ATL 2017

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terça-feira, 7 de abril de 2015

Por um Brasil sem ditadura e sem colonialismo


“Num encontro com a presidente Dilma, eu falei pra ela que era preciso descolonizar o país. Ela me respondeu que já está descolonizado. Pensei comigo: essa é uma prova de que ela não conhece e não quer conhecer o país a partir de sua raiz, os habitantes primeiros, os povos originários desse país”.

Era primeiro de abril em Porto Alegre. Coincidência. Em debate os 51 anos do golpe militar civil.
Em torno de uma centena de pessoas preocupadas em debater o passado para entender o presente e traçar estratégias de um futuro melhor para a população brasileira, particularmente os empobrecidos, as populações tradicionais, os trabalhadores do campo e da cidade, os sem terra, e os povos indígenas, estavam reunidas no seminário nacional promovido pelo Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior). Nos debates, os diversos aspectos dos 21 anos de ditadura militar, civil/empresarial de 1964 a 1985 foram debatidos e aprofundados. A intensão foi também ter uma visão latino-americana dos processos de ditadura, anistia e formas de punição dos responsáveis pelas graves violações dos direitos humanos.


A ditadura militar e os povos indígenas


Os povos indígenas estão trazendo à tona as violações de seus direitos fundamentais à vida, a seus territórios, recursos naturais e formas diferenciadas de organização. As graves violações dos direitos humanos dos povos indígenas estão sendo debatidos, desde as aldeias, até as universidades e diversas instâncias do Estado brasileiro. E não são apenas memória historiográfica. Antes de tudo, é a busca da verdade para fazer justiça e garantir a não repetição das crueldades contra os povos originários.

Trazer à consciência nacional “os assassinatos, chacinas, massacres, envenenamentos, prisões ilegais, torturas, violência psicológica, intimidações e ameaças, despejos violentos, atentados contra aldeias, remoções forçadas, integração e escravização, estupros, campanhas difamatórias, preconceitos, crimes que geraram (e por continuarem acontecer em escala ainda geram) traumas individuais e coletivos” (Zelic, Marcelo). Essa foi a tarefa da Comissão Nacional da Verdade, cujo relatório foi entregue à presidente Dilma, no dia 10 de dezembro passado. A rigor, foi um início de processo que deverá continuar. Pois só assim se poderá iniciar um processo de reparação e justiça para os 8.350 indígenas mortos, no período de investigação da CNV – Comissão Nacional da Verdade (pg. 159).

Apesar do pouco espaço destinado à questão indígena (58 páginas de um total de 4.400), da falta de uma estrutura e tempo que permitissem um trabalho mais abrangente, fundamentado e que se propusesse não apenas fazer emergir a verdade, mas que avançasse na perspectiva da punição dos crimes e reparação coletiva e individual, foi um ponto de partida promissor, a ser levado avante pelos povos indígenas e seus aliados. Para isso será fundamental que a Comissão Indígena da Verdade e Justiça, criada em agosto do ano passado, passe a funcionar e cobre do Estado e da sociedade total apoio para seu efetivo funcionamento.


Os crimes da ditadura e a impunidade


Um dos aspectos que chama atenção no caso da ditadura no Brasil é a forma de anistia que foi negociada e sua interpretação que resultou na total impunidade daqueles que atuaram contra as centenas de desaparecidos e assassinados e torturados pelo regime militar e milhares de indígenas mortos.
No Chile, Uruguai e Argentina houve também a lei da anistia, mas com a pressão dos movimentos sociais se conseguiu vislumbrar brechas que levaram à punição de governantes e responsáveis pelas truculências, mortes e desaparecidos.

No Brasil não se chegou à condenação dos responsáveis pelas mortes e desaparecimentos. Na questão indígena se chegou a raras compensações individuais e coletivas pelo esbulho de alguns territórios indígenas, como no caso dos Panará, dos Gaviões do Pará e mais recentemente a Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, pediu desculpas em nome do Estado brasileiro e indenizou membros dos Kewara – Suruí, do Pará. Tudo isso, porém, representa uma ínfima parte de todas as atrocidades cometidas contra esses povos.


Para além do papel


Conforme Zelic são mais de 600 mil páginas disponíveis com informações sobre os povos indígenas e violação de seus direitos. Dentre eles destacamos o Relatório Figueiredo, de 1967, em que são 7.700 páginas contendo denúncias de graves violações dos direitos dos povos indígenas. Além disso, urge que se faça o registro da memória oral das testemunhas vivas de inúmeras violações dos direitos humanos dos povos indígenas – massacres, chacinas e ações de extermínio-genocídio de populações indígenas em todo o país. Uma tarefa gigantesca para uma dívida histórica da nação brasileira para com os primeiros habitantes desse país.

Destacamos ainda as recomendações feitas no relatório da comissão que tratou da questão indígena. A questão mais importante é a demarcação, desintrusão e garantia das terras/territórios dos povos indígenas. E junto com essa ação de reparação coletiva vem a necessária recuperação ambiental das áreas degradadas. Só assim o pedido de desculpas poderá ser sincero e consequente por parte do Estado brasileiro. Juntamente com essas ações será fundamental uma campanha permanente de informação sobre a realidade, vida e luta dos povos indígenas, que passe principalmente pelo processo formativo em todos os níveis escolares. Para alimentar essa rede de informação será importante a criação de uma Comissão Indígena da Verdade e Justiça, que aprofunde a memória e busque a justiça. Uma Comissão da Verdade exclusiva da questão indígena.
Egon Heck
Cimi Secretariado

Brasília, 6 de abril, 201 - Abril Indígena - mobilização nacional e regionais