ATL 2017

ATL 2017

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

PEC 215: texto cada vez pior




O grande e real embate que está estabelecido é o da demarcação das terras e territórios indígenas. É isso que pensam também boa parte dos indígenas presentes em Palmas nos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas.

Na tarde de ontem em três cenários distintos e distantes se deram embates entre os povos indígenas e seus aliados e setores anti indígenas.

Em Brasília mais uma vez os povos indígenas  foram barrados, ao buscarem entrar na “casa do povo”, o congresso nacional. Lá dentro se dava mais um golpe  contra os direitos e vidas dos  povos.  A cada nova redação, o texto da PEC 215 consegue ser pior e mais claramente montado para acabar com as terras indígenas.

Originariamente essa emenda constitucional tinha como foco possibilitar ao Congresso a decisão sobre os processos de demarcação das terras indígenas, que cabe hoje ao Poder Executivo. Aliás, as terras indígenas, conforme o Artigo 231 da Carta Magna pertencem originariamente a esses povos, cabendo ao governo estabelecer os limites e protegê-las.

A última redação apresentada vai muito além, incluindo o famigerado “marco temporal” e retirando o usufruto exclusivo dos recursos naturais existentes nas terras indígenas. Além disso, o projeto passaria a dar o poder ao Congresso de avaliar todas as terras indígenas pelos novos critérios, ou seja, seriam atingidas as terras indígenas já demarcadas, as em processo de regularização e todas as que precisam ainda ser demarcadas. Ou seja, as terras do presente, passado e futuro estariam sob a batuta dos parlamentares, amplamente antiindígenas, a definição de todo e qualquer direito dos índios sobre seus territórios.

 Enquanto isso, em Campo Grande-MS, acontecia mais uma sessão da CPI do Cimi, com depoimentos indígenas em sigilo, afirmações intempestuosas,  com o intuito de criminalizar a questão indígena e a entidade aliada de seus direitos.

Em  Palmas – TO prosseguiam as atividades esportivas e manifestações culturais dos Jogos Mundiais Indígenas. Na arena dos jogos um expressivo grupo se manifestou contra a PEC, contra o genocídio, na luta pelos direitos. O protesto também brotou no asfalto.

Representantes indígenas presentes nos jogos mundiais indígenas já realizaram ontem uma manifestação paralisando a rodovia que dá acesso ao espaço dos jogos. E neste momento alguns participantes estão novamente se organizando para um novo protesto contra a PEC 215.

A vitória que os povos indígenas estão almejando é a demarcação e garantia das terras indígenas. Como diz Antônio Apinajé: “A melhor atitude pela paz é demarcar e respeitar os territórios indígenas que são sagrados para nossos povos e necessários para o equilíbrio e a sustentação do clima no planeta terra”.

Em Campo Grande, MS, a Assembleia Legislativa do estado, realizou mais uma sessão da CPI contra os índios. Aquela que tenta criminalizar o Cimi. Um dos depoimentos foi sigiloso, numa atitude preocupante, tendo em vista a dificuldade de compreensão e expressão em português. Não se sabendo se houve tradução, conforme garante a legislação.

Os indígenas que vendiam seu artesanato do lado de fora do evento, foram conduzidos para dentro do espaço dos jogos, debates e celebrações. Porém, seus artesanatos ficam expostos no chão, castigados pelo forte calor e ainda sujeitos as chuvas. Enquanto isso, estandes climatizados e desocupados não podem ser utilizados pelos indígenas. Quem sabe o apartheid acabe.


