ATL 2017

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terça-feira, 27 de outubro de 2015

Protestos e Silêncios nos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas




É lamentável falarmos do teto do refeitório que  desabou ontem cedo,   no local de alojamento das delegações indígenas brasileiras, resultando em três funcionários feridos e as refeições preparadas e  servidas precariamente em locais improvisados.
Assim como é inadmissível que, na semana passada o sistema de aclimatação da cozinha entrasse em pane, elevando a temperatura do local a 65 graus, como confirmou o Ministério Público Federal, levando oito trabalhadores/as  do local a serem atendidas em unidades de emergência, com sinais de desidratação, devido à exposição ao calor excessivo. E por falar em cozinha fomos informados de que as cozinheiras trabalham das 4 da manhã até as 10 da noite, sem que haja rodízio, sendo submetidas a uma jornada de trabalho exaustiva.
Essas são apenas algumas amostras da forma irresponsável com que foi implantada às pressas uma precária infra estrutura para os jogos mundiais dos povos indígenas, em Palmas-TO
É para que não aconteçam coisas mais graves e comprometedoras que o Ministério Público Federal se encontra no local dos jogos. Alertas foram dados, mas infelizmente a atitude autoritária e pouco transparente na condução do processo  não permitiu que se realizasse esse trabalho com mais tempo e segurança.
Tendo em vista essa precariedade, por um lado, e uma atitude contrariando o espírito de integração e celebração, por outro,  com barreiras arbitrárias, cercas da vergonha, que foram realizados atos de protesto dentro e fora da Arena de Abertura do evento.

Os protestos

Indignações e protestos, especialmente dos povos indígenas,  foram registrados desde o início da chegada das delegações, na semana passada, seja pela impossibilidade de credenciamento para assistir a abertura dos jogos, ou ainda, pela falta de estrutura para alojar as delegações que não estivessem credenciadas. Eles aumentaram de intensidade na medida em que foram acontecendo os desmandos, a falta de diálogo, o descaso e a falta de transparência.


Os protestos tiveram maior intensidade no dia 23, por ocasião da abertura. Barrados na entrada do local dos jogos, centenas de indígenas fizeram o seu protesto do lado de fora, procurando obstruir a entrada das delegações e ameaçando derrubar as grades. Os gritos e as palavras de ordem eram contra a PEC 215, a demarcação das terras indígenas e fora Kátia Abreu. Faixas com os mesmos dizeres  foram  abertas dentro da arena.
Próximo ao local do evento também protestaram representantes dos movimentos sociais e aliados da causa indígena. Com inúmeras faixas e mais de uma centena de cruzes fincadas ao longo da avenida de acesso ao local dos jogos, procuraram dar visibilidade aos povos indígenas, seus direitos, suas lutas e sua resistência. Jogos sim, mas com terra demarcada, respeito e dignidade. As faixas refletiam a indignação de “Fora Kátia Abreu, “Fim do Genocídio Indígena”,  ”Não ao MATOPIBA”, além de exigir  o fim dos Projetos de Lei e Reforma Constitucional, como a PEC 215, PL 1610 dentre outras. Quando a noite veio nos envolver com seu manto, acendemos as velas da esperança embalados com canções de luta, resistência e transformação.

O silêncio eloqüente da presidente

Quando o mestre de cerimonial chamou a Presidente Dilma os participantes se dividiram entre vaias e aplausos. Era então esperada a fala da presidente. Diante do total silêncio dela, um representante da coordenação do evento desandou falação dizendo que “vaia não é do povo indígena, isso aqui não é comício”. Podem vaiar nas eleições do ano que vem”.
Qual terá sido a razão do silêncio? É notório que a presidente tem evitado se encontrar com os povos indígenas. Não seria um gesto de desconsideração para com os povos indígenas de todo mundo, por parte das autoridades brasileiras?

Deprimente



Destaco a seguir o sentimento contido no desabafo de uma indígena, a partir do ritual de abertura e presença no local do evento.
“Deprimente, este e o sentimento que me corta a alma. Deprimida é como me sinto ao estar presenciando o que aconteceu aqui na vila olímpica. Vejo e  me recuso a olhar a Corrida de Torra, Ritual Sagrado para nós os povos indígenas,  sendo apresentada  em uma arena e narrada como se fosse rodeio.
É um Ritual Sagrado praticado pelos povos indígenas em momentos especiais de suas vidas  buscando sempre o equilíbrio do povo com o Todo. Demonstra a igualdade e a importância que todos têm dentro da comunidade, duas partes que correm sempre buscando estar juntas, caminhar em equilíbrio e respeito uns com os outros. Não é rodeio, não é e nunca foi competitivo. Não são animais correndo, carregando toras que jamais podem cair. Não existe ninguém querendo chegar antes que o outro. Não há competição.

