ATL 2017

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quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Aty Guasu: "Temos misericórdia dos brancos e os brancos nunca tiveram de nós", afirma Guarani Kaiowá
Crédito das fotos: Egon Heck/Cimi





Por Egon Heck, Secretariado Nacional do Cimi, e Adalto Guarani e Kaiowá

Final de ano se aproximando. O Conselho da Aty Guasu Kaiowá Guarani sentiu a necessidade de realizar um momento forte de muita reza e luta, especialmente para enfrentar os poderosos inimigos e avançar na reconquista de seus territórios tradicionais, os tekoha - lugar onde se é.

Foi também um momento de memória das importantes lutas, avanços e derrotas, com o assassinato de dezenas de lideranças. Foi escolhido a Terra Indígena Pirakuá, pelo seu forte simbolismo, pois em torno da recuperação desse tekoha se deu o início de uma longa caminhada de luta pela terra.

É uma das poucas terras com o processo de regularização concluído e totalmente ocupado pelos Kaiowá Guarani. Boa parte da terra ainda está coberta de mata nativa. Essa foi a segunda Aty Guasu realizada nesta aldeia, em quase 40 anos. Foram mais de 400 participantes indígenas do Brasil, Argentina e Paraguai.

Fora Fórum dos Caciques!

Um momento de tensão aconteceu quando no final do segundo dia apareceu um grupo  do Fórum dos Caciques, que é uma divisão do movimento indígena no Mato Grosso do Sul, forjado na Assembleia Legislativa por ocasião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra o Conselho Indigenista Missionário (CPI) - que teve seus encaminhamentos absurdos arquivados por falta de provas das acusações absurdas feitas contra a entidade.

Depois dos 12  indígenas Terena, Kinikinau e Ofaié se apresentarem e manifestarem seu desejo de participação nos dois últimos dias da Aty Guasu, uma forte e contundente manifestação contrária a essa presença indesejável foi encabeçada pelas mulheres. Questionaram  o fato de serem subvencionados e se sentarem ao lado dos notórios inimigos dos índios. “Quem senta ao lado de criminosos é criminoso também, afirmou um das mulheres Kaiowá Guarani. Após falas contundentes, a decisão inconteste: “Vocês não vão ficar na nossa Grande Assembleia. Podem ir embora”.





Depoimentos

Atanásio Kaiowá Guarani, beirando os 90 anos, continua sendo figura central nessa Aty Guasu. Como Nhanderu é o mais procurado para abençoar os inúmeros indígenas que vão buscar a sua benção, e conduzir os rituais realizados com muita força e intensidade espiritual. O primeiro e mais importante dia da Grande Assembleia foi conduzido pelos líderes religiosos que conduziram os rituais e depoimentos dos Nhanderu e Nhandesi. Atanásio falou sobre o território: “Temos reza para amenizar a dor e as feridas espirituais".

O velho Nhanderu acrescentou: “O pai (pa’i kuara) e nosso grande deus vão nos ajudar. Meu pai me ensinou para fazer o bem para os Guarani e Kaiowá. Mas os brancos não. Muitas vezes temos muita misericórdia dos brancos e os brancos nunca tiveram de nós. Para que os jovens, crianças, possam seguir os caminhos de antes, ajudar o povo e saber lutar contra o branco é preciso perguntar aos mais velhos como são as coisas em nossa cultura.”


Para Atanásio, é preciso “viver direito e praticando sempre a nossas rezas; todas as noites, manhãs, tardes. Por exemplo, quando a mulher vai ter um filho ela procura o médico ao invés de procurar o rezador que lhe dirá como é ter e criar um filho na cultura Kaiowá e Guarani. Para que as lideranças não morram na retomada das terras, tem que consultar primeiro o rezador.”
O Nhanderu Lico Nelson Guarani e Kaiowá assim expressou seu apelo: “sim, nos rezadores somos sempre simples e humildes e somos os advogados dos advogados, os juízes dos juízes, mas somos humildes e não temos orgulho ruim. Não nos exibimos e nem nos achamos maiores que o povo".

Fala aos jovens: "Procurem os anciãos"

"Hoje falo e peço para os jovens e novas lideranças que estão à frente da Aty que acompanhem muito a luta, pois nós já estamos partindo e quem sofrerá são nossos filhos e nossos netos. Saibam que a cultura dos brancos nunca vai nos salvar: nem a terra, nem nossas vidas. Por isso todos têm que aprender o caminho da reza. Nós temos a maior das armas. A reza, o mbaraká e temos que estudar a escola da reza. Às vezes, o próprio indígena não tem fé no mbaraká deixando nossos rezadores para trás sem poder ajudar na batalha. As igrejas influenciam muito as pessoas e nunca vai entender que temos uma cultura e espiritualidade própria que pode e deve ser manifestada por nós. Acredito que nós não vamos mais permitir que a cultura dos brancos invada nosso modo de viver”, discursou Nhanderu Lico Nelson Guarani e Kaiowá  

Alda Nhandesi  explicou como foi feito a retomada do Pirakuá. Lembrou que foi uma das rezadoras que participou da retomada. “Pirakuá se chamava Puente Kyhá e eu ajudei a liderar a reza. Quem tava junto era Lico, Rosalino, Carlito, Amilton Lopes. E hoje eu vim de novo nesta comunidade, depois de 30 anos. Queria dizer para os novos que estão nessa luta para conversar mais com os rezadores e valorizarem o que deixamos para eles, nossa cultura e nosso modo de viver e a língua. Quando vamos por nosso caminho, é preciso ir rezando durante a caminhada. Eu estive muito tempo nessa resistência e em meu tempo nós valorizamos muito os rezadores, por isso conseguimos demarcar. Qualquer liderança que for retomar, favor procurar os anciões”.



Rivarolla Guarani Mbya, cuja aldeia fica na Argentina, falou da importância da união dos esforços e da lutar conjunta: “Sempre estamos pensando em unificar os quatro países para que possamos comunicar melhor e também para que os povos originários sempre possam serem vistos como uma grande nação. De hoje em diante precisamos fazer documentos que iniciem esta articulação. Penso que no futuro nossos netos e nossos filhos precisam desta memória. De que somos uma nação independente das fronteiras. E que juntos poderemos fazer uma luta mais forte".

Para o Mbya a luta não pode ser separa. "Quando ouço os Kaiowá e vejo as imagens do genocídio isso me dói. Não posso permitir que isto aconteça. Nestes tempos cada governo de cada país, juízes, polícia têm que respeitar nossa organização social. O problema Kaiowá é um problema internacional, pois me incluo na sua luta e desejo sempre uma boa vida aos irmãos do Brasil. Seguimos juntos". Eliseu Lopes Kaiowá Guarani concluiu uma de suas falas dizendo: “Não é tempo de ter medo ou dúvida, agora é hora de seguir com toda força. Temos que ter isso na cabeça. Agora temos que pensar: É enfrentar ou morrer”.

