ATL 2017

ATL 2017

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A força e revolta dos filhos da Terra Vermelha









Termina mais uma Grande Assembleia (Aty  Guasu).  Inverno rigoroso, com geada e vento cortante. Nada melhor que um fogo aconchegante e um bom chimarrão. Nada fez as centenas de lideranças, caciques , nhanderu e nhandesi(Tekoa'ruvixa),  desistir da realização mais um grande momento de reza, de fortalecer a esperança e reafirmar a decisão da dura luta pelos tekohá, terras originárias, tradicionais.

Dourados, cidade e aldeia. É incrível que mundos tão diferentes coexistam há  tantas décadas. Os Guarani Kaiowá com sua cultura e religiosidade inquebrantáveis,  conseguem fazer mundos com valores e formas de vida tão diversos,  sobreviverem.  Isso só é possível graças à força cultural e profunda religiosidade desse povo, aliados a eficazes estratégias de resistência. Da fecunda terra vermelha brotam seus heroicos filhos, que nela lutam, gritam e pedem socorro, pois  querem viver com dignidade e em paz em suas terras tradicionais, sagradas, em seus tekoha. Por isso não se cansaram de agitar sua principal palavra de ordem "terra, vida, justiça e demarcação"

Muita reza e ritual. Batizado de mais de uma dezena de crianças e aliados

Como em todas as Grandes Assembleias Kaiowá Guarani(Aty Guasu), a dimensão ritual religiosa  é fundamental.  Os rezadores(as), voltam a ter uma função de centralidade nas comunidades e no movimento. Voltam a ser reconhecidos como "Tekoa'ruvixá" aqueles que
dão vida às crianças. 

No documento dos rezadores, deixam claro suas angustias, sofrimento e esperanças
" Nós estamos preocupados em não ver acontecer o nosso sonho de ao menos morrer em nosso tekoha terra tradicional. Queremos entrar na nossa terra e morrer nela. Nosso sonho é esse e não dá mais pra esperar.

Para toda essa cultura continuar viva nós precisamos da terra. Essa cultura funciona com a terra. Não temos como viver assim na beira de uma estrada nem num canto de uma fazenda. Enquanto não tiver a terra, não tem como viver.

A terra é a sobrevivência da nossa cultura, da nossa nação. Essas são as principais coisas. Isso não interessa para os brancos. Para os brancos isso não é nada. Os Tekoa’ruvixa mais velhos estão envelhecendo e morrendo e queriam que já tivessem voltado tudo no tekoha. Querem entrar na terra, ainda vivo, para morrer no tekoha deles, onde morreram os nossos avôs. Não dá mais para esperar.

Fim da impunidade , memória das vítimas

Um dos momentos fortes foi o da solidariedade a todos os guerreiros(as) que morreram na luta pela terra e os direitos dos Kaiowá Guarani e Terena. Essa memória foi também um grito de basta de assassinatos e de impunidade. Po isso nos documentos deixaram claro:

 "Exigimos justiça nas dezenas de casos de assassinatos de lideranças, professores e jovens indígenas no contexto dos conflitos e da falta de terra. Nenhum dos assassinos dos Guarani e Kaiowá está preso e suas famílias estão desassistidas. Exigimos punição aos culpados e respeito às comunidades atacadas!

Chega de perseguição contra movimentos e entidades apoiadoras do movimento indígena. Somos autônomos e independentes, e estabelecemos nossas próprias relações políticas como bem entendermos e isso não é crime."

Recado jovem

Enquanto uma comitiva de Terena e Kaiowá Guarani, estavam no Rio de Janeiro , no Encontro Mundial da Juventude, grande número de jovens participou ativamente da Aty Guasu,  redigindo uma carta na qual expõem suas exigências:" nós jovens estamos vendo o sofrimento na questão da luta de nosso tekoha. Precisamos urgente que demarquem as nossas terras tradicionais. Nós somos o futuro e a raiz da terra.

Queremos nossas terras de volta. Estamos na luta pelo nosso direito. Passamos precários problemas e obstáculos por causa das nossas terras. Nos preocupa as nossas lideranças que já foram várias vezes ameaçadas, e continuam sendo ameaçadas por estarem lutando pelo que é nosso."

