ATL 2017

ATL 2017

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Pedágio Indígena



Prontamente o cacique Aurelio Tenharim dá outra interpretação “a gente não fala de pedágio, fala de cobrança de compensação. Ela nunca vai pagar a dívida. Nós éramos 30 mil tenharins, hoje somos 800. Os jeahoy foram quase extintos. Claro que o povo tenharim tem deixado aberto para negociar com os governantes. Esperamos quatro anos para sentar na mesa de negociação, mas nenhum órgão se manifestou. Ninguém levou a sério essa cobrança de compensação da parte do governo.
Continua o cacique Aurelio  “a Transamazônica tem história de massacre, de estupro de nossas índias, escravos, violação de direitos. Quem vai pagar isso? Essa compensação não está só na fala, está no Ministério Público Federal que tem esse relatório detalhadamente. As autoridades aqui presentes precisam ver o relatório levantado por antropólogos e biólogos.” Tribuna da Imprensa, 8/01/2014)

Neste  inicio de ano a atenção continua voltada para a Amazônia. Quando se fazia crer que ali a questão indígena estava pacificada, com a demarcação da maior parte das terras, na anti sala surge o agito: não retiraram os invasores, não esclareceram e compensaram pelo extermínio de milhares de indígenas pelas estradas, hidrelétricas e outros grandes projetos, não garantiram projetos satisfatórios nas questões básicas de  autonomia alimentar, escolas diferenciadas e de qualidade, atendimento à saúde, com respeito, eficiência e dignidade. Além disso, as mineradoras estão na fila de espera, forçando a porta, pois tem pressa para que possam começar o jogo nas terras indígenas, o ministro da AGU não revogou a portaria 303, e o governo se diz contra a PEC 2015, mas não mobilizou sua maioria para impedir a instalação da Comissão Especial desse projeto.
O cenário é, no mínimo preocupante. O Ministro Adams se projeta como o novo general Rangel Reis, ministro do Interior, na década de 70, cujo sonho era ver um Brasil sem índios. Para viabilizar seu projeto de país, arquitetou o maquiavélico projeto de emancipação dos índios, ou melhor dizendo, a extinção dos índios e a entrega das terras ao latifúndio. A portaria 303 que o ministro da AGU gestou, suspendeu mas teima em não extinguir, parece  renovar a intenção de Rangel Reis.E se juntássemos umas dezenas de projetos de lei e de emenda da constituição estaria formada a frente de um Brasil sem índios.
Em recentre entrevista o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro assim definiu a incapacidade da esquerda de entender a questão indígena “Foi preciso a esquerda, uma ex-guerrilheira, para realizar o projeto da direita. Na verdade, eles sempre quiseram a mesma coisa, que é mandar no povo. Direita e esquerda achavam que sabiam o que era melhor para o povo e, o que é pior, o que eles pensavam que fosse o melhor é muito parecido. ...O PT, a esquerda em geral, tem uma incapacidade congênita para pensar todo tipo de gente que não seja o bom operário que vai se transformar em consumidor. Uma incapacidade enorme para entender as populações que se recusaram a entrar no jogo do capitalismo. Quem não entrou no jogo – o índio, o seringueiro, o camponês, o quilombola –, gente que quer viver em paz, que quer ficar na dela, eles não entendem...(IHU, 9 de janeiro de 2014) Numa noite de outubro do ano passado, Viveiros de Castro criticava o avanço do governo de Dilma Rousseff sobre a Amazônia, seus projetos de estradas e usinas hidrelétricas, benefícios ao agronegócio – e descaso com os direitos dos povos indígenas. Sentado no sofá, o antropólogo comparou as ambições desenvolvimentistas da atual presidente à megalomania da ditadura, com seu ideário de “Brasil Grande”.
Pierre Clastres, antropólogo que esteve um bom tempo com povos indígenas no Brasil, escreveu o célebre livro “Sociedades Contra o Estado”, onde demonstra por que   povos indígenas  tomam a decisão coletiva de não ter Estado. Nele os chefes não mandam, não tem poder de coerção, deles é exigido uma maior generosidade, que o obriga a distribuir bens para o restante da sociedade.
Tenharim, Jiahui e Awá
Para entendermos um pouco dos acontecimentos nas terras desses povos em situação de isolamento, de pouco contato ou contato recente é preciso primeiro desconstruir em nós a mentalidade colonialista, preconceituosa e etnocêntrica, de superiores,  bandeirantes do progresso, heróis civilizadores.
É também fundamental compreendermos a dimensão de terra como  território, como um ser vivo, a mãe terra e com ela termos uma relação de respeito e não apenas de predadores ou produtores.
Precisamos dialogar sobre as situação plurinacional dos nossos países e a compreensão da autonomia e autodeterminação nas realidades de cada país e na legislação nacional e internacional.
É indispensável uma informação correta sobre os processos históricos dos contatos desses povos com o Estado e a sociedade nacional e as desastrosas consequências em termos de depopulação e sofrimento.
Neste início de ano estamos convidados a refletir sobre o nosso complexo país.

