi, 2020).

Nos tempos atuais e diante do cenário de total negação de direitos territoriais, o ponto forte em questão é o usufruto dos territórios: quem de direito pode usufruir destas terras? No campo jurídico, as leis são claras, assegurando aos povos indígenas o usufruto exclusivo dos territórios tradicionalmente ocupados pelos povos, seus legítimos donos. Porém, no campo político, as investidas antiindígenas da política indigenista desenvolvimentista, além de desqualificar os sistemas econômicos e de produção dos povos, tenta impor o lucro como referência nas relações dos povos indígenas com o meio ambiente. Ao tentar incluir as terras indígenas na lógica da produção em escala e em outras formas de exploração, o governo repete os ideais integracionistas da ditadura militar: “desenvolver para integrar”.

Os assédios saem de todos os lados e chegam às áreas indígenas envoltos nos tecidos da “emancipação financeira dos povos indígenas”, ou seja, os povos indígenas só serão aceitos quando se igualarem aos ruralistas.

Passados 50 anos desta história, o projeto de extermínio contra os povos indígenas se moderniza. A Funai, mesmo com “pernas capengas”, hoje chefiada por um delegado de polícia, tenta retomar o seu antigo papel nos governos ditatoriais de dominação sobre as terras indígenas, facilitando como no passado, as diversas formas de invasão e exploração dos territórios indígenas.

 

Dourados/MS 10 de junho de 2021.



[1] O Poder Executivo fará, no prazo de cinco anos, a demarcação das terras indígenas, ainda não demarcadas (Lei 6001/73, Art. 65).

[2] A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição (CF/88, Art. 67).

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020


Melià: a partida, as lutas e a terra sem males


Senhor, por favor, onde cheguei?
Aqui é a erra sem males.
Obrigado pela informação. Então posso desligar meu GPS. Este é o lugar que buscava, para onde fui encaminhado. O lugar é seguro? Tem certeza que nenhum invasor vai me perseguir?
Em pouco tempo Melià se sentiu em casa. No horizonte do céu vislumbrou uma animada Aty Guasu. Não tinha mais dúvida. Estava em casa.
Sequer esperou a festa dos 86 anos que os jesuítas havia preparado. Na véspera sentiu que era hora de partir. Bem faceiro, iniciou a derradeira viagem.
Melià e Vicente Cañas: o reencontro
Melià foi um guerreiro de muitas trincheiras. Teve uma experiência profunda e desafiadora. Uma delas foi com os Enauenê Nawê. Quando do assassinato de Vicente Cañas, em abril de 1987, Melià fez um emocionado depoimento:
 “Conheci o Vicente aqui, em Cuiabá, em 1977. Notei que se tratava de alguém fora do comum, por isso levem para casa o retrato do Vicente, coloquem num lugar de honra, ele realmente é um santo, um mártir, acreditem nele. Com ele aprendi muito mais do que nos livros, nas escolas. E teimo em afirmar que de todos os missionários que temos hoje no Brasil ele foi o que mais longe caminhou no sentido de se tornar índio com os índios. Esse martírio é o testemunho de sua vida”.