É deprimente estar na feira de artesanato indígena, coordenado pelo Sebrae e  me deparar com uma jovem que está vestida com uma roupa diferente que não caracteriza nenhum povo indígena. Usava um cocar indígena e estava de prontidão frente a um painel simplesmente para posar para fotos com visitantes.  Me aproximei dela   e perguntei de que povo era. Ela respondeu: não sou indígena, sou modelo. Fiquei estarrecida com tamanho desrespeito. Quantas mulheres indígenas lindas ocupam aquele espaço e não são vistas, muito menos consideradas pelos organizadores do evento. Contrataram uma modelo para posar de índia.”
JMPI onde os indígenas, continuam invisíveis para aqueles que organizaram o evento. E do lado de fora da arena mais de 200 indígenas são proibidos de adentrarem. Sendo somente eles o público que teria a compreensão do significado de todos os rituais e atividades que ali aconteciam .

Texto e fotos Egon Heck Laila Menezes
Cimi GOTO
Palmas 26 de outubro de 2015


Jogos Indígenas: um mundo de contradições


Na semana em que acontece a abertura do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, lideranças denunciam na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), o genocídio de seus povos em várias regiões do Brasil e, principalmente, no Mato Grosso do Sul. Neste mesmo estado, na Assembleia Legislativa, foi instalada a “CPI do Genocídio”.

De última quarta-feira (21) para cá, os Guarani-Kaiowá tiveram duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendendo a reintegração de posse nos tekohas (“lugar onde se é”) Ñhanderú Marangatú e Guaiviry, no Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai. Vitórias fundamentais dos povos indígenas e das lutas contundentes pelos seus direitos, especialmente suas terras. Neste contexto, têm sido decisivas as manifestações de repúdio, as declarações e gestos de solidariedade dos povos indígenas e seus aliados no Brasil e no mundo.

E o presidente da Comissão Especial da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), deputado Nilson Leitão, após a realização de três reuniões nesta semana - em que inúmeras manifestações de racismo e colonialismo foram feitas pelos membros ruralistas da comissão -, garantiu que da semana que vem a votação do Parecer da PEC não passa.

Ou seja, a realidade indígena indica que a realização destes Jogos, e o seu caráter celebrativo, por si, são extremamente contraditórios.

Dilma Rousseff e Kátia Abreu, juntas na abertura

Juntamente com a ministra Kátia Abreu, a presidente da República, que se nega a receber representantes dos povos indígenas para tratar da paralisação das demarcações das terras indígenas, estará na abertura do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. Para garantir a “segurança” da presidente, um forte esquema de segurança foi montado, envolvendo as polícias civil, militar e federal. Segundo um jornal local, até um esquadrão antibombas está à disposição.

Testando esquemas de segurança e repressão

Entre os movimentos sociais e povos indígenas vêm circulando informações sobre um sofisticado esquema de “inteligência” de segurança que estaria sendo testado nesses jogos com o intuito de ser utilizado nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, no próximo ano. Além disso, estão sendo utilizados espécies de robôs para desarmar artefatos explosivos e bombas, além de cães treinados na identificação de explosivos.

Na fila dos indignados

Continua o clima de insatisfação de muitos indígenas, especialmente os que vieram com a intenção de vender seus artesanatos durante a realização do evento internacional. Tinham como referência os jogos indígenas nacionais, onde existia um acesso livre para essas atividades. O fato foi denunciado ao Ministério Público Federal (MPF) que intimou a organização dos jogos a liberar o acesso dos indígenas, caso contrário medidas judiciais poderão ser tomadas.

Repórteres internacionais mostraram-se surpresos com a proibição imposta aos indígenas de darem entrevistas. Conforme informações colhidas no local, nem pessoas credenciadas puderam adentrar na arena dos jogos. Fotos, nem pensar.

Quem ganha, quem perde

Um folder sobre os jogos, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), tem sido distribuído e divulgado, em português, espanhol e inglês. Este material contém uma série de informações e questionamentos que procuram fazer um contraponto ao ufanismo que envolve os jogos e que tentam desviar o foco das lutas e realidades dos povos indígenas. Além disso, várias lideranças e povos indígenas questionam o fato de se estar gastando vultosas quantias de recursos públicos. Enquanto o governo alega falta de recursos para a demarcação de terras indígenas e políticas públicas para esses povos, a informação corrente por aqui é de que pelo menos R$ 163 milhões teriam sido disponibilizados para os jogos.