Leia na íntegra a carta final da Aty Guasu:







DOCUMENTO FINAL DA ATY GUASU - PIRAKUÁ

Nós, povo Guarani e Kaiowá reunidos na Aty Guasu, nos dias 27/11 a 01/12/2017 na Aldeia Pirakuá, semente de nossa luta e reconquista de nossa terra, razão pela Marçal Tupa’i foi assassinado enquanto lutava pelo seu povo.

Essa Aty Guasu foi marcada pela participação de nossos parentes Guarani Nhandeva, M’bya e Pa’i tavy terã da Argentina e do Paraguai, além da presença solidária de aliados, entre os quais a UNILA (Universidade Latino americana).

Para nós a Aty Guasu foi um grande momento celebrativo, memória dos que tombaram na luta pelo nosso Território tradicional realizado com muito ritual, muita emoção e lágrimas. “Nossos mortos têm voz”. A Aty Guasu foi um momento forte para fortalecer e valorizar nossos Nhanderu e Nhandeci, nossos mestres tradicionais e que estiveram presente em número significativo.

Essa Aty Guasu, depois de 40 anos, vem mostrar que esse é o único e mais eficaz caminho para conquistar nossos territórios e garantir os nossos direitos. Desde a retomada de Pirakuá em 1982 até hoje foram mais de 40 retomadas realizadas, cujo processo de regularização deveria estar sendo realizado pela FUNAI.

Em 2002 o governo através da FUNAI assumiu a demarcação das terras dos povos Guarani e Kaiowá como prioridade do órgão. Porém, nos cinco anos seguintes nada foi feito. Foi então que as nossas lideranças junto com o Ministério público decidiram ir a Brasília para pressionar a demarcação de suas terras. Nesta ocasião foi assinado o TAC (Termo de ajustamento de conduta) em que a FUNAI se comprometia a identificar todas as terras Kaiowá e Guarani nos anos seguintes. Passaram-se dezoito anos e a maior parte das terras não foi regularizada e pelo menos cinco das lideranças que assinaram o TAC já morreram.

Essa omissão do governo é a razão do quadro extremo de violência e genocídio em que passa os kaiowá e Guarani. Situação que gera muita indignação e revolta em todos nós. Nossas lideranças continuam sendo perseguidas, criminalizadas e assassinadas. Toda essa situação causa danos físicos e psicológicos nas pessoas levando em muitos casos a dependência química e ao suicídio.

Não resta às nossas comunidades outro caminho a não ser a retomada das terras tradicionais.

REPUDIAMOS:

- Repudiamos a tradição das PECs no Supremo Tribunal e no Congresso Nacional, não aceitamos a tese do Marco Temporal. Ele é um decreto de morte para nosso povo;
- Repudiamos o discurso preconceituoso e discriminatório do deputado Eduardo Bolsonaro contra os povos indígenas e comunidades tradicionais;

- Repudiamos a justiça brasileira, segunda instância de São Paulo que colocou em liberdade os cinco fazendeiros responsáveis pelo assassinato de Clodiodi no massacre de Caarapó;

- Repudiamos as ações violentas praticadas contra nosso povo, os assassinatos e ocultação dos corpos de Rolindo Vera e Nísio Gomes e que a justiça até agora não se pronunciou;

- Repudiamos o decreto baixado pelo presidente Michel Temer autorizando o porte de armas para a defesa da propriedade privada porque isso estimula a violência e os ataques aos povos indígenas e comunidades tradicionais.

DENUNCIAMOS:

- Denunciamos a destruição da natureza com o uso abusivo de agrotóxicos que poluem o ar, a terra e as águas atingindo nossas comunidades. Estamos adoecendo cada vez mais. Não aguentamos mais, voltaremos às nossas terras para dela cuidar e viver com dignidade. Continuaremos denunciando essa situação em nível nacional e internacional como um dos piores quadros vividos hoje no Brasil e no mundo;

- Denunciamos o Estado brasileiro pela omissão em relação aos nossos direitos e pela prática de violência contra nosso povo, de modo especial a agressão às nossas crianças que estão sendo retirada das nossas comunidades para colocar em abrigos encaminhadas para adoção;

- Denunciamos as práticas colonizadoras genocidas e etnocidas que continuam cooptando lideranças, provocando divisões e conflitos entre os povos indígenas;
- Denunciamos os ataques agressivos praticados pela polícia federal, militar, civil, rodoviária, DOF, bombeiro, ambulâncias e funerárias nas ações de reintegração de posse;

- Denunciamos os fazendeiros, sindicato rural, FAMASUL que além de invadir as nossas terras fomentam os ataques paramilitares e mantêm pistoleiros vigiando e dando tiros em cima de nossos tekohas;

- Repudiamos e denunciamos o poder judiciário pelas constantes ações de despejos em nossos tekohas.

NOS COMPROMETEMOS:

- Fortalecer a nossa luta através dos nossos rituais, da nossa cultura. Nós continuaremos resistindo para conquistar e defender nosso território, apenas tendo nosso corpo como escudo. Se caso persistir a reintegração de posse o Estado brasileiro será responsável, pois haverá morte coletiva do povo Guarani e Kaiowá, nós resistiremos até o fim;

- Unificar a nossa luta como nação Guarani, hoje presente em cinco países: Brasil, Argentina, Paraguai, Bolívia e Uruguai com 280 mil habitantes e 1400 comunidades.

Resistimos na esperança, crescemos na união fazendo nascer de nosso chão, regado com nosso próprio sangue e com as lágrimas dos nossos sentimentos, novos guerreiros.

Aldeia Pirakuá, 01 de dezembro de 2017

Aty Guasu - Povo Guarani, Grande Povo  


segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Mato Grosso do Sul e a banalização da violência


 

Em uma semana que estou aqui em Dourados se tem informações de 4 indígenas Kaiowá Guarani mortos, seja por atropelamento, suicídio (homicídio) ou conflito. Fica difícil  informações mais concretas de algumas situações ,  pois o emaranhado e intensidade de conflitos é tão intenso que se chega ter a sensação de que existe uma banalização da violência em alto grau

  
Enquanto isso algumas dúzias de fazendeiros fazem manifestações no centro da cidade protestando contra os 5 comparsas que estão presos acusados de envolvimento no assassinato do “massacre de Caarapó” que culminou com a morte de Clodiodi de Souza e sete feridos.