Egon Heck   fotos Laila Menezes
Cimi Goiás/Tocantins






terça-feira, 27 de outubro de 2015

Protestos e Silêncios nos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas




É lamentável falarmos do teto do refeitório que  desabou ontem cedo,   no local de alojamento das delegações indígenas brasileiras, resultando em três funcionários feridos e as refeições preparadas e  servidas precariamente em locais improvisados.
Assim como é inadmissível que, na semana passada o sistema de aclimatação da cozinha entrasse em pane, elevando a temperatura do local a 65 graus, como confirmou o Ministério Público Federal, levando oito trabalhadores/as  do local a serem atendidas em unidades de emergência, com sinais de desidratação, devido à exposição ao calor excessivo. E por falar em cozinha fomos informados de que as cozinheiras trabalham das 4 da manhã até as 10 da noite, sem que haja rodízio, sendo submetidas a uma jornada de trabalho exaustiva.
Essas são apenas algumas amostras da forma irresponsável com que foi implantada às pressas uma precária infra estrutura para os jogos mundiais dos povos indígenas, em Palmas-TO
É para que não aconteçam coisas mais graves e comprometedoras que o Ministério Público Federal se encontra no local dos jogos. Alertas foram dados, mas infelizmente a atitude autoritária e pouco transparente na condução do processo  não permitiu que se realizasse esse trabalho com mais tempo e segurança.
Tendo em vista essa precariedade, por um lado, e uma atitude contrariando o espírito de integração e celebração, por outro,  com barreiras arbitrárias, cercas da vergonha, que foram realizados atos de protesto dentro e fora da Arena de Abertura do evento.

Os protestos

Indignações e protestos, especialmente dos povos indígenas,  foram registrados desde o início da chegada das delegações, na semana passada, seja pela impossibilidade de credenciamento para assistir a abertura dos jogos, ou ainda, pela falta de estrutura para alojar as delegações que não estivessem credenciadas. Eles aumentaram de intensidade na medida em que foram acontecendo os desmandos, a falta de diálogo, o descaso e a falta de transparência.


Os protestos tiveram maior intensidade no dia 23, por ocasião da abertura. Barrados na entrada do local dos jogos, centenas de indígenas fizeram o seu protesto do lado de fora, procurando obstruir a entrada das delegações e ameaçando derrubar as grades. Os gritos e as palavras de ordem eram contra a PEC 215, a demarcação das terras indígenas e fora Kátia Abreu. Faixas com os mesmos dizeres  foram  abertas dentro da arena.
Próximo ao local do evento também protestaram representantes dos movimentos sociais e aliados da causa indígena. Com inúmeras faixas e mais de uma centena de cruzes fincadas ao longo da avenida de acesso ao local dos jogos, procuraram dar visibilidade aos povos indígenas, seus direitos, suas lutas e sua resistência. Jogos sim, mas com terra demarcada, respeito e dignidade. As faixas refletiam a indignação de “Fora Kátia Abreu, “Fim do Genocídio Indígena”,  ”Não ao MATOPIBA”, além de exigir  o fim dos Projetos de Lei e Reforma Constitucional, como a PEC 215, PL 1610 dentre outras. Quando a noite veio nos envolver com seu manto, acendemos as velas da esperança embalados com canções de luta, resistência e transformação.

O silêncio eloqüente da presidente

Quando o mestre de cerimonial chamou a Presidente Dilma os participantes se dividiram entre vaias e aplausos. Era então esperada a fala da presidente. Diante do total silêncio dela, um representante da coordenação do evento desandou falação dizendo que “vaia não é do povo indígena, isso aqui não é comício”. Podem vaiar nas eleições do ano que vem”.
Qual terá sido a razão do silêncio? É notório que a presidente tem evitado se encontrar com os povos indígenas. Não seria um gesto de desconsideração para com os povos indígenas de todo mundo, por parte das autoridades brasileiras?

Deprimente



Destaco a seguir o sentimento contido no desabafo de uma indígena, a partir do ritual de abertura e presença no local do evento.
“Deprimente, este e o sentimento que me corta a alma. Deprimida é como me sinto ao estar presenciando o que aconteceu aqui na vila olímpica. Vejo e  me recuso a olhar a Corrida de Torra, Ritual Sagrado para nós os povos indígenas,  sendo apresentada  em uma arena e narrada como se fosse rodeio.
É um Ritual Sagrado praticado pelos povos indígenas em momentos especiais de suas vidas  buscando sempre o equilíbrio do povo com o Todo. Demonstra a igualdade e a importância que todos têm dentro da comunidade, duas partes que correm sempre buscando estar juntas, caminhar em equilíbrio e respeito uns com os outros. Não é rodeio, não é e nunca foi competitivo. Não são animais correndo, carregando toras que jamais podem cair. Não existe ninguém querendo chegar antes que o outro. Não há competição.