[Depoimento de B. Melià na celebração da “Missa do Sétimo Dia”, Cuiabá, 24 de maio 1987]
Bartomeu Melià SJ
O Irmão Vicente está morto. De morte matada.
Morte de Vicente coroa a sua vida, que neste caso não tem nada de frase feita. Sua morte de martírio apenas cela o martírio de sua vida.
Durante quatro ano, de 1978 a 1981, fui seu companheiro de missão na aldeia. Convivíamos com os índios, e para evitar intromissões na rotina indígena, evitávamos manter conversações separadamente nós a sós. No barraco já era diferente. Eram, às vezes, longos dias de espera, curando-nos de uma gripe que não podíamos levar aos índios e contagiá-los, ou simplesmente de descanso aproveitando o tempo para ler, escrever cartas, meditar e conversar. E às vezes até comentar os sonhos que havíamos sonhado naquela noite, sonhos muitas vezes semelhantes. Suas palavras, seus gestos, suas atitudes são hoje para mim um entranhável memorial.
A participação nesses rituais, de estrutura bastante complicada e muito variadas, segundo as épocas do ano, era o aspecto da vida indígena que mais registrara em seus cadernos de anotações quase diárias. Participava da religião indígena, como procurei fazer eu mesmo junto com ele, com um respeito total, sem segundas intenções, crendo e confiando que essa religião já era o sacramento da vida de Deus nesse povo, até que se dariam as condições de uma evangelização cristã explícita. Nesta religião tínhamos uma experiência de fé sincera e profunda, sobretudo quando víamos também que a vida ritual não estava separada da comunhão, na comida e na bebida, que não excluía ninguém e que fartava a todos por igual. Nos últimos dez anos, Vicente viveu assimilado aos Enawenê Nawê, que na realidade o tinham como um deles.
Creio conhecer um tanto as experiências missionárias no Brasil e em outros países da América Latina. Pois bem, posso dizer sem exagero algum, que não conheço ninguém que foi tão longe como o Vicente no caminho da enculturação. A vida dos Enawenê Nawê se fez corpo nele, para o que o ajudavam suas grandes capacidades físicas e morais, porém também uma opção espiritual realmente profética.



O Irmão era um homem fora do comum. Homem de fronteira que tem que tomar decisões firmes e arriscadas. Vicente nunca deixou de ser um homem livre e autêntico. Radical, porém, não extremo.
É claro que o assassinato do Irmão Vicente tem uma intenção bem definida: quem matou ou mandou matar o Vicente, faria desaparecer, se pudesse, toda a tribo dos Enawenê Nawê para apossar-se de suas terras e as madeiras nobres que nelas tem crescido durante séculos. [...] Não faltará quem diga que era necessário que um homem morresse para que ali entrem “civilização e progresso”.
Não é cômodo haver tido por companheiro de vida e de vocação um mártir, e um mártir como Vicente. É uma ‘memória’ que queima por dentro e que exige muito. É uma graça de Deus.
Melià e o Cimi
Na definição das linhas de atuação do Cimi, a entidade pôde contar com a preciosa colaboração de vários jesuítas da América latina, dentre eles Bartomeu Melià. Além disso, ele teve importante contribuição com a luta dos Kaingang, do Rio Grande do Sul. Também são muito importantes as suas reflexões sobre educação indígena Ele teve contribuição com a causa indígena em vários espaços, especialmente em universidades e espaços acadêmicos. Sua contribuição foi fundamental na elaboração dos dois mapas recentes Nhande Guarani e em 2016 o Guarani Continental.
Ele era um guerreiro apaixonado pelo Povo Guarani que é o povo de maior territorialidade na América do Sul. Olhando parra essa grande extensão de territorialidade, em certo momento assim se expressou: “Esse povo Guarani é tão extraordinário que se não existisse teria que ser inventado” 

[Curitiba, 04.06.1987].

Egon Heck
Secretariado Nacional do Cimi
Brasília, 12 de janeiro de 2020

sábado, 11 de janeiro de 2020

Indígenas do Tocantins dizem não à ditadura


 Uma delegação de mais de 40 lideranças dos povos Krahô e Xerente estiveram no mês de dezembro em Brasília fazendo graves denúncias junto a várias instituições e órgãos do governo.


A questão mais grave se refere às constantes invasões de seus territórios e saques dos recursos naturais.

Outra questão denunciada a vários órgãos e opinião pública, é a tentativa de repetição da famigerada Guarda Rural indígena, implantada durante a ditadura militar, num processo de militarização que esperávamos estar definitivamente enterrado. Em documento, manifestam sua indignação e repulsa a essa à insana tentativa de militarização da questão indígena.
“Durante a ditadura Militar, indígenas Krahô foram arrancados com violência do seu território para o presídio Krenak, em Minas Gerais, onde receberam treinamento militar e aulas de tortura. Ao retornarem ao território, praticaram diversas agressões aos seus parentes, e um assassinato envolvendo Guardas Rurais na aldeia Cachoeira. E isso já foi testado uma vez e não deu certo. Por isso não queremos que retorne. Reafirmamos a nossa autonomia e exigimos o respeito à nossa organização social. Nós lideranças indígenas continuaremos na luta em defesa do nosso território, das nossas águas e de nossas vidas e não queremos a criação de uma milícia indígena”.