Visitando as comunidades Guarani Kaiowá da região de Caarapó, onde fizeram 8 retomadas de suas terras tradicionais, nos últimos 3 anos, se percebe nitidamente que “a situação de guerra não acabou”.  Pesam sobre as comunidade duas ordens de despejo, o que os deixam sob permanente e angustiante estado de sobressalto. “Não vamos entregar um palmo dessas terras que são nossas”, afirma uma das lideranças. A situação é de tensão e apreensão. “Estamos acostumados a ter que enfrentar os inimigos e as decisões judiciais quando se aproxima o final de ano” informou um dos caciques. Segundo informações oficiais, ultimamente houve movimentação em 20 processos envolvendo a questão indígena na região.

A lógica perversa do arrendamento de terras indígenas
  
O arrendamento das terras indígenas tem sido uma das estratégia da invasão das terras dos povos originários nativos, nas últimas décadas. Assim aconteceu especialmente desde o governo de Getulio Vargas, a partir de 1940, acentuando-se na década de 70.

O arrendamento das terras indígenas tem sido um dos mecanismo de gerar desunião e conflitos internos, na medida em que apenas foi favorecendo pequenos grupos que intermediavam os arrendamento das terras, enquanto muitos indígenas permaneciam sem terra.

A mãe não   se vende nem arrenda

A mãe Terra  e mãe natureza são parte dos povos nativos. Para quem vê a terra como objeto é impossível ter a compreensão do imensurável  sofrimento que tem causado para esses povos a destruição da natureza e envenenamento da  terra. 

O  argumento das elites no poder de que os índios não precisam de terra é falacioso. Esquecem de acrescentar que o saque dos recursos naturais e a “morte da terra” tem sido efetuado pelos invasores e arrendatários.O arrendamento como sistema de destruição e morte da Mãe Terra e de todas as formas de vida, através do envenenamento da terra, das águas e do ar.



Dia 25 de novembro  dia em que os povos indígenas da região celebram a memória de Marçal Tupã’i, assassinado em 1983  na terra indígena Nhanderu Marangatu. Em julho de 1980 Marçal Fez uma fala contundente ao Papa  Paulo VI, em Manaus. Denunciou a extrema violência a que seu povo estava submetido

Acabou de ser celebrado  também neste mês de novembro 0s 6 anos do assassinato do cacique Nizio Gomes. Os Kaiowá Guarani celebram a memória de dezenas de lideranças  que derramaram seu sangue na luta por seus direitos, especialmente a terra.

Egon Heck

Cimi Secretariado Nacional


   


quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Aliança mundial pela Mãe Natureza


Celebrando a diversidade


Uma linda e agradável manhã de primavera. Sob a sombra acolhedora de uma frondosa árvore de sucupira, típico do cerrado brasileiro, começam a fluir as energias do planeta aquecendo os corações sob um manto de belas cores estampadas  nas vestimentas, pinturas, adornos de dezenas de povos nativos das Américas, África, Ásia e Europa. 







A diferença de expressões, línguas, cantos e rituais é uma amostra do quanto podem os povos indígenas e seus aliados iluminar a cegueira do   modelo de desenvolvimento capitalista que está sendo imposto em nível mundial com violência e destruição que   ameaça as condições de vida em nosso planeta.
É muito oportuno que semelhante Assembleia mundial se realize, neste momento no Brasil,  pois estamos passando por um momento de extrema violência e agressão aos direitos dos povos indígenas, expressou uma das coordenadoras da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil-APIB. ‘Precisamos dar esse recado ao mundo e  contribuir  com o clamor pelo direito à vida  da natureza.


Em torno de 150 representantes de povos originários de quatro continentes iniciaram , no Centro de formação Vicente Canãs, em Luziânia, a primeira Grande Assembleia da Aliança dos Guardiães da Mãe Natureza. A Assembleia terminará dia 15 com a expectativa de se consolidar uma grande Aliança dos Guardiões da Mãe Natureza como contribuição concreta dos povos indígenas para a construção de um mundo em que todos os seres vivos possam viver em harmonia e paz.

Será um grande   momento de mostrar ao mundo novos caminhos de esperança a partir dos povos originários, suas sabedorias milenares e resistência secular.
Belas e fortes são as diferenças entre os milhares de povos sobreviventes no mundo. É uma mostra de que é possível  um outro mundo, onde os povos  “Originários de todos os continentes...temos o dever de construir pacificamente uma visão comum a fim de iluminar o futuro da nossa humanidade. Gratidão de ter vindo participar  da criação de uma aliança para a paz entre os seres humanos e a Natureza”

A espiritualidade une nossas vidas e nossas lutas

As manifestações rituais foram de uma beleza ímpar. Foram unanimes em se unirem no  espírito que garante a sobrevivência dos povos, mesmo que se encontrem submetidos a graves violências e extermínio, em todos os continentes. Desde o primeiro momento dessa primeiro dia da Assembleia mundial dos povos originários foi a continuidade de ações colonialistas, dominadores e invasoras dos territórios indígenas.


Estamos procurando descolonizar nossos filhos através de nossa educação. Aporem o difícil é descolonizar os brancos, afirmou uma liderança indígena norte americana. “Nossa luta  não é contra um governo, é contra um monstro muito maior que é o sistema capitalista”
As manifestações e rituais se deram todas ressaltando a necessidade de cuidar da Mãe Terra. E isso só nós povos originários com nossa sabedoria e espiritualidade sabemos fazer. Nós amamos a mãe natureza cuidamos dela e queremos construir essa grade aliança. Nas manifestações foram todas no sentido de buscar de todas as formas construir essa grande união dos povos.
Foram impressionantes os ritos e manifestações espirituais durante quase três horas, na sombra da árvore de sucupira. Apesar de todos os cenários de violência e destruição que marca a atual realidade em todos os continentes, houve manifestações de esperança e desejo de contribuir para salvar a natureza, a humanidade.

Egon Heck    fotos  Laila/Cimi


Brasilia, 11 de outubro de 2017




terça-feira, 10 de outubro de 2017

A luta dos povos indígenas contra velhos e novos fantasmas


A volta do monstro

Enquanto representantes da nação Timbira do Maranhão, representantes dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol, de Roraima e dos Tupinambá, da Bahia, cumpriam uma intensa agenda de luta por direitos seus e dos demais povos originários do Brasil. Enquanto percorriam complicados e corro