É deprimente estar na feira de artesanato indígena, coordenado pelo Sebrae e  me deparar com uma jovem que está vestida com uma roupa diferente que não caracteriza nenhum povo indígena. Usava um cocar indígena e estava de prontidão frente a um painel simplesmente para posar para fotos com visitantes.  Me aproximei dela   e perguntei de que povo era. Ela respondeu: não sou indígena, sou modelo. Fiquei estarrecida com tamanho desrespeito. Quantas mulheres indígenas lindas ocupam aquele espaço e não são vistas, muito menos consideradas pelos organizadores do evento. Contrataram uma modelo para posar de índia.”
JMPI onde os indígenas, continuam invisíveis para aqueles que organizaram o evento. E do lado de fora da arena mais de 200 indígenas são proibidos de adentrarem. Sendo somente eles o público que teria a compreensão do significado de todos os rituais e atividades que ali aconteciam .

Texto e fotos Egon Heck Laila Menezes
Cimi GOTO
Palmas 26 de outubro de 2015


Jogos Indígenas: um mundo de contradições


Na semana em que acontece a abertura do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, lideranças denunciam na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), o genocídio de seus povos em várias regiões do Brasil e, principalmente, no Mato Grosso do Sul. Neste mesmo estado, na Assembleia Legislativa, foi instalada a “CPI do Genocídio”.

De última quarta-feira (21) para cá, os Guarani-Kaiowá tiveram duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendendo a reintegração de posse nos tekohas (“lugar onde se é”) Ñhanderú Marangatú e Guaiviry, no Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai. Vitórias fundamentais dos povos indígenas e das lutas contundentes pelos seus direitos, especialmente suas terras. Neste contexto, têm sido decisivas as manifestações de repúdio, as declarações e gestos de solidariedade dos povos indígenas e seus aliados no Brasil e no mundo.

E o presidente da Comissão Especial da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), deputado Nilson Leitão, após a realização de três reuniões nesta semana - em que inúmeras manifestações de racismo e colonialismo foram feitas pelos membros ruralistas da comissão -, garantiu que da semana que vem a votação do Parecer da PEC não passa.

Ou seja, a realidade indígena indica que a realização destes Jogos, e o seu caráter celebrativo, por si, são extremamente contraditórios.

Dilma Rousseff e Kátia Abreu, juntas na abertura

Juntamente com a ministra Kátia Abreu, a presidente da República, que se nega a receber representantes dos povos indígenas para tratar da paralisação das demarcações das terras indígenas, estará na abertura do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. Para garantir a “segurança” da presidente, um forte esquema de segurança foi montado, envolvendo as polícias civil, militar e federal. Segundo um jornal local, até um esquadrão antibombas está à disposição.

Testando esquemas de segurança e repressão

Entre os movimentos sociais e povos indígenas vêm circulando informações sobre um sofisticado esquema de “inteligência” de segurança que estaria sendo testado nesses jogos com o intuito de ser utilizado nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, no próximo ano. Além disso, estão sendo utilizados espécies de robôs para desarmar artefatos explosivos e bombas, além de cães treinados na identificação de explosivos.

Na fila dos indignados

Continua o clima de insatisfação de muitos indígenas, especialmente os que vieram com a intenção de vender seus artesanatos durante a realização do evento internacional. Tinham como referência os jogos indígenas nacionais, onde existia um acesso livre para essas atividades. O fato foi denunciado ao Ministério Público Federal (MPF) que intimou a organização dos jogos a liberar o acesso dos indígenas, caso contrário medidas judiciais poderão ser tomadas.

Repórteres internacionais mostraram-se surpresos com a proibição imposta aos indígenas de darem entrevistas. Conforme informações colhidas no local, nem pessoas credenciadas puderam adentrar na arena dos jogos. Fotos, nem pensar.

Quem ganha, quem perde

Um folder sobre os jogos, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), tem sido distribuído e divulgado, em português, espanhol e inglês. Este material contém uma série de informações e questionamentos que procuram fazer um contraponto ao ufanismo que envolve os jogos e que tentam desviar o foco das lutas e realidades dos povos indígenas. Além disso, várias lideranças e povos indígenas questionam o fato de se estar gastando vultosas quantias de recursos públicos. Enquanto o governo alega falta de recursos para a demarcação de terras indígenas e políticas públicas para esses povos, a informação corrente por aqui é de que pelo menos R$ 163 milhões teriam sido disponibilizados para os jogos.