Em audiência organizada pela deputada Joênia Wapixana e a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, Erika Kokay denunciou uma vez mais o etnocídio em curso onde o presidente da república tem acusado os povos indígenas, como inimigos da nação, estimulando com semelhante afirmação ainda mais violência contra os povos originários.

As lideranças estiveram em gabinetes de deputados denunciando as inúmeras violências a que estão submetidos e ao saque e invasões de seus territórios. Além disso, estão submetidos a constantes pulverizações aéreas de agrotóxicos sobre suas comunidades. “Exigimos respeito aos nossos povos e à mãe terra. Não queremos que a Constituição continue sendo rasgada e os nossos direitos violados. Dizemos não ao projeto MATOPIBA e suas ações de destruição. Não aceitaremos nossas águas e terras sendo envenenadas e destruídas. Não queremos a invasão de nossos territórios sendo invadidos e arrendados. Queremos viver em paz em nossos territórios, lá nós somos felizes. Somos contra a tese do Marco Temporal, pois essa tese afronta nossos direitos originários”. Esse clamor foi levado aos gabinetes de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal.


Na Funai entregaram um manifesto: “nossos direitos estão sendo ameaçados. Esse governo está retrocedendo nossos direitos originários. Queremos repudiar as últimas medidas da Funai contra os nossos direitos que estão garantidos na Constituição de 1988. A retirada da Funai das terras que ainda estão em processo de demarcação, é uma afronta ao nosso direito. Haverá o aumento de violência nos territórios. Quem será responsabilizado pelas possíveis mortes que haverá do nosso povo? Exigimos que a Funai reveja esse procedimento imediatamente. Nossos territórios do povo Xerente e Krahô estão sofrendo com desmatamento, venda ilegal de madeira, tráfico de animais, contaminação de agrotóxico, secagem dos rios. Exigimos providências para a fiscalização pela Secretaria de Segurança”.
Brasília final do ano de 2019
Egon Heck
Fotos Laila


terça-feira, 13 de agosto de 2019



Mineração em terras indígenas: genocídio anunciado


“Não estamos realizando uma audiência pública, mas um ato contra a mineração em terras indígenas”, ressaltou a deputada indígena Joênia Wapichana, de Roraima, ao dar início à manifestação pública e política na sessão por ela coordenada. Seguiram-se mais de duas horas de manifestações contundentes contra a anunciada mineração em terras indígenas. Nestes dias, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a sua decisão de abrir as terras indígenas à mineração. A decisão em si revela a intenção genocida, em atitude entreguista e autoritária e criminosa. As manifestações das lideranças indígenas de todo o país denunciaram com veemência, a manifesta intenção do atual presidente do país de abrir as terras indígenas à ganância frenética das mineradoras nacionais e multinacionais. A fúria do grande capital já está rugindo nas portas das terras indígenas. Conhecemos muito bem o desastre que tal atitude representa. Basta lembrar os séculos de extermínio dos povos originários, perpetrando em nosso continente, o maior genocídio da humanidade.
Estimando-se 70 milhões de mortos.

Não precisamos ir tão longe. É só lembrar os aproximadamente 1.500 Yanomami que morreram vítimas da massiva invasão de mais de 40 mil garimpeiros em seu território, no início da década de 1980. No território desse povo houve também, em 1993, o massacre de Haximu quando mais de uma dezena de Yanomami foram assassinados pelos garimpeiros. Poderíamos citar inúmeros casos de indígenas que morreram em decorrência dos processos de mineração e garimpagem em seus territórios, especialmente na Amazônia.