mpidos meandros do poder foram informados de mais uma iniciativa genocida contra os povos indígenas. Parlamentares ligados ao agronegócio, informaram pela imprensa que o presidente Temer havia se comprometido com eles a liberar, via medida provisória, o arrendamento de terras indígenas já demarcadas.
O arrendamento foi a forma mais eficaz de o estado brasileiro, antigo SPI e mais tarde Funai, promover a invasão das terras indígenas na maioria das regiões do país. Essa prática genocida, só foi freada com a publicação do Estatuto do Índio, Lei 6001, de dezembro de 1973, aprovada após graves e contínuas denúncias de massacres dos povos indígenas.
Lembro-me quando em 1974 ajudei o chefe Posto Indígena Xapecó, no oeste catarinense, a preencher as notificações de fim do arrendamento. Medida que praticamente não teve eficácia, pois os arrendatários simplesmente deixaram de pagar a insignificante taxa de arrendamento tornando-se simplesmente invasores. Essa tem sido a prática nefasta em praticamente todas as terras indígenas no sul do país.
Na ocasião, também se repetia o cínico e criminoso discurso de que os povos indígenas não poderiam representar um ônus para o país, mas que as terras indígenas deveriam

desenvolver atividades produtivas e extrativistas para que com essa renda pudessem suprir os recursos necessários para a assistência aos povos originários. Ledo engano.  As terras indígenas passaram a ser rapidamente saqueados em seus recursos naturais, e a Funai se transformou numa empresa madeireira, mineradora, agronegócio, auferindo altos lucros e a situação de desassistência dos índios ficou ainda pior.
Será casual a volta do discurso do arrendamento, da exploração mineral e madeireira nas terras indígenas? A ditadura civil está querendo provar que consegue ser pior do que a ditadura militar, para os povos indígenas.
Não passarão
Os povos indígenas que estiveram toda a semana fazendo incidência em vários órgãos, ministérios e espaços dos três poderes, foram claros e incisivos em exigir o cumprimento da Constituição, não permitir nenhum retrocesso ou perda de direitos. Em especial chamaram atenção para a não demarcação e garantia dos territórios e o saque dos recursos naturais.
Deixaram claro que estarão cada vez mais unidos para fazer frente a essas ameaças e esperam contar com cada vez mais aliados dentro e fora do Brasil.
A delegação da Raposa Serra do Sul veio mostrar que a demarcação de seu território foi não apenas um acerto, mas também uma demonstração do quanto os povos indígenas têm a contribuir com a humanidade, enquanto guardiões da floresta e seus projetos de Bem Viver.

Apesar das sérias preocupações com a perversa política indigenista do atual governo e as perigosas manobras antindígenas nos três poderes, as delegações indígenas mostraram-se convictas de que com a sua sabedoria e espiritualidade conseguirão vencer mais essas investidas, depois de mais de meio século de violências e extermínios.

Brasília, 9 de outubro de 2017
Egon Heck  fotos Laila/Cimi
Missionário do Cimi


quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Nação Timbira do Maranhão lutando em Brasília





 “Quanto mais a senhora fala, mais nos deixa preocupada”, expressou uma liderança indígena do Maranhão na audiência de mais de uma hora com a ministra Grace Mendonça, da Advocacia Geral da União – AGU. A ministra se desdobrou em dar a entender às 12 lideranças indígenas de cinco povos presentes na audiência, a boa vontade do governo em demarcar as terras indígenas: “Posso garantir a vocês que em conversa com o presidente 

Temer, ele externou seu desejo de demarcar as terras indígenas”.


Nas entrelinhas, a ministra da AGU deixou a entender que existe a intenção do atual governo em implementar a exploração de recursos naturais e de projetos de produção do agronegócio nas terras indígenas já demarcadas.
Quanto à pretensa boa vontade de Temer em demarcar as terras indígenas, as lideranças foram taxativas: “O governo não tem interesse em demarcar as terras indígenas, pois caso tivesse efetivo interesse já teria demarcado”.

 O calcanhar de Aquiles

 A ministra insistiu nos possíveis benefícios que o Parecer 001/2017, editado pela AGU a partir de solicitação da Casa Civil da Presidência da República, poderia trazer aos povos indígenas. A intenção do mesmo seria defender os direitos indígenas. Segundo a ministra, ao contrário do que alguns procuram difundir, o parecer não faz nenhuma referência ao Marco Temporal. Ao contrário, a intenção foi dar segurança jurídica à demarcação das terras indígenas.




As lideranças Tupinambá, da Bahia, deixaram registrado sua preocupação com relação à não demarcação das terras Indígenas de seu povo e foram incisivas em reafirmar que todos os procedimentos administrativos já foram realizados, inclusive o levantamento fundiário, tendo a própria comunidade colaborado com esse processo. Aguardam a urgente assinatura. “Até quando teremos que esperar”, perguntam, angustiados e revoltados.
Com relação aos reais interesses do governo, as lideranças deixaram claro que, além de não demarcar, o governo Temer tem sinalizado com a possibilidade de abrir as terras já demarcadas para a exploração pelas mineradoras, madeireiras e o agronegócio.
Ao finalizar o encontro manifestaram suas preocupações com relação ao presente e futuro, pois os interesses econômicos e o governo não tem preocupação com a natureza que está sendo destruída. “Continuaremos resistindo ao Parecer da AGU por entender que ele é maléfico para os povos indígenas. Estamos sendo afrontados a todo momento, lá na ponta, nas comunidades”, lembrou uma liderança Tupinambá.
A ministra Grace Mendonça afirmou “que nenhuma decisão será tomada sem prévio debate com os povos indígenas. Se preciso for rever algum ponto do parecer não tem problema, será feito”.

Egon Heck    fotos Laila/Cimi


Missionário Secretariado Nacional

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Povos da resistência e da esperança seguem em luta




Nas asas da primavera chega o grito de socorro da Terra Indígena Ypo’i/Triunfo, na fronteira do Brasil com o Paraguai.  Da Amazônia, da terra indígena Vale do Javari, do alto rio Jandiatuba, na divisa do Brasil com o Peru, chega, envolta em brumas e nevoeiros, a notícia do massacre de mais de 10 índios flecheiros. O massacre é atribuído a garimpeiros que invadiram aquela região onde vivem mais de uma dezena de povos indígenas “isolados” (em situação de isolamento voluntário).



Do clamor das lideranças Kaiowá Guarani do Ypo’i/Triunfo, ressurge com vigor a memória do assassinato dos professores indígenas Genival e Rolindo Vera. O corpo de Rolindo até hoje não foi localizado. O mesmo acontece com relação ao corpo do cacique Nisio Gomes. Se nessas regiões totalmente devastadas do nosso país, as autoridades e a justiça não conseguem localizar os corpos, não fica difícil imaginar o que se passa no interior da floresta amazônica com os grupos isolados.  Parece muito cinismo e descaramento de uma sociedade que insiste em decretar a morte a seus povos originários. Não existem corpos, portanto a ação genocida vai ser enterrada na vala comum do esquecimento. Mais um massacre indígena ficará encoberto pela truculência do projeto colonizador que impiedosamente veio exterminando centenas de povos, milhões de pessoas originários destas terras.