Indígenas insatisfeitos



“Não sou contra os jogos. Acho até que já deveriam se realizar há mais tempo, só que não concordo com a forma de como estão sendo conduzidos”, expressou uma liderança Guarani-Mbyá de São Paulo.

Num depoimento emocionado, uma liderança Karajá relatou como se sentiram traídos com a condução dos jogos, falando que a presença de Kátia Abreu, será um horror, pois ela é declaradamente contrária aos povos indígenas: “Será um horror. Estarão zombando de nós. Estão cometendo um genocídio contra nossos povos”.

“A construção da arena é um padrão não indígena. A gente quer fugir desse formato de ‘rodeio’, de campeonato de índios. Como são os primeiros jogos mundiais, todos esses ingredientes que a gente não conhecia fugiram do nosso controle. A ideia inicial era fazer uma coisa mais aberta, mas tem a questão de segurança, bombeiros. Todas essas situações fizeram com que houvesse um desenho essencialmente urbano” (Agencia Brasil, 21/10/15).

Conforme desejo manifesto pelos organizadores, a intenção é de que seja dada continuidade aos jogos mundiais indígenas. Porém, a desorganização e as insatisfações demonstradas até o momento mostram que será necessária uma mudança radical nos procedimentos e na condução dos eventos futuros.




O clima dos Jogos Indígenas


Quente.  Calor sufocante, fumaça das queimadas. Além disso, um clima de forte insegurança e medo. Os organizadores e em especial o governo brasileiro, o Estado de Tocantins e o município de Palmas , temem por qualquer coisa que possa acontecer fora do script. Tem-se a impressão de que os jogos mundiais indígenas acontecerão em espaço sitiado, fortemente vigiado. Quais seriam as razões de tamanhos temores... É notória a crise e a instabilidade política e econômica porque passa o país. Poderia ser esse um momento de positivamente dar mostras ao povo brasileiro e ao mundo de que existem saídas sim e elas emergem de projetos que vem do povo, das raízes plurais, das populações tradicionais, dos povos indígenas originários, dos explorados do campo e da cidade. Populações as quais o governo continua dando as costas, enquanto continua refém das elites dominadoras desse país.

Fila dos indignados

No dia de ontem continuaram os credenciamentos, em meio a muita reclamação e confusão. Indígenas Pataxó do extremo Sul da Bahia, que vieram em dois ônibus, um para participar dos jogos e outro para a feira do artesanato, sendo estes últimos impedidos de se cadastrar e entrar para a feira do artesanato indígena. Cenas de protesto e revolta por essas atitudes que os Pataxó consideraram absurdas, pois vieram até aqui na promessa de que poderiam participar da feira do artesanato.
Diante da desorganização e das longas filas para credenciamento, indígenas entraram em contato com repórteres de um grande canal de tv para denunciar a situação. Mas estes alegaram que não poderiam registrar o fato, pois tinham determinações de que não poderiam divulgar nada que pudesse denegrir a imagem dos jogos!


A propalada confraternização dos povos, por enquanto está restrita entre as grades. Um forte esquema de segurança está montado para impedir indígenas e outras pessoas de terem acesso às delegações indígenas hospedadas nas ocas. No final do dia, uma indígena Avá Canoeiro divulgou mensagem mostrando sua decepção por não poder se encontrar com parentes de outros povos e outros países... Do outro lado da cerca, apenas conseguiu una foto com um Pareci.

Monumento à insanidade. Já as árvores com raízes para o ar, parecem simbolizar um desejo do agronegócio. É uma afronta aos povos indígenas e suas raízes que resistirão aos projetos de morte!

Participação cai quase pela metade

Conforme o Comitê Organizador dos Jogos, participarão 26 povos dos 46 anunciados e  posteriormente reduzidos a 43: “Muitos não conseguiram patrocínio para vir, mas não houve prejuízo, esperávamos isso mesmo” (Conexão Tocantins 19/10/15).
É evidente que uma redução tão drástica de delegações e povos participantes não é normal. É o sintoma da forma centralizada com que foi conduzido o processo, sem uma participação efetiva dos povos indígenas e suas organizações

Cimi Goto
Egon Heck , fotos: Laila Menezes

Palmas, 21/10/2015.