Não à mineração em terras indígenas

As manifestações unânimes contra a mineração em territórios indígenas ecoaram nos espações do Congresso como um alerta de vida contra os anunciados projetos de morte do atual governo.  Atitudes semelhantes já foram tomadas no início deste século quando os povos indígenas se reuniram em grandes assembleias nacionais e durante as discussões de propostas de Estatuto dos Povos Indígenas, fizeram chegar ao país e ao mundo sua posição radicalmente contrária contra qualquer tipo de exploração mineral em suas terras.

Os fortes interesses do capital nacional e internacional nunca abdicaram de suas intenções de rasgar o ventre da terra para se apossar impunemente das riquezas minerais.
No final dos governos da ditadura militar, em 1983, houve a tentativa do presidente Figueiredo de abertura das áreas indígenas à mineração, através do decreto de nº 88.985, assinado pelo presidente da República e pelos ministros Cesar Cals, de Minas e Energia, e Mario Andreazza, do Interior. O desastre que tal medida acarretaria, em termos ecológicos e principalmente em termos da sobrevivência física e cultural dos povos indígenas foi prontamente denunciado por entidades civis e pelo movimento indígena (A questão da mineração em terra indígena – Cadernos da Comissão Pró Índio/SP 1984), em âmbito nacional e internacional. Abaixo-assinados organizados no país e fora dele foram enviados ao presidente da República. O decreto não foi assinado, mas este não foi regulamentado.

Mineradoras e seus testas de ferro jogaram pesado e sujo no processo constituinte (1986-1988), atacaram o Cimi covardemente com mentiras e falsificação de documentos. Porém, não conseguiram fazer passar seus interesses escusos.
E agora voltam covardemente com as mesmas pretensões: saquear os minérios existentes nas terras indígenas.

Egon Heck
Secretariado Cimi
Brasilia, agosto 2019

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Índios do Maranhão em Brasília


Queremos nossa terra e nossos direitos
Nesta Semana Foram representantes do povo Apanjekra da Terra Indígena Porquinhos localizada nos município de Fernando Falcão. Também integraram a delegação indígenas do povo Memortumre Canela da aldeia Escalvado, município Fernando Falcão, Maranhão.


 As principais demandas  tem sido a regularização de seu territórios.
 A Terra Indígena de Porquinhos obteve portaria declaratória em 2009 assinado pelo Ministro da Justiça Taso . Portaria essa  posteriormente  anulada.
“No entanto, deixamos claro, que nosso povo não vai parar de lutar por nosso território. Nosso sangue foi derramado naquele chão, que para nós é sagrado, pelo f. estamos disposto  dar a nossa vida por nosso território  de nossos avós terem vivido livres em nosso território, se preciso for. Não temos medo de morrer para garantir o  Bem Viver para o nosso povo e nossa futura geração.” (em documento entregue nos gabinetes dos  Ministros do Supremo Tribunal Federal)


 No final do documento fazem um dramático apelo aos Ministros do  STF “portanto Senhores e Senhoras Ministros ouçam a voz do vosso coração, sintam o calor da mãe terra penetrando em seu corpo através de vossos pés. Deixem ser tocados pela mãe natureza que clama para ser preservada”.
As lideranças do povo Memurtum re denunciaram a construção de uma estrada que atravessa seu território causando muitas violências, conflitos e mortes r doenças. Além  disso a estrada está propiciando desastres e crimes ambientais. No documento de denúncia  elencam ainda a retirada de minérios. Acusam com responsável pela construção da estradas o prefeito Adailtom do município de Fernando Falcão.  Entre outros crimes destacam a violação dos direitos dos povos e comunidades indígenas que não foram consultados sobre a construção da estrada, causado genocídio indígena além da morte de dois indígenas José Caipar Canela e Jairo Cohruw Canela.

Auditórios  blindados e  aldeias abertas


Os indígenas conseguiram ultrapassara primeira barreira, mas encontraram um Congresso com portas dos auditórios intransponíveis, sendo obrigatório  uma senha para ter acesso aos espaços onde os indígenas queriam participar. Uma inovação, uma espécie de blindagem da democracia. No corredor, em frente das portas dos auditórios restou aos índio sentarem no chão  dos corredores. Será que eles tem medo de nos?
Uma das lideranças achou muito estranho não poderem entrar, ficando de pé ou sentados no corredor. “Na aldeia não acontece isso não. Nós recebemos bem todos os que  vem a nossas casas e aldeias. E perguntou: será que eles tem alguma coisa que querem esconder?
Muitos indígenas era a primeira vez que  saíram da aldeia para cidade grande. Tiveram medo em enfrentar as esteiras rolantes e elevadores.