Egon Heck
Secretariado nacional do Cimi
Brasilia, 15 de janeiro de 2014





terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Território Awá Guajá – finalmente a desintrusão


“Cardozo explicou que essa ação de “desintrusão” vem sendo estudada há algum tempo, mas que era preciso passar a Copa das Confederações e a visita do Papa, que mobilizaram muitos efetivos.” ( O Globo 4/08/2013 – Mirian Leitão)
  


Além dos motivos alegados, certamente serão muitos outros os motivos da demora da execução da decisão da Justiça do Maranhão e do cumprimento da Constituição. Dentre  os motivos principais está a frontal oposição do agronegócio, que inclusive se manifestou contra a desintrusão por ocasião de suas manifestações em Brasília, dia 11 de dezembro passado.

Para a execução da ordem de desintrusão o governo montou uma coordenação integrada por vários ministérios e mais de uma dezena de órgãos do governo.

O Ministro da Justiça afirma que contam com a experiência de Marawaitsédé, terra Xavante desintrusada no ano de 2012
Lembra o Ministro da Justiça que “ é preciso entender que se fala terra indígena, mas pela lei brasileira a terra é da União. Portanto, proteger esses índios, expulsar os madeireiros e defender essa mata é do interesse dos brasileiros.”( O Globo- idem)

E não são poucos os interesses daqueles que não podem ver uma árvore em pé . Se calcula que  serão mais de 40 mil toras cortadas na mata dentro da terra indígena. Elas serão inutilizadas, promete o governo.

Desintrusão e omissão

“O povo mais ameaçado do planeta”,  como são considerados os Awá Guajá, numa campanha da Survival Internacional, parece estar próximo de ver-se livre dessa grave ameaça de genocídio. A desintrusão deve ter começado hoje. Os frequentes adiamentos e omissão tem agravado muito essa operação e as previsíveis resistências, especialmente do poder econômico e políticos.

É importante lembrar que situações como essa, assim como a gravíssima realidade do Mato Grosso do Sul, se agravam a cada dia que se passa.
Os Awá, que também são do tronco linguístico Tupi-Guarani, foram visitar seus parentes Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul, especialmente os acampamentos na beira das estradas. Nessa ocasião entregaram flechas, que estavam tão subjugados pelos brancos, porque tinham poucas flechas.


O país tem pressa. A bola vai rolar e as eleições estão na porta. Essas manchas na imagem da nação não podem se perpetuar.

Em 1978, quando o Estatuo do Índio previa a demarcação de todas as terras indígenas, diante  da total inoperância e omissão do Estado brasileiro, os povos indígenas Kaingang  e Guarani do Sul  do país, enfrentaram os invasores, os políticos, a polícia, a Funai e eles mesmos colocaram  mais de 10 mil famílias de brancos para fora de suas terras. Foram ações heroicas, corajosas, destemidas. Em Nonoai- RS, por exemplo um pouco mais de mil índios colocaram para fora de sua terra mais de dez mil pessoas que haviam se estabelecido nas terras indígenas, ou mesmo sendo aliciados ou estimulados pelo modelo político a invadirem essas sagradas terras indígenas. Das famílias que se estabeleceram à beira da estrada, originou-se o movimento dos Sem Terra. O governo queria deportar as famílias para a Amazônia.




Conquista e resistência

Depois das intensas mobilizações indígenas por ocasião da Constituinte e conquista de seus direitos na Constituição, em 1988,  só em 2013 os povos indígenas tiveram uma mobilização tão intensa. Desta vez foi para evitarem que seus direitos fossem retirados da Constituição. Uma avalanche de ações contra os direitos indígenas, foram arremessadas como flechas incendiarias, especialmente do poder legislativo e do governo. Essa conjuntura explosiva e genocida só não  se baniu os direitos indígenas e rasgou a constituição graças à intensa e permanente mobilização indígena, desde as aldeias ate o Palácio do Planalto e o Congresso nacional.

Os cenários são de que esses embates continuem nesse ano. Porém tem a Copa do mundo e as eleições, que serão prioridade número um para o país.