Jogos Mundiais Indígenas: sufoco e desorganização



Na semana de abertura dos jogos, correria e custos adicionais.  Ainda está muito vivo na memória das populações das cidades que sediaram jogos da Copa do Mundo, no ano passado, os transtornos, sufocos e o festival de obras inacabadas. Tudo indica que desta vez também não será diferente.  Obras permanentes prometidas e projetadas, como um museu do índio e piscina olímpica, que ficaram apenas na promessa. Fica no ar a pergunta: será que o dinheiro fugiu, algum ralo se abriu, alguma conta bancária engordou?  Ou será que foi mesmo blefe, com total desconsideração para com os povos indígenas e a população da cidade sede dos jogos, iludidos com os inúmeros benefícios .
Apesar dosJogos Mundiais Indígenas terem sido adiados duas vezes, mesmo assim a infraestrutura, que ficou por conta da prefeitura de Palmas, parece ter sido adiada até os últimos dias antes dos jogos. São melancólicas, para não dizer tétricas, as paisagens do ambiente dos jogos, cheia de tocos de árvores arrancadas que nada tem a ver com a mensagem de vida e respeito à natureza que os povos indígenas trazem para o mundo e o planeta Terra.

Nos bastidores

Começam a circular, no calor de Palmas (na chegada o copiloto anunciou que a temperatura na capital doTocantins era de 42 graus), as denúncias com relação ao tratamento dispensado aos voluntários indígenas.  Segundo essas informações, dos 550 voluntários cadastrados, 250 estão em Palmas. Esses informes dão conta de uma generalizada desorganização, falta de atenção e consideração para com os voluntários. Atribuem a responsabilidade pelos desmandos à prefeitura que os colocou em local inadequado para hospedagem e carestia de alimentação.
“Tem voluntários indígenas que chegaram sem ter pra onde ir e dormir. Eles negaram a estes voluntários que ficassem hospedados com os parentes das delegações que participarão dos jogos (que vão ficar numa área restrita que nem eles como voluntários poderão acessar)...e nesse jogo todo um está jogando pra cima do outro,prefeitura, Comitê, PNUD... Sóestando aqui para acreditar nisso”.
Membros da União dos estudantes indígenas estão muito insatisfeitos.
Muitas reclamações com relação ao descaso e tratamento com que a prefeitura de Palmas dispensou a voluntários: “Chegamos aqui e a prefeitura (que ficou responsável pela gestão dos recursos do Ministério dos Esportes para aplicar na infraestrutura, inclusive para os voluntários) colocou a gente num camping que não dava para dormir (muito calor, sem árvore nenhuma e emcima de asfalto) e que sequer tinha água nos banheiros... Fora a alimentação que ontem conseguimos ter uma reunião com a secretaria e eles vão dar mais de uma refeição pra gente... Eles disseram que se a gente quisesse mais de uma refeição a gente teria que trabalhar em mais de um turno...difícil, né”.

“Também somos indígenas”


O slogan visto na placa não condiz, portanto, com  a realidade constatada.
Quiçá seja esse um momento para iniciarmos um processo de mudança de mentalidade, superando preconceitos, racismo, descolonizando mentes.
Com os povos indígenas do mundo façamos a solene declaração do Conselho Mundial dos Povos Indígenas, de 1975:
“Nós, povos indígenas do mundo, unidos numa grande Assembleia de Homens Sábios, declaramos a todas as nações:
Quando a terra-mãe era nosso alimento
Quando a noite escura formava nosso teto,
Quando o céu e a lua eram nossos pais,
Quando éramos irmãos e irmãs,
Quando nossos caciques e anciãos eram grandes líderes,
Quando a justiça dirigia a lei e sua execução,
Aí outras civilizações chegaram!
Com fome de sangue, de ouro, de terra e de todas as suas riquezas, trazendo numa mão a cruz e na outra a espada, sem conhecer ou querer aprender os costumes de nossos povos, nos classificaram abaixo dos animais, roubaram nossas terras e nos levaram para longe delas,
Transformando em escravos os "filhos do sol".
Entretanto não puderam nos eliminar;
Nem nos fazer esquecer o que somos,
Porque somos a cultura da terra e do céu, somos de uma
Ascendência milenar e somos milhões,
E mesmo que nosso universo inteiro seja destruído,
NÓS VIVEREMOS
Palmas, 19 de outubro de 2015.