De várias regiões do país chegam os gritos de socorro dos povos nativos deste país. A denúncia foi levada pelos povos indígenas do Brasil à ONU por diversas vezes.  Ainda neste mês de setembro, Voninho Kaiowá Guarani, denunciou na ONU a grave situação por que passa seu povo e a maioria dos povos indígenas do Brasil. A embaixadora do Brasil, nesta instância internacional tentou se apressar em desmentir tão escancarado cenário de violência e desrespeito aos direitos elementares dos povos indígenas do país.

A esperança que renasce na resistência diária e na profunda espiritualidade dos povos originários


 A procuradora Geral da República, Raquel Dodge, que há poucos dias tomou posse, tem demonstrado grande sensibilidade com a causa dos povos indígenas, meio ambiente, direitos humanos, populações tradicionais dentre outros.
“Além da questão indígena, o grupo montado por Raquel para atuar pelos direitos de minorias também definiu como prioridade fazer valer o cumprimento de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário” (O Globo, 24/09/17).


A Aty Guasu das Mulheres Kaiowá (Aty Kuña) Guarani, no Mato Grosso do Sul, que contou com a presença e apoio de mulheres de outros povos e até mesmo representante da ONU, tem sido mais um marco na luta desses povos submetido a um processo de genocídio. No documento Final renovaram a decisão de resistir e lutar de forma permanente por seus direitos, especialmente a terra.




“Se o governo não concluir a demarcação de nossas terras, vamos continuar retomando nossos tekoha. Nós mesmo vamos demarcar as nossas terras”, ressalta Leila Rocha, liderança do tekoha Yvy Katu, localizado em Iguatemi (MS).
O bem viver e a construção de redes de cuidado
“Para tanto, propomos pensar sobre o que podem significar as redes de cuidado para cada uma e um dos participantes e suas organizações ou comunidades, e quais as estratégias de construção de processos de agregação, apoio mútuo, fortalecimento das comunidades, das autonomias, dos processos reivindicativos sobre o Estado, e a ampliação da compreensão do território, articulação entre diversos movimentos etc.” (Encontro Internacional sobre o Bem Viver, São Luís, Maranhão, início de agosto 2017). 

Além das partilhas de vida, lutas e experiências de resistência e insurgência foi realizado um expressivo intercâmbio com a comunidade quilombola de Santa Rosa dos Pretos, uma das inúmeras comunidades atingidas mortalmente pelo projeto Carajás.
Na atual conjuntura, alguns temas como autodefesa, autodemarcação dos territórios e autonomia se 
tornaram urgentes e vitais.




Representantes dos povos indígenas Munduruku do Pará e Gamela do Maranhão trouxeram cartas e documentos com suas exigências e reivindicações. Diante das ameaças de construção de hidrelétricas e de invasões, o movimento de mulheres Munduruku afirmou:
“Estamos olhando vocês. Não podem se esconder dos nossos olhos. Neste território vocês não vão entrar. Sabemos que o governo doente quer voltar e o governo podre quer ficar. Nenhum dos dois merece a confiança de nenhum povo. Em toda parte que vamos tem as armadilhas do governo. Nós mulheres sabemos que vai ter muita dificuldade, mas nossa força é nosso Movimento”.
Brasília, início da primavera 2017


Egon Heck


Cimi Secretariado 

sábado, 19 de agosto de 2017

Vitória dos Povos indígenas, da espiritualidade





No final do dia 16 de agosto mais uma data importante na histórica resistência dos povos originários do Brasil. A instância máxima da justiça, o Supremos Tribunal Federal STF diz não às pretensões do Estado do Mato Grosso, de indenização pelo reconhecimento de terras indígenas do Parque do Xingu, dos Nambikuara, dos Pareci e dos Enê Nauwê.  Foi a vitória do direito dos povos indígena às suas terras tradicionais. Foi um não à pretensão dos inimigos dos índios de impor a leitura inconstitucional do “Marco Temporal”.


 Lágrimas de alegria


Ao ser proferido o último voto dos 8 Ministros do Supremo os mais de cem indígenas presentes no plenário  deixaram o local envoltos em revoadas de esperança,  de rituais e gritos pela vitória. Rejeição unânime. Vitória de séculos de resistências, de dias de intensos rituais e a certeza da vitória. Quantas já foram  a lágrimas derramadas ao verem suas lideranças e guerreiros assassinados,  seus filhos chorando de fome ou terem suas vidas ceifadas pela total desassistência do Estado, pela omissão da justiça, pelas mortíferas leis forjadas na calada da noite pelo poder legislativo ou executivo.


Vários indígenas, especialmente Kaiowá Guarani, do Mato Grosso do Sul, não conseguiram conter as lágrimas que regaram os corações dos Ministros do STF. “Entramos na cabeça deles” afirmou um dos Nhanderu (rezador) ao se referir  às intensas horas de rituais e rezas para amolecer a consciência e os corações dos Ministros.  Ou como afirmou um Nhanderu (líder religioso Kaiowá Guarani. “Nosso ritual Purahei é para limpar os pensamentos e corações dos Ministros. Para fazer justiça e reconhecer os direitos históricos constitucionais, consuetudinários e sagrados dos povos indígenas, às suas terras. “Nós não somos apenas da terras. Somos a terra. E sem ela não vivemos”, declarou uma das lideranças presentes na praça dos Três poderes, durante a semana passada. Foi  uma vitória mais do que política, foi uma vitória da nossa espiritualidade, da força da resistência dos nossos lideres religiosos.


Vitória da vida, da união





 Indígenas, quilombolas e das populações excluídas desse país.  Foi uma sinalização de que é possível construirmos um outro país, com as vozes e jeitos plurais, com a união da sabedoria e resistência secular ao projeto invasor e colonizador.  Fomos oxigenados em nossa esperança e desafiados a ampliar a nossa luta permanente com todas as formas de opressão e exclusão. Que os Projetos de Bem Viver iluminem nossos horizontes e alimentem nossas estratégias de um outro país e mundo são possíveis e urgentes.
Anciões e crianças, jovens e mulheres, guerreiros(as)  todos contribuíram com essa importante batalha nessa guerra sem trégua, na qual essa vitória foi importante, porém já num horizonte bem próximo são visíveis  duros embates.  É a PEC 215 que está engatilhada. É a portaria 001/2017 que o presidente Temer acabou de assinar e impor . O PL 1610, tentando escancarar as terras indígenas à ganância da mineração e assim por diante.  É fundamental continuar mobilizados e estar atentos às manobras dos inimigos, que sempre procuraram nos dividir para dominar.

 “Agora  posso morrer em paz”

Com essa  expressão a anciã  Terena, de 86 anos,  quis manifestar a importância de ainda conseguir participar dessa importante vitória indígena nesse momento histórico da resistência e afirmação de direitos dos povos originários.




