Spray de pimenta
contra o maracá
Uma delegação dos povos indígenas da Bahia acabou de fazer
uma maratona por órgãos e instituições do Estado brasileiro, em Brasília. É
importante avaliar alguns aspectos e comportamentos da recepção nos diversos
espaços do poder.
Índios em Brasília,
caso de polícia?
A impressão que se tem, olhando o comportamento de
integrantes de instituições do Estado brasileiro, é a de que os povos indígenas
devem (são)ser tratados como baderneiros, agitadores, violadores da ordem ou
bandidos. Assim foram tratadas as diversas lideranças ao buscarem seus
direitos, exercendo sua cidadania, exigindo o cumprimento da Constituição.
Vejamos algumas situações que corroboram a impressão dos
povos indígenas.
Em ritual ao lado da Biblioteca Nacional:
Subitamente entram numa das vias do Eixo Monumental, cantando
ao som do maracá, se dirigindo à Praça dos Três Poderes. Movimentação de
policiais. Não demora e vão pra cima dos indígenas. Um deles se agita, grita e
joga spray de pimenta em algumas lideranças... Essa parece ter sido a forma de
diálogo usada com os povos indígenas que vem pacificamente reivindicar seus
direitos.
Ao chegarem a Brasília e descerem dos ônibus já são avisados:
“Deixem as flechas e as bordunas aqui no ônibus, pois não vão deixar entrar.
Ah, deixem também os maracás”. Ao que uma liderança reage: “Assim já é demais. Daqui
a pouco vão pedir para deixarmos os colares, os cocares, os cantos... Não vamos
desistir dos maracás”. E trouxeram para o centro do poder. Porém, na portaria
do Anexo 2 da Câmara dos Deputados, um dos seguranças exigiu que
deixassem os maracás na portaria, alegando que poderiam ser usado como arma.
Santa ignorância, ou melhor, fiéis cumpridores de inusitada repressão.
Uma delegação foi ao Ministério da Educação, tratar de
questões pertinentes a esse ministério. Foram barrados na portaria. Motivo
alegado: “Vocês estão sem camisa”. Detalhe: estavam com belíssimos colares e
pinturas no corpo. Foi o dia em que o ministro caiu. Conforme Kahu, somente
depois de 40 minutos chegou um indígena
técnico da Comissão de Educação Escolar e conseguiram adentrar o prédio, depois
de muita discursão e argumentação.
No Ministério de Desenvolvimento Agrário, a delegação que
para lá se dirigiu também enfrentou dificuldades para entrar. Quando as
lideranças indígenas chegam, especialmente próximo a prédios como o da Câmara
dos Deputados, são recebidos e interpelados por policiais e/ou seguranças.
Já passou da hora de explicitar aos detentores do poder e
funcionários de todos os escalões, de que estão lidando com lideranças e que as
recepções devem ser conforme determina a Constituição, que garante a esses
povos o respeito à sua maneira de ser. E mais, está se tratando como chefes de
povos e como tal, neste nível de igual para igual deve se dar o diálogo e o
respeito.
Todas essas experiências desastrosas e humilhantes só
confirmam o grau de discriminação, desinformação e preconceito como sempre
foram e continuam sendo tratados os povos indígenas em nosso país. Essas seriam
razões suficientes para que representantes da sociedade dominante ao se
dirigirem às aldeias indígenas fossem mal recebidas ou até impedidas de entrar
na comunidade. Mas o que se percebe é que apesar de toda essa violência
sistêmica e as formas de maus tratos, os povos indígenas, em quase todos os
casos recebem da melhor maneira possível os visitantes. É lamentável que isso
não aconteça mutuamente.
Egon Heck
Secretariado Nacional do Cimi
Brasília, 26 de março de 2015