Saudade da Constituinte – 30 anos depois
Acompanhei um grupo que foi visitar os gabinetes dos deputados. Em geral os indígenas foram recebidos com muita simpatia e promessas de apoiar os projetos  alguns gabinetes abriram seu pequeno espaço para receber toda  a delegação, tirar fotos e manifestações de respeito e carinho.
Porém não se poderia imaginar que depois de três décadas A Carta Magna se encontrasse tão desrespeitadas e sob forte pressão de retrocesso e descumprimento Os direitos indígenas em grande parte, mormente com relação à demarcação e garantia dos territórios, ainda não foi cumprida. Sequer o Estatuto dos Povos Indígenas foi aprovado, contribuindo para a situação caótica e avanço de setores anti-indígenas.
Valeu. A luta continua. Na avaliação durante essa semana em terra estranha viram e ouviram muitas coisas. Agora podem lutar melhor porque conhecem quem são seus amigos e seus inimigos Quem quer tomar as terras. Olhamos nos olhos deles. Eles não podem mais dizer que nós não existimos
Agora não temos mais medo. Fomos massacrados, mas agora estamos conhecendo, até o governo é contra nós.


Egon Heck
Cimi Secretariado
Brasilia,  12 de abril de 2019


quarta-feira, 10 de abril de 2019

Governo Bolsonaro: cem dias contra os povos indígenas




 Mais um lamentável recorde do atual governo Bolsonaro, na definição cruel de uma política indigenista do atual governo. Desde o primeiro dia de governo cumpriu o que havia prometido aos ruralistas e a outros interesses anti-indígenas “Não irei demarcar um centímetro de terra para os índios”. E para que essa promessa inconstitucional se tornasse realidade, seriam necessárias criar as condições objetivas para que se transformasse numa política de governo e não apenas uma promessa de um candidato em campanha. Daí a razão da Medida Provisória 870, com a qual o que restava da Funai foi esquartejada em vários ministérios e setores anti-indígenas. Foi um golpe mortal. Ou melhor pretendia abrir o caminho para o que as ditaduras militares e civis não conseguiram nesses cinco séculos: exterminar os povos indígenas. No início da ditadura militar, em 1964, os índios eram estimados em tono de cem mil sobreviventes, em menos de cinco milhões de hectares. Mas hoje são em torno de um milhão.
Nenhum governo dos últimos 50 anos foi tão contumaz e afoito contra os índios, em seus primeiros 100 dias de governo. Se de um lado, Bolsonaro foi tão longe em suas ações e promessas anti-indígenas, de outro, os inimigos dos povos indígenas parecem ter entendido tais ações como sinal verde para cometer todo tipo de violências, especialmente a invasão de terras indígenas já demarcadas para implantação de loteamentos e exploração madeireira. Com o total esfacelamento da Funai, está aberto o caminho para o pretendido extermínio.
Outra afirmação, inúmeras veze repetida pelos governos ditatoriais militares, é a de que os índios não são objetos de museu, mas querem ser como os demais brasileiros. Essa é a expressão na qual está embutido o desejo de um Brasil sem índios. Ou seja, os índios seriam “emancipados”, via decreto presidencial. Com isso, seus territórios seriam liberados para exploração do agronegócio, agricultura e pecuária especialmente. Esse foi o grande projeto do ministro do Interior, General Rangel Reis, em 1975. Os povos indígenas pareciam ter enterrado a proposta de Rangel Reis e seus aliados. Porém, mais de 40 amos depois, a proposta de “integrar” os índios à sociedade volta a ser proposta, dessa vez dentro dos 100 dias do governo Bolsonaro.

