ATL 2017

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sábado, 6 de janeiro de 2018

Para que o mundo não acabe

A reza e a forte emoção

Atanásio é um dos maiores rezadores Kaiowá Guarani na atualidade, no Mato Grosso do Sul.
A Aty Guasu estava animada com fortes debates, naquele início de dezembro de 2017. Repentinamente se iniciou uma movimentação em torno do Nahanderu. Assim foi registrada pela liderança Arnaldo:



“Atanásio começou a rezar uma reza forte invocando os entes sagrados para acabar com o mundo. Entrou em transe e suou muito. Por sorte seu Jorge chegou chorando e pediu que Atanásio não acabasse a reza ainda. Que tivesse fé. Atanásio estava em transe e não conseguia mais parar enquanto cada Kaiowá e Guarani sentia um aperto em seu coração e ninguém conseguia fazer nada, apenas chorar pelo fim do mundo, mas Jorge teve força e impediu Atanásio de continuar. Quase morremos todos.

Atanásio então pediu calma e ensinou uma outra reza que serve como antídoto para a reza dele para que quando os espíritos o conduzam para acabar com o mundo outros rezadores possam intervir”.

Atanásio falou também sobre o território: “ Temos reza para amenizar a dor e as feridas espirituais. O pai (pa’i kuara) e nosso grande Deus vão nos ajudar. Meu pai me ensinou para fazer o bem para os Guarani e Kaiowá. Mas os brancos não. Muitas vezes temos muita misericórdia dos brancos e os brancos nunca tiveram de nós. Para que os jovens, crianças, possam seguir os caminhos de antes, ajudar o povo e saber lutar contra o branco é preciso perguntar aos mais velhos como são as coisas em nossa cultura”.



Não poderia deixar   passar esse final de 2017 e início de 2018 sem deixar esse registro que muito realisticamente expressa a luta, a resistência e a força dos Kaiowá Guarani. É nesse contexto de profunda espiritualidade e sabedoria que passos lentos, mas seguros, vão sendo dados por esse povo, especialmente na conquista de suas terras, no retorno a seus tekohá (terras tradicionais).
No decorrer do ano que acaba, várias delegações desse povo estiveram em Brasília denunciando as violências que estavam sofrendo pelos interesses políticos e econômicos da região.

Porém, nada os demove ou intimida nessa firme determinação de continuar lutando por seus direitos, particularmente por seus territórios sagrados, fonte e base de suas vidas conforme sua cultura.
Apesar do decreto de morte e genocídio em curso, eles lentamente vão conseguindo pequenas vitórias, que oxigenam sua determinação de conquista de seus direitos. No final do ano, a decisão da Justiça Federal, 3ª Região, suspendendo a reintegração de posse do tekohá Bakurity, no município de Dourados, foi muito importante.


Uma delegação veio a Brasília exigir agilidade na demarcação das terras, dando continuidade nos processos já em andamento e constituindo Grupos de Trabalho para identificar as terras ainda sem providência, como Ceroi e Takuaju Laranjal nos municípios de Jardim e Guia Lopes da Laguna.



Nos últimos anos, vem se consolidando o processo de organização e resistência, destacando-se a Aty Guasu (Grande Assembleia) com participação ampla das aldeias/comunidades, além das Aty Guasu das mulheres e dos jovens. Além disso, os professores indígenas já têm um grande acúmulo de luta e organização.
Que os mártires dessas lutas nas últimas décadas continuem dando força e êxito às lutas desse heroico e resistente povo e a todos os povos indígenas do Brasil.

Povos indígenas 2017: sob o fogo cruzado do Estado

Os últimos anos têm sido talvez dos mais violentos, ameaçadores e genocidas desse último meio século. Talvez nunca os Três Poderes estiveram tão articulados em suas inciativas contra os direitos dos povos indígenas, do que nesses últimos quatro anos. E nada indica que seja diferente nesse novo ano que se inicia.

Se por um lado é possível prever um cenário de fogo cruzado, de muita violência, também é verdade que esse quadro aterrorizante tem gerado um promissor movimento de união e articulação dos povos indígenas e um crescimento expressivo dos apoios e novos aliados, dentro e fora do país.
Acreditamos que a força dos encantados, dos deuses e dos espíritos dos guerreiros garantirão mais um ano de vitórias da vida e do Brasil justo e plural pelo qual todos estamos lutando.


 Pode o mundo não acabar, porém só com a união e os valores e sabedoria dos povos originários do mundo será possível que a esperança de um mundo melhor para todos possa avançar. Caso contrário, a crescente destruição da natureza irá sim inviabilizar a continuidade da vida no planeta terra.


Egon Heck
Cimi, Secretariado nacional

Brasília, 1 de janeiro de 2018