Com muito esforço, com auxílio de sua bengala e mãos amigas ela conseguiu estar nesses dias na praça dos três poderes e no plenário do Supremo Tribunal Federal. No final do mês de julho dona Esther enviou um documento à Ministra presidente do STF, Carmem Lucia, ao Ministro da Justiça e ao Papa Francisco denunciando as barbaridades que os povos indígenas estão sendo vítimas, e pedindo socorro ! “A terra é nossa vida, nossa liberdade, o mais sagrado para nós indígenas, e estão tentando nos tratar como animais, nos deixando encurralados em minifúndios, para favorecer grandes agricultores....Lutamos por algo que não deveria existi luta por ser direito natural. No entanto, até nos dias de hoje estamos sobrevivendo  a COLONIZAÇÃO CONTÍNUA”, para não dizer, GENOCIDIA INDIRETO!”


Egon Heck    fotos Laila/Cimi
Cimi Secretariado Nacional
Brasília, 18 de agosto de 2017







quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Dia Internacional dos Povos Indígenas: passa o tempo, persiste o genocídio



A impressão que temos é que a história se repete. Para os povos indígenas, o que os fatos narram é um constante genocídio. Desde a usurpação da América, o que contam as ocorrências é uma realidade de perseguição e mortandade. Ano após ano. Século após século. Hoje deveria ser diferente, mas infelizmente não é. Depois das perseguições e escravismo, do aldeamento, da tutela, trazem para debate marcos teporais para os direitos que são originários, que precedem inclusive o Estado. Novamente, são teses analisadas e aplicadas em nome dos dominantes.
“Nós estamos voltando na Ditadura Militar, meus avós contam como é que os indígenas eram tratados na história. Hoje é a história que se repete. Volta o genocídio dos povos indígenas”, professa Eliseu Kaiowa Guarani.

Num contexto de retirada de direitos, como sinal de resistência, germinam feitos de esperança. Dia internacional dos povos indígenas: a presente semana é tempo de intensificar as lutas. Indígenas em todo o Brasil mobilizam-se contra o Marco Temporal. Junto a eles, entidades e parceiros escancaram as violações dos direitos indígenas em debates e conversas. Na segunda-feira (07), a Comissão de Justiça e Paz de Brasília (DF) reuniu aos fundos da Catedral Metropolitana de Brasília (DF) mulheres e homens para uma “Conversa Justa”. Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi, e Elizeu Kaiowá Guarani, secretário da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), conduziram o momento.  


Cleber Buzatto trouxe a análise sobre a conjuntura. Apresentou as realidades de forma crua e violenta, realismo do que é vida dos povos indígenas na “pátria amada, Brasil”. Casas de lonas em retomadas de territórios sagrados. Crianças indígenas que vivem em espaços que são alagados, que sofrem com o frio a beira de BRs por não contarem com uma política efetiva de demarcações das terras. Massacres regidos por pistoleiros. Na realidade, essas não são ausência do estado, mas presença de um poder que negocia somente com os colonizadores, como lembra Cleber:

“O atual governo não tem qualquer tentativa de conversação com os povos indígenas. Todas as ações dos governos têm sido acertadas entre Michel Temer e os ruralistas. E diante a conjuntura, onde Temer precisa se blindar para não ser investigado, tudo o que a bancada ruralista tem pedido o governo tem atendido. A cada semana tem uma nova ação nociva contra os povos indígenas, quilombolas, campesinos, trabalhadores sem terras”.  – Cleber Buzatto



Elizeu Lopes Guarani Kaiowa retoma a narração da história – e confirma que ela é cíclica. “Não temos mais para onde correr. Antigamente quando éramos atacados nos refugiávamos na mata. Agora no Mato Grosso do Sul só tem boi e braquiária, cana, soja e eucalipto. Temos que enfrentar os jagunços e fazendeiros”. A liderança indígena confirma as imagens apresentadas por Buzatto. “O que vocês viram em vídeo, é o que eu vivo diariamente. Essa é a nossa vida por não podermos contar com um Estado que se diz Nacional”.


Na manhã de ontem, terça-feira (09), outro pingo de esperança. A Audiência Pública realizada no Senado Federal, organizada pela Comissão de Direitos Humanos, integrou a série de iniciativas que debatem e solidarizam-se aos Direitos dos Povos Indígenas. Nos dois eventos - Catedral e Senado - foram feitas denúncias contundentes sobre as violências contra os povos indígenas em todo o país. Não há dúvida: o atual cenário é de violação e tentativa de supressão de direitos. Mesmo que as hostilidades com a vida dos povos indígenas sejam “atemporal”, vivemos o tempo considerado o mais grave das últimas décadas, inclusive mais agressiva do que o período dos anos de chumbo. Elizeu Guarani Kaiowa estava certo.
  



“O que podemos fazer?”, questionou uma senhora na Conversa de Justiça e Paz. Como ações concretas, estendeu-se o convite para que digamos juntos: Não ao Marco Temporal. A sociedade civil foi convidada a somar-se nos atos previstos para esta semana de mobilização. Centenas de indígenas e quilombolas de várias regiões do país estão em Brasília nos próximos dias. No mesmo tempo, estão previstas manifestações dos povos indígenas, quilombolas e outras populações e povos tradicionais em todo o pais. De norte a sul criaremos uma grande corrente de solidariedade e energia para que os povos indígenas tenham seus direitos tradicionais – sem marcos temporais – assegurados pela decisão do Supremo Tribunal Federal. Rituais e rezas conduzirão a peleja que nunca cessa.

Violência e violações

Foram relatados inúmeras situação de massacre e genocídio nos encontros que aconteceram nos últimos dias. A presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Lia Zanotta, ressaltou a perseguição daqueles que trabalham para denunciar as violações dos direitos indígenas. “Se criminaliza antropólogos e aliados dos povos originários para atingir e suprimir direitos indígenas”.


Luciano Maia, da 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), repartição destinada a assuntos referentes a povos indígenas e comunidades tradicionais, apontou na Audiência Pública do Senado o descaso do atual governo para políticas de promoção a vida dos povos. “Os povos indígenas sabem que nada podem esperar do governo, por isso ainda tem alguma confiança na justiça”, afirmou ao retratar a difícil conjuntura. “Estado brasileiro vem incrementando uma política de extermínio dos índios. Isso se dá especialmente pela não demarcação e respeito das terras indígenas”, relatou.

Muito além de 1988

Apesar desse cenário tétrico, em momento algum os povos indígenas têm desistido de lutar por seus direitos ou de desenvolver suas estratégias de enfrentamento para a garantia de sua vida/território. Juntamente com seus aliados, estão articulando campanhas, visitas, debates e realizam muitos rituais. Sabem que não estão sozinhos nesses embates. Contam com a sabedoria milenar e a força dos espíritos de seus ancestrais que viveram e vivem nessas terras de Abya Yala, a Ameríndia. A pergunta: qual a herança para as crianças? Eles são herdeiros da luta.