Depois do dia 5, outra história

A questão central foi novamente a falta de providências na demarcação e devolução de seus territórios tradicionais.  Não aguentam mais. Em coerência à luta e exigência de soluções urgentes e definitivas, estão cumprindo o prazo estabelecido na meda de negociações, dia 5 de agosto. Se até então nenhuma solução for implementada, eles tem seus planos determinados para a questão da terra:
" Cumprimento, até o dia 5 de agosto, da promessa do governo federal de resolver o problema da demarcação de todas as terras indígenas de todos os povos do Mato Grosso do Sul. Nós estamos respeitando o acordo com o governo e aguardando alguma solução, e até agora o governo não fez nada. Nós não aceitaremos outro prazo. De norte a sul do país, nós indígenas estamos juntos na luta contra a perda de direitos, contra a perda de nossas terras, e pela demarcação de nossos territórios tradicionais. (Documento da Aty Guasu)

Houve vários depoimentos contundentes, relatando que o sofrimento é o mesmo, e que muitas vezes estão chegando à beira da desesperança "Estamos assinando a homologação com o nosso sangue.
Da parte da Funai, apesar do apoio, foi cobrado, principalmente agilização da demarcação das terras. A presidente do órgão, Maria Augusta, reconheceu que a Funai erra e muito, mas está aí presente ouvindo os clamores e exigências dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul. "Vou sair daqui com o coração preocupado,  disse ela. Porém ressaltou que não vai prometer coisas que não vai poder fazer por não depender da Funai. Depende da Justiça e da pressão de muitos inimigos dos vossos direitos.

No decorrer dos falas, muitas denúncias foram feitas, especialmente de violências, ameaças e desmatamento da pouca mata que ainda existe nas terras já demarcadas.

Todos se declararam em estado de alerta e total disposição de retornar às suas terras tradicionais, caso não houver solução até o dia 5 de agosto, conforme prometeu o ministro Gilberto Carvalho.

Egon Heck
Povo Guarani Grande Povo
Cimi Brasília, 31 de julho de 2013




Aty Guasu, Marçal e o Papa







“Santidade...estão matado nosso povo...fomos uma grande nação, hoje estamos jogados à beira das estradas, das cidades e da memória dessa região e pais. Mas não somente estamos vivos  e resistentes, como decididos a continuar lutando pelos nossos direitos, pelas nossas terras sagradas, que estão sendo destruídas e nossas águas e fontes envenenadas pelo que chamam de progresso, desenvolvimento. Nós queremos e exigimos muito pouco Santidade...apenas queremos viver com dignidade e paz encima de nossas terras e territórios . Muitos dos que nos combatem, negam nosso direito à terra e assassinam nossas lideranças se dizem católicos, seguidores  vosso e do Deus da vida. Diga a eles e a todas as pessoas do mundo que o admiram e seguem que o nosso Deus, Nhanderu, é o mesmo Deus da paz, da verdade, da justiça e da vida...”

E o Papa, emocionado diante daquela esquálida e determinada criatura, externou  o compromisso pelos direitos das nações indígenas no Brasil
Trinta anos se passaram, daquela noite quente em Manaus, quando o João Paulo II teve um encontro com os povos indígenas.

Nesta manhã  gelada, de geada em Dourados, bem próximo à casa em que Marçal viveu parte de sua vida, na aldeia Jaguapiru, centenas de lideranças Guarani Kaiowá estão reunidas em mais uma grande Assembleia. Como no início da década de 80 as maiores violações de direitos e atrocidades contra os  povos indígenas aconteciam na Amazônia, com a implantação dos grandes projetos, principalmente as grandes estradas da invasão dos territórios indígenas e extermínio de comunidades e povos, hoje um encontro do  Papa Francisco com os povos indígenas certamente aconteceria ali onde os índios estão sofrendo as maiores violências, no Mato Grosso do Sul.  Ali seria reverenciada a memória de Marçal, que foi assassinado em novembro de 1983,  e os inúmeros mártires da luta pela terra e vida do povo Kaiowá Guarani, Terenas e demais povos indígenas no Brasil.

Tres  jovens Guarani estarão próximos ao Papa numa celebração eucarística nesses dias. Quem sabe consigam fazer chegar o grito pela vida, terra e justiça, ao papa Francisco.

Enquanto isso

Aconteceu em Campo Grande mais uma reunião do grupo especial criado para encontrar solução para a gravíssima realidade das terras indígenas no Mato Grosso do Sul. Pouco, ou quase nada se avançou na perspectiva de um inicio de solução. Ao contrário chegou a ser ventilada a insana proposta de se arrendar terra para os indígenas no Estado. Absurdo do absurdo.Seria a União arrendar terras que constitucionalmente são suas, por serem   tradicionalmente indígenas, para  assenta-los

Na ogasu (casa de reza grande) Nhanderu Getulio coordenou o dia da voz, palavra e reza, dos Nhanderu e Nhandesi Kaiowá Guarani. Hoje a grande Assembleia  estará discutindo e definido estratégias com relação à questão das terras.
“Mesmo matando nosso sonho, jamais desistiremos de lutar pela nossa terra” – Conselho da Aty Guasu

Egon Heck
Povo Guarani Grande Povo
Dourados, 25 de julho de 2013