ATL 2017

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quinta-feira, 26 de março de 2015

Como o Estado brasileiro (mal) trata os povos indígenas


Spray de pimenta contra o maracá

Uma delegação dos povos indígenas da Bahia acabou de fazer uma maratona por órgãos e instituições do Estado brasileiro, em Brasília. É importante avaliar alguns aspectos e comportamentos da recepção nos diversos espaços do poder.

Índios em Brasília, caso de polícia?

A impressão que se tem, olhando o comportamento de integrantes de instituições do Estado brasileiro, é a de que os povos indígenas devem (são)ser tratados como baderneiros, agitadores, violadores da ordem ou bandidos. Assim foram tratadas as diversas lideranças ao buscarem seus direitos, exercendo sua cidadania, exigindo o cumprimento da Constituição.

Vejamos algumas situações que corroboram a impressão dos povos indígenas.
Em ritual ao lado da Biblioteca Nacional:
Subitamente entram numa das vias do Eixo Monumental, cantando ao som do maracá, se dirigindo à Praça dos Três Poderes. Movimentação de policiais. Não demora e vão pra cima dos indígenas. Um deles se agita, grita e joga spray de pimenta em algumas lideranças... Essa parece ter sido a forma de diálogo usada com os povos indígenas que vem pacificamente reivindicar seus direitos.

Ao chegarem a Brasília e descerem dos ônibus já são avisados: “Deixem as flechas e as bordunas aqui no ônibus, pois não vão deixar entrar. Ah, deixem também os maracás”. Ao que uma liderança reage: “Assim já é demais. Daqui a pouco vão pedir para deixarmos os colares, os cocares, os cantos... Não vamos desistir dos maracás”. E trouxeram para o centro do poder. Porém, na portaria do Anexo 2 da Câmara dos Deputados, um dos seguranças exigiu que deixassem os maracás na portaria, alegando que poderiam ser usado como arma. Santa ignorância, ou melhor, fiéis cumpridores de inusitada repressão.
Uma delegação foi ao Ministério da Educação, tratar de questões pertinentes a esse ministério. Foram barrados na portaria. Motivo alegado: “Vocês estão sem camisa”. Detalhe: estavam com belíssimos colares e pinturas no corpo. Foi o dia em que o ministro caiu. Conforme Kahu, somente depois de 40 minutos chegou um  indígena técnico da Comissão de Educação Escolar e conseguiram adentrar o prédio, depois de muita discursão e argumentação.

No Ministério de Desenvolvimento Agrário, a delegação que para lá se dirigiu também enfrentou dificuldades para entrar. Quando as lideranças indígenas chegam, especialmente próximo a prédios como o da Câmara dos Deputados, são recebidos e interpelados por policiais e/ou seguranças.
Já passou da hora de explicitar aos detentores do poder e funcionários de todos os escalões, de que estão lidando com lideranças e que as recepções devem ser conforme determina a Constituição, que garante a esses povos o respeito à sua maneira de ser. E mais, está se tratando como chefes de povos e como tal, neste nível de igual para igual deve se dar o diálogo e o respeito.

Todas essas experiências desastrosas e humilhantes só confirmam o grau de discriminação, desinformação e preconceito como sempre foram e continuam sendo tratados os povos indígenas em nosso país. Essas seriam razões suficientes para que representantes da sociedade dominante ao se dirigirem às aldeias indígenas fossem mal recebidas ou até impedidas de entrar na comunidade. Mas o que se percebe é que apesar de toda essa violência sistêmica e as formas de maus tratos, os povos indígenas, em quase todos os casos recebem da melhor maneira possível os visitantes. É lamentável que isso não aconteça mutuamente.