Nas andanças e enfrentamentos às políticas de morte, permanece a certeza: o direito dos povos indígenas é originário. Essa é uma garantia presente na Constituição Federal de 1988, mas que se estende pela história das comunidades e povos tradicionais. Por isso, a campanha “Nossa história não começa em 1988” lembra a todas instâncias de poder do Brasil que tradicionalidade não se negocia. 

Não ao Marco Temporal
Demarcação Já

Por Hegon Heck, do secretariado nacional- agosto 2017
Fotos Laila Menezes


Alerta máximo



Graves ameaças pairam sobre os povos indígenas.  E não é apenas a desconstrução de direitos constitucionais, mas são também projetos de saque dos recursos naturais, principalmente minérios e madeira.
Estão em curso negociações envolvendo ministérios e órgãos federais, como a Funai.
Essas ameaças se materializam em  iniciativas anti indígenas  nos três poderes do Estado

Três minutos com o general presidente da Funai

Apesar de estar agendada audiência com uma delegação de lideranças estes  foram recebidos por funcionários do órgão. Após insistência dos indígenas para falarem com o presidente da Funai, este foi logo dizendo que  poderia recebe-los apenas por alguns minutos, pois já tinha agenda com o Ministro da Justiça. Pediu às lideranças que fossem objetivos em suas manifestações. E ao receber um documento com as principais questões a serem debatidos, foi logo avisando “ Deixa passar logo uma informação.  Há poucos dias recebi uma delegação de liderança indígenas de Rondônia acompanhados de três procuradores federais da República. Todos foram unânimes em pedir a regularização da exploração mineral em terras indígenas. Esse mesmo pleito já havia sido feito pelos indígenas do Alto Rio Negro-AM. Diante da imediata reação dos indígenas manifestando sua  firma postura contra semelhante iniciativa, o general foi logo tentando acalmas as lideranças “Mas não precisam se preocupar, pois a mineração só acontecerá   onde for solicitada, não será para todos os índios”. Informou que na próxima semana estará indo para Rondônia.

A soma genocida



Em vários momentos foi alertado na imprensa,  pelo movimento indígena e aliados,  as consequências etnocida e genocidas da desconstrução e retirada de direitos constitucionais dos povos indígenas, articuladas pelas bancadas dos 3 B – Boi, Bala e Bíblia.(setores evangélicos). Essas iniciativas estão sendo reforçadas por 3 M – Mineradoras, Madeireiras e Militares ( alguns setores). Quem presenciou  o saque feito pelo setor madeireiro nas terras indígenas do sul do país, principalmente das araucárias e madeiras de lei, pode imaginar o que acontecerá na maioria das terras indígenas da Amazônia. Não menos assustador é prever as chacinas dos povos indígenas que ocorrerão em função da insaciável sanha do setor mineral, nacional e internacional. Basta lembrar  a tragédia ocorrida na década de 80 quando se estimou a morte de 1.500 Yanomami em função da invasão de seu território por aproximadamente  40 mil garimpeiros ( mantidos por empresários do garimpo).
O plano de Geopolítica implantado a partir do Projeto Calha Norte em meados da década de 80, previa uma política indigenista especial, que dentre outras coisas previa a transformação das terras indígenas em ilhas e colônias, Impedir a criação de áreas extensa, que poderiam comprometer a segurança nacional, alé dos planos de “fronteiras vivas”, ou seja estimular e fixar na faixa de fronteira “brasileiros” e não indígenas, que não tem nacionalidade, conforme afirmou, em  janeiro de  1980, o brigadeiro Protásio.
  

É bom lembrar que em 1987 o então presidente da Funai, Romero Jucá, atualmente senador, já havia concedido autorização para empresas madeireiras explorarem madeira em terras indígenas de Rondônia.

Agosto indígena

Diante desse quadro aterrorizante os povos e o movimento indígena tem organizado uma intensa pauta de mobilizações e manifestações nas regiões e em Brasília. Em a certeza de que poderão contar com o efetivo apoio da sociedade nacional que também estará levando adiante suas lutas contra o golpe e as ameaças de retrocessos. A Apib – articulação dos Povos Indígenas do Brasil, está fazendo uma convocatória a todas as pessoas de boa vontade e lutadores por um Brasil  onde todos possas  viver em paz com justiça e o Bem viver como horizonte estratégico para um novo país.
O agosto indígena, quando no dia 9 se comemorará o dia internacional dos Povos Indígenas, será mais um momento importante da secular resistência  dos povos originários.


Egon Heck
Fotos Laila Menezes
Cimi – Secretariado Nacional -  agosto de 2017







Povos Indígenas: agosto de duras batalhas



Este será certamente o mês de maiores ameaças e violência contra os povos indígenas e seus direitos. Basta olhar para as agendas e decisões anti-indígenas dos últimos meses para vislumbrar um céu cinzento, águas turvas e agitadas. Os inimigos dos povos indígenas tem pressa e presas em vista. Não admitem que os povos originários tenham terra e paz. Por esta razão intensificam a guerra, aceleram os projetos genocidas, nos três poderes.


Na década de 70 os inimigos encastelados no poder da ditadura eram mais fáceis de serem identificados. Tinham muitas armas e poucos argumentos. Os índios eram acusados de atravancarem o progresso, mas não representavam uma ameaça à ditadura. Precisavam ser eliminados sim. Mas sumiriam no horizonte da integração com o projeto de emancipação. O caminho mais seguro era a militarização da questão indígena e da Funai. Colocar tudo sob controle. As Assembleias Indígenas nacionais romperam esse odioso silêncio imposto sobre os povos nativos.

O desenvolvimentismo, integração e emancipação

O tripé sucumbiu à resistência indígena. A caserna queria fazer das terras indígenas e das aldeias uma extensão de seu poder de controle, a ferro e fogo. Mas os generais que estiveram na presidência da Funai não obtiveram êxito em seus intentos. Meio século depois parece que, com outras fardas, voltam generais à presidência da Funai,  com apoio de um batalhão poderoso nas fardas do agronegócio.

Em dezembro de  1978, O cacique Aniceto Xavante, como porta voz de representante dos povos indígenas, que tinham acabado de realizar uma grande Assembleia de caciques  conseguiu uma audiência com o general Geisel na qual pediu ao presidente para rasgar e enterrar o projeto de emancipação.  E assim aconteceu.  Mas a burguesia e elite que  domina o Estado brasileiro nunca desistiu de suas genocidas intensões de ter um Brasil sem índios.
Prova disto é a intensa artilharia ameaçando a desconstrução dos direitos indígenas conquistados, finalmente, na Carta Magna. Direitos esses,  aliás, que antecedem a formação do Estado Brasileiro, pois são originários e sagrados, nacional e internacionalmente reconhecidos.