Egon Heck
Secretariado nacional do Cimi
Brasília, 6 de janeiro de 2014






sábado, 4 de janeiro de 2014

As estradas e os índios




Numa  matéria de julho de 1975 Eliane Castanheda afirma “Nada tem sido mais dramático para a sobrevivência das tribos indígenas brasileiras  que a construção de estradas em seus territórios. Pela estrada vem o branco, o vírus das doenças, os germes da mendicância, da violência, da prostituição...”(Veja 18/07/1975)

As recentes violências em Humaitá-AM, tocam numa das feridas das veias e vias abertas na Ditadura  militar no Brasil. Ao ordenarem, em sua estratégia geopolítica e econômica, que se rasgasse a densa floresta amazônica em todas as direções, não apenas se estava abrindo estradas de invasão (chamado de vias da integração, do desenvolvimento, do deslocamento do nordeste da seca para a Amazônia sem gente!) mas caminhos do genocídios de inúmeros povos e comunidade indígenas que estavam sob os traçados das estradas. E foi nesta política, que o território Tenharim foi  rasgado pela Transamazônica, BR 230, na década de 70.
“Para Schwade, a investigação da Comissão Nacional da Verdade sobre a violência sofrida por índios terá que apontar o que ocorreu com os Cinta Larga e Suruí, na região dos rios Aripuanã e Rooswelt, entre Rondônia e Mato Grosso; os Krenhakarore do rio Peixoto de Azevedo, na rodovia Cuiabá-Santarém (conhecidos como Índios Gigantes); os Kanê ou Beiços-de-Pau do Rio Arinos no Mato Grosso; os Avá-Canoeiro em Goiás; Parakanã e Arara no Pará, entre outros, em função dos projetos políticos e econômicos da Ditadura.”

 Construção de rodovias no governo militar matou cerca de 8 mil índios
Por Luciana Lima , iG Brasília | 25/09/2013 06:00

 “As investigações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) pela região Amazônica indicam um verdadeiro genocídio de índios durante o período da ditadura militar. Não há como falar em um número exato de mortos devido à falta de registros. Os relatos colhidos, no entanto, apontam que cerca de oito mil índios foram exterminados em pelo menos quatro frentes de construção de estradas no meio da mata, projetos tocados com prioridade pelos governos militares na década de 1970.” (IG, 25/09/2013)
O referido texto , que além de denunciar o massacre de mais de 2 mil Waimiri Atroari pela construção da BR 174 – Manaus-AM –Bos Vista-RR se refere especificamente   às trágicas consequência da construção da Transamazônica parra os povos indígenas. “A Transamazônica foi escolhida como prioridade e, por isso, representou uma verdadeira tragédia para 29 grupos indígenas, dentre eles, 11 etnias que viviam completamente isoladas. Documentos em poder da Comissão da Verdade apontam, por exemplo, o extermínio quase que total dos índios Jiahui e de boa parte dos Tenharim. O território dessas duas etnias está localizado no sul do Estado do Amazonas, no município de Humaitá”.

 Essa é a hora da verdade. A Comissão Nacional da Verdade , juntamente com a Comissão Indígena da Verdade e Justiça deverão, com urgência fazer um detalhado documentário sobre as graves consequências da violência e mortes acarretadas a esse povo pela estrada. Registrar  o genocídio que acarretou a construção da Transamazônica, o que ela significou para dezenas de povos, dentre eles os Tenharim. É o momento do povo brasileiro conhecer melhor a verdadeira história dos massacres e não ser mais uma vez jogada contra os índios,  estimulando o ódio e o preconceito.

Os povos indígenas,  maiores vítimas desse modelo desenvolvimentista, tem denunciado reiteradas vezes essas tragédias, dos índios e as estradas. Entidades como o Cimi, vem a quatro décadas  denunciando as consequências dessas rodovias da morte para comunidades e povos indígenas.

A continuidade desse modelo de progresso a qualquer preço, do qual mais uma vez os povos indígenas são as maiores vítimas, fica evidenciado nos grandes projetos como as hidrelétricas de Belo Monte, no Xingu e as planejadas para o Rio Tapajós, dentre outros.

O que a violência de Humaitá revela

A violência que significa uma estrada que passa por um território indígena. Os Tenharim sentiram o golpe que significou a transamazônica  atravessando seu território, abrindo-o para a invasão de interesses  econômicos, principalmente madeireiras e mineradoras e garimpo.  São mais de três décadas  de permanentes  agressões aos índios e ao seu território.

Margarida Tenharim denunciou à Comissão Nacional da Verdade as centenas de indígenas mortos por ocasião e em consequência da estrada.. Eu vi, diz ela, as mortes de adultos, jovens e crianças...foram muitos. Passaram por cima de nossos cemitérios...Estão querendo guerrear de novo, mas nós vamos lutar pelos nossos direitos. Outra liderança fala da dependência que veio a partir da estrada e mostrar o preconceito e animosidade que persiste “ainda hoje tratam nois como bicho”.

Essa situação revela a urgência de se estabelecer normas definitivas, superando a política colonialista e integracionista, aprovando o Estatuto dos Povos Indígenas e o Conselho Nacional de Política Indigenista.
Veja no sítio abaixo:

Egon Heck
Cimi, secretariado
Brasília, 3 de janeiro de 2014