Indígenas insatisfeitos



“Não sou contra os jogos. Acho até que já deveriam se realizar há mais tempo, só que não concordo com a forma de como estão sendo conduzidos”, expressou uma liderança Guarani-Mbyá de São Paulo.

Num depoimento emocionado, uma liderança Karajá relatou como se sentiram traídos com a condução dos jogos, falando que a presença de Kátia Abreu, será um horror, pois ela é declaradamente contrária aos povos indígenas: “Será um horror. Estarão zombando de nós. Estão cometendo um genocídio contra nossos povos”.

“A construção da arena é um padrão não indígena. A gente quer fugir desse formato de ‘rodeio’, de campeonato de índios. Como são os primeiros jogos mundiais, todos esses ingredientes que a gente não conhecia fugiram do nosso controle. A ideia inicial era fazer uma coisa mais aberta, mas tem a questão de segurança, bombeiros. Todas essas situações fizeram com que houvesse um desenho essencialmente urbano” (Agencia Brasil, 21/10/15).

Conforme desejo manifesto pelos organizadores, a intenção é de que seja dada continuidade aos jogos mundiais indígenas. Porém, a desorganização e as insatisfações demonstradas até o momento mostram que será necessária uma mudança radical nos procedimentos e na condução dos eventos futuros.




O clima dos Jogos Indígenas


Quente.  Calor sufocante, fumaça das queimadas. Além disso, um clima de forte insegurança e medo. Os organizadores e em especial o governo brasileiro, o Estado de Tocantins e o município de Palmas , temem por qualquer coisa que possa acontecer fora do script. Tem-se a impressão de que os jogos mundiais indígenas acontecerão em espaço sitiado, fortemente vigiado. Quais seriam as razões de tamanhos temores... É notória a crise e a instabilidade política e econômica porque passa o país. Poderia ser esse um momento de positivamente dar mostras ao povo brasileiro e ao mundo de que existem saídas sim e elas emergem de projetos que vem do povo, das raízes plurais, das populações tradicionais, dos povos indígenas originários, dos explorados do campo e da cidade. Populações as quais o governo continua dando as costas, enquanto continua refém das elites dominadoras desse país.

Fila dos indignados

No dia de ontem continuaram os credenciamentos, em meio a muita reclamação e confusão. Indígenas Pataxó do extremo Sul da Bahia, que vieram em dois ônibus, um para participar dos jogos e outro para a feira do artesanato, sendo estes últimos impedidos de se cadastrar e entrar para a feira do artesanato indígena. Cenas de protesto e revolta por essas atitudes que os Pataxó consideraram absurdas, pois vieram até aqui na promessa de que poderiam participar da feira do artesanato.
Diante da desorganização e das longas filas para credenciamento, indígenas entraram em contato com repórteres de um grande canal de tv para denunciar a situação. Mas estes alegaram que não poderiam registrar o fato, pois tinham determinações de que não poderiam divulgar nada que pudesse denegrir a imagem dos jogos!


A propalada confraternização dos povos, por enquanto está restrita entre as grades. Um forte esquema de segurança está montado para impedir indígenas e outras pessoas de terem acesso às delegações indígenas hospedadas nas ocas. No final do dia, uma indígena Avá Canoeiro divulgou mensagem mostrando sua decepção por não poder se encontrar com parentes de outros povos e outros países... Do outro lado da cerca, apenas conseguiu una foto com um Pareci.

Monumento à insanidade. Já as árvores com raízes para o ar, parecem simbolizar um desejo do agronegócio. É uma afronta aos povos indígenas e suas raízes que resistirão aos projetos de morte!

Participação cai quase pela metade

Conforme o Comitê Organizador dos Jogos, participarão 26 povos dos 46 anunciados e  posteriormente reduzidos a 43: “Muitos não conseguiram patrocínio para vir, mas não houve prejuízo, esperávamos isso mesmo” (Conexão Tocantins 19/10/15).
É evidente que uma redução tão drástica de delegações e povos participantes não é normal. É o sintoma da forma centralizada com que foi conduzido o processo, sem uma participação efetiva dos povos indígenas e suas organizações

Cimi Goto
Egon Heck , fotos: Laila Menezes

Palmas, 21/10/2015.