Cimi Regional Goiás/Tocantins

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Moção de Repúdio do Povo Guarani e Kaiowá aos Jogos Mundiais Indígenas de 2015.







“Anunciamos que não participaremos deste palco forjado e mentiroso e afirmamos que enquanto esta for a postura do Brasil o único jogo que jogaremos será o de recuperar os nossos territórios e partir para nossas retomadas mesmo que isto custe todas as nossas vidas, já que o país parece assistir calado, da arquibancada, o extermínio dos Guarani e Kaiowá.” 

Essa decisão do povo Kaiowá Guarani foi anunciada na primeira quinzena de outubro, quando a primavera de luta e esperança começa a pintar de verde o chão depositando sobre ele, como gesto de carinho, inúmeras flores e odores que embalam nossas vidas.

Este posicionamento crítico se soma a dezenas de outros povos que tem feito suas reflexões sobre o significado dos Jogos Mundiais Indígenas, no atual contexto brasileiro.

Após agradecerem a todos os povos que se solidarizaram em sua luta contra o genocídio, com especial distinção para as posturas lúcidas e corajosas do Povo Krahô e Apinajé, os Kaiowá Guarani se pronunciaram sobre os Jogos Mundiais Indígenas: “Enquanto nós, Guarani e Kaiowá, enfrentamos um verdadeiro genocídio, marcado por ataques paramilitares, assassinatos, espancamentos, estupros e perseguição de nossas lideranças, o governo brasileiro debocha de tudo isso buscando criar folclore para distorcer a realidade e camuflar a real situação dos povos originários”.     




Na sua manifestação fazem a grave denúncia sobre o altíssimo número de mortes de seu povo: “Enquanto o Estado e o Governo articulam com o agronegócio, o fim de nosso povo e de nossos direitos constitucionais, fortalecendo uma situação onde a cada dois dias morre uma pessoa Guarani e Kaiowá, a imagem dos povos indígenas é utilizada e vendida para distorcer os fatos e mentir no exterior, ocultando a verdadeira realidade e o sofrimento dos povos indígenas”.

Fazem menção à ministra Kátia Abreu que tem não apenas demonstrado sua simpatia para com os jogos, mas tem articulado dentro do governo federal, a destinação de recursos públicos para o evento:
“Para celebrar esta grande farsa, quem fará a abertura oficial dos jogos será a ministra Katia Abreu, rainha da motosserra, símbolo de ataque aos povos indígenas e ao  meio ambiente.
Isto é um deboche e um insulto à vida. Este é o atestado maior de que para além da falta de vontade política do governo em resolver a situação de nossos povos e de nossas terras, na verdade, existe uma determinação política deste governo para a morte de nossos povos e a distribuição de nossos territórios para os invasores” (Conselho da Aty Guasu, Lideranças Kaiowá Guarani, Dourados 07/10/2015).

Tendas valiosas

No dia 4 de outubro, faltando apenas nove dias para o início dos Jogos Mundiais Indígenas, teve bastante repercussão na mídia a divulgação dos extratos aditivos de contratos relativos à montagem de estruturas (pré-moldadas), com acréscimos de alguns milhões. O processo licitatório custa ao todo R$ 30 milhões (Conexão Tocantins, 14/10/15: http://conexaoto.com.br/2015/10/14/a-nove-dias-do-evento-prefeitura-aditiva-contratos-de-locacao-de-estrutura-para-os-jmi-em-mais-de-r-2-5-milhoes).
O que se passa? Como justificar que a Prefeitura anuncie a empresa vencedora, antes do término do processo licitatório? Os povos indígenas e todos os brasileiros exigem transparência com o uso de recursos públicos para que se evitem desvios e corrupção.