Artilharia pesada

Neste mês de agosto tudo indica que   os  poderosos  interesses contrários aos direitos dos povos indígenas voltem ao campo de batalha  com armas pesadas como o Marco Temporal, a Pec 215 e 1610, A Portaria 303 da AGU, dentre outras armas  menos pesadas mas não menos mortíferas.

Mas não é apenas sobre as terras indígenas que pairam essas graves ameaças. Estão entre as principais vítimas tudo e todos que contrariam a voracidade dos ruralistas e outros interesses como a mineração, indústria madeireira, entre outros.  Também estão sob a mira os povos quilombolas e comunidades tradicionais, bem como a questão ambiental,  áreas de preservação.  A mãe terra será vítima desses processos de destruição.


Resistência, rituais e esperança

As duras batalhas que os povos indígenas tem pela frente fazem parte da secular dominação e das vergonhosas investidas do Estado brasileiro contra os direitos dos povos nativos.
Os povos originários estiveram, nos últimos meses, em permanente mobilização e embates na luta pelos seus direitos. Essa mobilização marcada por intensos rituais e luta política e cultural. Percorreram o Brasil e o mundo em busca de aliados e apoiadores de seus direitos, para evitar retrocesso e mais violência. Mais uma vez terão que dizer em alto o bom  tom que seus direitos são originários e que direito não tem marco e que a historia dos povos indígenas não começa em 1988. Diante desse quadro assustador a sabedoria, as rezas e esperança são as melhores armas nesse enfrentamento.

Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional
Brasília de agosto de 2017


quarta-feira, 12 de julho de 2017

Povos Indígenas e as batalhas em Brasília



Nas últimas duas semanas quatro delegações indígenas estiveram em Brasília em continuidade à luta pelos direitos dos povos originários em nosso país. As batalhas vêm das bases e chegam até os espaços do poder central, na capital federal. As comissões vieram dos Estados onde atualmente a questão indígena está mais acirrada, e por consequência, onde acontecem as situações de maior violência, conflitos e assassinatos: Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Bahia.

As delegações, em cobranças e denúncias, trouxeram até os órgãos governamentais duas questões vitais: terra e saúde. Dezenas de documentos foram entregues às autoridades denunciando as arbitrariedades e exigindo respostas urgentes às suas demandas de regularização de seus territórios e atendimento de saúde com responsabilidade e dignidade. Exigem, também, investigação e punição nos casos de violências impetradas pelo poder político e econômico contra os povos indígenas em todo o país.

Enfrentando o frio e as frivolidades

Apesar das baixas temperaturas no planalto central, os povos nativos enfrentaram com altivez e galhardia os novos desafios que surgem nos poderes envoltos na lama da corrupção. Quando o sol saudava mais um dia com seus raios quentes, os corpos bronzeados iam sendo pintados. Urucum e jenipapo misturavam-se com sonhos e indignações. A mescla de tinta e utopias marcava mais um dia de batalha para as dezenas de lideranças indígenas. Eles caminhavam na certeza de serem acompanhados por Tupã, dos encantados e dos espíritos dos guerreiros que tombaram nesses mais de cinco séculos de resistência. É o que lhes garante a vitória, diante dos decretos que desejam suas mortes.
  
Pataxo e Tupinambá, Kaingang, Kaiowá Guarani e Terena, além dos Kinikinawa, Kadiwéu, Aticum e Tumbalalá: todos irmanados pelos direitos originários de seus territórios e pelos projetos de Bem Viver nessa Abya Yala e Brasil continental e plural.

Brasília foi sacudida pelo som dos maracás, pelos constantes Toré (rituais dos povos indígenas do Nordeste), e rituais de guerra e paz. Dançaram e cantaram diante das situação que lhes é cada vez mais adversa. Porém, nunca os deixam roubar a esperança. “Nenhum direito a menos. Avançaremos”, foi o grito que ecoou nos espaços dos três poderes, ministérios e órgãos da burocracia oficial.
Diante dos monólogos evasivos, da efetiva incapacidade de respostas eficazes aos graves problemas da saúde indígena, da não demarcação das terras e do aumento das violências contra seus parentes e suas comunidades, um ancião Pataxó expressou desanimo e indignação: “Já esmoreci. Se soubesse que só iríamos ver enrolação eu não teria vindo”.

Apesar da total incapacidade e despretensão política de atender as demandas e direitos dos povos indígenas, ficou a firme decisão de continuar lutando por seus direitos de todas as formas. Se não for assim, pior ficará.

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Saúde indígena e as armadilhas do poder

Uma análise apurada sobre a questão da saúde indígena levaria a caminhos construídos com participação dos povos, autonomia e efetivação de um subsistema próprio. Seria sinônimo de qualidade. Porém, não é o que vemos acontecer.

Na década de 90 a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e suas desastrosas políticas de convênios/terceirização, que envolveram organizações indígenas, foi responsável pelo esfacelamento do movimento indígena organizado em prol da saúde. Houve criminalização de grande parte das lideranças, que foram acusados de malversação dos recursos públicos. 



O problema se repete. A criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), apesar dos esforços do controle social desde as bases, não consegue se desvencilhar da armadilha de gerar conflitos e tensões nas comunidades indígena. A atual luta dos movimentos indígenas, de diferentes maneiras e em distintas regiões, se pautam na temática. “Será que esse processo de falência da saúde indígena não é novamente uma armadilha para esvaziar a luta principal, que é a demarcação de garantia de nossos territórios? ”, questionou uma liderança Kaingang. Será que a indevida e nociva interferência dos interesses políticos e partidários não estão novamente corroendo as bases de consolidação de políticas de saúde indígena? Não estão inviabilizando a efetiva autonomia e respeito à saúde dos diversos povos indígenas?

Apesar das respostas aos questionamentos, a situação caótica da saúde especial aos povos indígenas leva a uma necessária e urgente avaliação dos caminhos que estão sendo traçados. Sem uma rigorosa análise não se chegará a uma substancial e efetiva melhoria.

Visibilidade e resistência

Ficou claro para as quatro delegações indígenas que estiveram em Brasília nas últimas semanas que somente a união e a permanente mobilização garantirá a efetivação das políticas públicas aos povos. Unir-se para dar visibilidade a resistência é a mensagem uníssona para que não haja retrocesso.


Além disso, as lutas e batalhas em Brasília, que refletem as travadas nas bases, são importantes espaços de formação política, consolidação do movimento indígena e ampliação de suas alianças, especialmente com os povos e comunidades tradicionais, na luta pelos territórios e projetos de Bem Viver.

Fotos Laila Menezes