Ameaças permanentes de retrocesso


Antes mesmo de esquentar a cadeira de presidente, assinou, ainda no primeiro dia de seu mandato, a Medida Provisória 870, na qual atingiu o coração da política indigenista do Estado brasileiro. Estraçalhou a já moribunda Funai. Pedaços do órgão foram parar no colo dos ruralistas, como a responsabilidade pela regularização das terras indígenas. No campo da saúde, o governo Bolsonaro não tardou em propor a extinção da Secretaria Especial de Saúde Indígena, entregando o atendimento às prefeituras, e destruindo o modelo conquistado a duras penas através de inúmeros encontros e debates desde a aldeia até os seis encontros nacionais, através do subsistema da saúde indígena, assumidos nas seis conferências nacionais.
O mesmo processo acontece com relação à educação escolar indígena. Os professores indígenas, juntamente com suas comunidades, estão construindo com muita luta e determinação, um caminho de descolonização do sistema escolar implantado pelo projeto colonial. O agora ex-ministro, Vélez Rodriguez, demitido esta semana, vinha destruindo as bases que a duras penas foram sendo construídas pelos povos indígenas nas últimas décadas.

Permanente mobilização e luta do movimento indígena

Quando se conversa com os povos indígenas sobre os êxitos no enfrentamento com as forças e interesses que buscam exterminá-los, a resposta se reporta sempre aos aprendizados de cinco séculos de resistência. E essa resistência tem sido alcançada graças à profunda espiritualidade e a sua relação harmoniosa com a natureza.


O movimento indígena emergido na década de 197, teve como fundamentais e fundantes os processos das Assembleias Indígenas regionais e nacionais, iniciadas em abril de 1974. Em seguida, sustentaram o enfrentamento ao projeto de “emancipação”, que visava disponibilizar as terras indígenas ao capital expansivo do latifúndio. No bojo dessas lutas, o movimento indígena teve o surgimento de um importante movimento de apoio à causa indígena. Até hoje, várias dessas entidades continuam como adiados dessas causas, dentre elas o Cimi, o CTI, a CPI.
Outro momento fundamental das lutas do movimento indígena, foi o processo Constituinte. Dele se estaca o enfrentamento da mineração ávida para se expandir sobre os territórios indígenas. Um fato relevante desse período foi a tentativa de impedir a aprovação dos direitos indígenas na Constituição. Foi então criada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, quando toda a trama mentirosa das mineradoras foi derrubada. Logo em seguida, em outubro de 1988, foram aprovados os direitos dos povos indígenas na nova Constituição. Apesar da intensa mobilização para conseguirem essa conquista, a luta continua até hoje. O Estatuto dos Povos Indígenas ainda não foi aprovado e está em curso um movimento nos três poderes no sentido e modificar e excluir direitos indígenas. Outro marco importante foi a Marcha e Conferência Indígena, Negra e Popular, realizada por ocasião das “comemorações dos 500 anos” do início da invasão dos territórios indígenas. Já no século 21 destacamos, a importante participação dos povos indígenas na Brasil nos três fóruns sociais mundiais, realizados em Porto Alegre, RS (2001, 2002 e 2003). Na sequencia, em 2004 se iniciou a realização dos Acampamentos Terra Livre, que são até agora os espaços políticos de denúncia e unificação de lutas dos povos indígenas.



Desde 2005, o movimento indígena continua levando adiante suas lutas através de suas próprias iniciativas, em nível dos povos e regiões, articulados em termos nacionais pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
As mobilizações são permanentes, para evitar qualquer retrocesso e exigir que sejam cumpridas a Constituição e a legislação internacional, relativas aos povos originários no mundo.
O mês de abril, é um dos momentos fortes de tomada de consciência da importância dos povos indígenas para toda a sociedade, de socialização e denúncia das violências a que continuam submetidos esses povos, bem como os povos tradicionais. É o momento de ampliar as alianças e avançar na luta.
Apesar da atual política indigenista sinalizar para o recrudescimento dos conflitos e violências, o movimento indígena tem acumulado bastante sabedoria para vencer estas novas batalhas.

Egon Heck
Fotos – Laila-Cimi
Brasília, abril 2019.