Egon Heck  fotos: Laila Menezes

Secretariado Nacional do Cimi 

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

O apagão do presidente da Câmara dos Deputados




 “O Eduardo Cunha quis apagar nossa resistência, vencer nossa paciência e dignidade, retirar nossos direitos constitucionais”, mas a escuridão a que submeteu os quase 200 presentes, não os demoveu sobre a decisão de passarem a noite em vigília contra o genocídio das populações e comunidades tradicionais e dos povos indígenas.
Dentro da normalidade de uma segunda-feira na Câmara, quando quase não existem atividades, uma silenciosa tempestade estava em curso. Vendo uma movimentação fora dos padrões, um dos seguranças chegou a chamar atenção de seus superiores, sobre uma estranha movimentação. A audiência pública sobre as milícias armadas no campo foi transcorrendo dentro da normalidade. Denúncias contundentes sobre a ação, organização, articulação e ação violenta e genocida de milícias foram sendo apontadas nos depoimentos. Quando as atividades da audiência já iam para seu encerramento, Agnaldo Pataxó Hã-Hãe-Hãe tomou a palavra anunciando que os povos indígenas e representantes das comunidades tradicionais, como os quilombolas, pescadores artesanais, geraizeiros dentre outros, presentes no Plenário 1 da Câmara, iriam permanecer em vigília, para denunciar, de forma mais contundente, as graves violências, mortes, impunidade e criminalização das lideranças das lutas sociais no campo e pedir providências imediatas daquela casa de leis. Luiz Couto, o parlamentar proponente da audiência, encerrou oficialmente as atividades.
A partir daí, foram se revezando os depoimentos, os rituais e as canções de luta e alegria. Um grande dia para ser lembrado pela história. Uma noite memorável, de persistência, luta e resistência. “Estamos aqui, estamos vivos e estamos em luta”. Intensificou-se um processo de unificação de lutas no campo, a partir das lutas regionais e da articulação nacional. Os maracás, os tambores e as palavras de ordem foram mostrando que algo novo estava acontecendo.

A Constituição e a escuridão
Não dava para esconder a escuridão e menos ainda a Constituição cidadã que completava 27 anos. Uma comemoração sob as trevas e ameaças do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha. Se vivo estivesse o deputado Ulisses Guimarães, que presidiu o processo Constituinte, certamente estaria indignado com o que estava acontecendo 27 anos depois da festa da promulgação da nova Carta Magna do país. Uma ignomínia, uma falácia, uma vergonha! Querer impedir de forma prepotente e autoritária a realização de uma vigília na decantada casa do povo. Ele que, por diversas vezes, tem se reunido com deputados ruralistas que tentam tirar da Constituição, direitos sociais e étnicos conquistados com muita luta.
Nos depoimentos foram feitas várias menções sobre o desrespeito e formas como a Constituição está sendo rasgada pelos poderosos que nunca se conformaram com os direitos conquistaram pelos setores sociais. É revoltante constatar o que vem sendo feito com a Constituição nesses 27 anos.
Diante da firme decisão de manter a noite de vigília permanecendo no plenário, o presidente da Câmara mandou desligar a luz, o som e o ar condicionado. De nada adiantou. Uma mesa foi formada com representantes dos movimentos, com Dra. Débora Duprat, coordenadora da 6ª Câmara do MPF, que permaneceu na vigília durante toda a noite, sob a coordenação do deputado Paulo Pimenta, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que também permaneceu em vigília. No começo da madrugada alguns parlamentares compareceram para prestar apoio e solidariedade aos representantes dos povos indígenas e comunidades tradicionais, na luta por seus direitos, especialmente seus territórios.

CPI do Genocídio

Uma das ações com os quais os parlamentares presentes se comprometeram foi o empenho em criar a CPI do Genocídio que está acontecendo no campo hoje, contra os povos e populações tradicionais. Foi lembrado em vários momentos a dramática situação de violência e genocídio a que estão submetidas as populações do Mato Grosso do Sul, em especial os povos Kaiowá Guarani e Terena.
Enquanto estávamos em vigília para denunciar as violências e dar visibilidade às lutas no campo, mais uma comunidade Guarani-Kaiowá era atacada no Mato Grosso do Sul. Desta vez foi a comunidade Mbarakaí que sofreu um violento ataque de jagunços e milícias armadas dos fazendeiros.

Egon Heck fotos: Laila Menezes
Cimi Secretariado
Brasília, 6 de outubro de 2015.