Egon Heck

Secretariado Nacional do Cimi

Brasília, 26 de março de 2015

Iasi: missionário radical e profeta





Ao  referir-se  ao Cimi, Dom Pedro Casaldáliga, dizia que essas quatro letrinhas, incomodaram e desafiaram muita gente do poder e da dominação. Plagiando nosso  poeta e profeta,  diria que as quatro letrinhas de IASI também  enfrentaram muitos poderosos que se opunham à vida e direito dos povos indígenas, especialmente na década de 70. Foi um incansável guerreiro da causa indígena. Sua obsessão pelos desafios maiores, lhe causaram muitas ameaças e inimigos. Dentre suas maiores batalhas estão as lutas pelas terras/territórios indígenas. 
Denunciou com veemência os usurpadores e invasores.  Não tinha medo de enfrentar a ditadura militar e seus prepostos. Quando necessário desafiou os militares a o prenderem,  mas não abria mão um centímetro quando se tratava do direito de povos indígenas às suas terras.

Procurando salvar vidas e culturas

Iasi está na raiz do indigenismo missionário comprometido e respeitoso que se consolidou na criação do Cimi. Enfrentou situações difíceis, como no contato com os Tapayúna (Beiço de Pau) com os quais fez contato para salvar esse povo do extermínio a que foi submetido ao contado  indiscriminado com as frentes extrativistas, de expansão agropecuária e colonização. Eram aproximadamente 1.200 índios “dizimados por envenenamento, armas de fogo, gripe e remoções forçadas, restaram cerca de 40 indivíduos ( Relatório Comissão Nacional da Verdade, pg 221). Iasi falava com muita emoção e revolta, de suas tentativas de evitar esse genocídio.

Denunciou energicamente a ditadura militar pela ação perversa do governo em  desviar o traçado da BR 364 passando no meio do território Nambikwara, e disponibilizando suas terras aos latifundiários. Aliás, conforme as constatações da época, o estado do Mato Grosso, já estava titulando terras até um terceiro andar. E nessas ações vergonhosas estava envolvida a Funai que concedia certidões negativas aos  às empresas de colonização e agronegócio.

Iasi foi batalhador incansável das situações mais graves que envolviam as vidas, territórios e saque de recursos naturais das terras indígenas.  Marcou presença principalmente na região amazônica que na década de 70 foi submetida a extrema violência pelos projetos ligados ao Plano de Integração Nacional – PIN. As principais vítimas foram os povos indígenas ( vide- Vítimas do Milagre, de Shelton Davis).
Por ocasião da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI do Índio, em 1977, Iasi percorreu o país para fundamentar seu depoimento denunciando  o genocídio que grassava em quase todas as regiões do Brasil. Segundo avaliações do período o depoimento do Iasi nesta CPI foi o mais contundente e documentado, com  denúncias concretas de inúmeras situações de violência em função das invasões dos territórios indígenas, saque dos recursos naturais, emissão de certidões negativas e omissão criminosa de demarcação e proteção das terras indígenas por parte do Estado brasileiro.


Iasi missionário radical e testemunho de fé

Em maio de 1987, ao visitar os missionários no Mato Grasso, encontramos o Irmão Vicente Cañas, assassinado há uns 40 dias. Fomos imediatamente comunicar o fato ao Iasi, em sua humilde casinha no Barranco Vermelho, junto aos Rikbatsa. Comunicamos o fato aos jesuítas em Cuiabá e subimos para o barraco do Vicente. Emocionado, Iasi ajudou a envolver os restos mortais em saco plástico, prevendo a necessidade de investigações que esclarecessem  o brutal assassinado de seu colega, o martírio de Vicente.

Iasi esteve com outros colegas jesuítas como Egydio, Tomas, Balduino e Vicente, na  origem de profundas mudanças na Missão Anchieta – MIA.  Igualmente foi  de fundamental importância a sua contribuição na caminhada do Cimi, do qual foi secretário executivo, escolhido pelo então Conselho da entidade, dia 22 de julho de 1975 (Ver Boletim do Cimi nº 22 de julho/agosto de 1975). Algum tempo depois pediu ao Egydio, que era assessor, que reassumisse o secretariado, pois ele preferia ficar livre para missões mais difíceis, envolvendo principalmente a luta pela terra.

No dia mundial da água, Iasi sentou sereno em sua canoa e deixou-a seguir para a eternidade. Foram 95 anos intensos de dedicação à causa indígena e da vida. Seu testemunho e lembrança continuem a alimentar nosso compromisso com a causa dos povos indígenas

Cimi Secretariado
Brasilia 22 de março de 2015
(EH)