Jogos Mundiais Indígenas: sufoco e desorganização



Na semana de abertura dos jogos, correria e custos adicionais.  Ainda está muito vivo na memória das populações das cidades que sediaram jogos da Copa do Mundo, no ano passado, os transtornos, sufocos e o festival de obras inacabadas. Tudo indica que desta vez também não será diferente.  Obras permanentes prometidas e projetadas, como um museu do índio e piscina olímpica, que ficaram apenas na promessa. Fica no ar a pergunta: será que o dinheiro fugiu, algum ralo se abriu, alguma conta bancária engordou?  Ou será que foi mesmo blefe, com total desconsideração para com os povos indígenas e a população da cidade sede dos jogos, iludidos com os inúmeros benefícios .
Apesar dosJogos Mundiais Indígenas terem sido adiados duas vezes, mesmo assim a infraestrutura, que ficou por conta da prefeitura de Palmas, parece ter sido adiada até os últimos dias antes dos jogos. São melancólicas, para não dizer tétricas, as paisagens do ambiente dos jogos, cheia de tocos de árvores arrancadas que nada tem a ver com a mensagem de vida e respeito à natureza que os povos indígenas trazem para o mundo e o planeta Terra.

Nos bastidores

Começam a circular, no calor de Palmas (na chegada o copiloto anunciou que a temperatura na capital doTocantins era de 42 graus), as denúncias com relação ao tratamento dispensado aos voluntários indígenas.  Segundo essas informações, dos 550 voluntários cadastrados, 250 estão em Palmas. Esses informes dão conta de uma generalizada desorganização, falta de atenção e consideração para com os voluntários. Atribuem a responsabilidade pelos desmandos à prefeitura que os colocou em local inadequado para hospedagem e carestia de alimentação.
“Tem voluntários indígenas que chegaram sem ter pra onde ir e dormir. Eles negaram a estes voluntários que ficassem hospedados com os parentes das delegações que participarão dos jogos (que vão ficar numa área restrita que nem eles como voluntários poderão acessar)...e nesse jogo todo um está jogando pra cima do outro,prefeitura, Comitê, PNUD... Sóestando aqui para acreditar nisso”.
Membros da União dos estudantes indígenas estão muito insatisfeitos.
Muitas reclamações com relação ao descaso e tratamento com que a prefeitura de Palmas dispensou a voluntários: “Chegamos aqui e a prefeitura (que ficou responsável pela gestão dos recursos do Ministério dos Esportes para aplicar na infraestrutura, inclusive para os voluntários) colocou a gente num camping que não dava para dormir (muito calor, sem árvore nenhuma e emcima de asfalto) e que sequer tinha água nos banheiros... Fora a alimentação que ontem conseguimos ter uma reunião com a secretaria e eles vão dar mais de uma refeição pra gente... Eles disseram que se a gente quisesse mais de uma refeição a gente teria que trabalhar em mais de um turno...difícil, né”.

“Também somos indígenas”


O slogan visto na placa não condiz, portanto, com  a realidade constatada.
Quiçá seja esse um momento para iniciarmos um processo de mudança de mentalidade, superando preconceitos, racismo, descolonizando mentes.
Com os povos indígenas do mundo façamos a solene declaração do Conselho Mundial dos Povos Indígenas, de 1975:
“Nós, povos indígenas do mundo, unidos numa grande Assembleia de Homens Sábios, declaramos a todas as nações:
Quando a terra-mãe era nosso alimento
Quando a noite escura formava nosso teto,
Quando o céu e a lua eram nossos pais,
Quando éramos irmãos e irmãs,
Quando nossos caciques e anciãos eram grandes líderes,
Quando a justiça dirigia a lei e sua execução,
Aí outras civilizações chegaram!
Com fome de sangue, de ouro, de terra e de todas as suas riquezas, trazendo numa mão a cruz e na outra a espada, sem conhecer ou querer aprender os costumes de nossos povos, nos classificaram abaixo dos animais, roubaram nossas terras e nos levaram para longe delas,
Transformando em escravos os "filhos do sol".
Entretanto não puderam nos eliminar;
Nem nos fazer esquecer o que somos,
Porque somos a cultura da terra e do céu, somos de uma
Ascendência milenar e somos milhões,
E mesmo que nosso universo inteiro seja destruído,
NÓS VIVEREMOS
Palmas, 19 de outubro de 2015.

Cimi Regional Goiás/Tocantins