ATL 2017

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sexta-feira, 1 de março de 2013

Povos Tradicionais: união nas lutas


Quando no início da década de 70 os povos indígenas do Brasil começaram romper a grande cerca do isolamento e silêncio a que estavam confinados, não podiam imaginar que quatro décadas depois essa união estaria se estendendo aos povos e comunidades tradicionais de todo o país.
Para Ninawá Hunikui, do Acre, esse é um momento histórico, pois "o mundo está doente, precisa de cura". E os povos indígenas vem enfrentando e denunciando esse sistema há décadas, numa resistência secular e sabedoria milenar. E agora estão aí com os quilombolas, pescadores artesanais,  ribeirinhos, quebradeiras de coco, dentre outros, partilhando lutas e esperanças, construindo a união indispensável para enfrentar os poderes que os oprimem e insistem  em negar seus direitos. "A senzala não acabou. A escravidão continua", denunciam os participantes.
Na medida em que as realidades doídas, lutas sofridas, violências e resistências foram sendo partilhadas  ia ficando claro que só tem um caminho para reconquistar a liberdade e Bem Viver: lutar unidos pelos territórios livres.
Quando foi relatado e mostrado a violência que a marinha está cometendo há 40 anos contra a comunidade quilombola de Rio dos Macacos, na Bahia, uma grande indignação e revolta tomou conta do auditório. Foi aprovado uma moção de repudio ao que qualificaram de ações e políticas nefastas e genocidas.
Diante das narrativas de agressões, invasões, destruições e mortes em decorrência do insaciável avanço dos interesses do agro e hidronegócio, do grande capital, não basta botar a boca no trombone, denunciar, é preciso união para agir e pressionar os três poderes do Estado, que se colocam a serviço desse projeto de morte e opressão.
Na manhã do dia 28 uma delegação dos participantes do Seminário "Os territórios das Comunidades Tradicionais e o Estado Brasileiro Tiveram  encontro com o presidente da Câmara dos Deputados e o líder do PT, entregando documento com  suas  apreensões sobre os projetos que pretendem  desconstruir direitos dos povos e comunidades tradicionais, impedindo o reconhecimento dos territórios e promovendo a invasão e saque dos recursos naturais nas terras já reconhecidas.
Dentre as  principais deliberações ficou a ampliação da solidariedade entre os povos a partir das situações mais dramáticas, a formação política, ampliação das alianças e mobilizações desde nível nacional até internacional.
Segue a carta, na íntegra


CARTA DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS
“O mundo está doente; precisa de cura” (Ninawa, Hunikui, Acre)
No âmbito dos eventos da V Semana Social Brasileira e do Encontro Unitário dos Povos do Campo, das Águas e da Floresta, nós, povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, seringueiros, vazanteiros, quebradeiras de coco, litorâneos e ribeirinhos, comunidades de fundo e fecho de pasto e posseiros de todo o Brasil, mulheres e homens de luta, nos encontramos em Luziânia GO, nos dias de 25 a 28 de fevereiro, para partilhar cruzes e esperanças e repensar as nossas lutas frente ao avanço cada vez mais acelerado e violento do capital e do Estado sobre os nossos direitos.
Vivemos o encontro como um momento histórico, que confirma a realidade indiscutível de uma articulação e aliança entre povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e camponeses. O diálogo entre povos e comunidades que expressam culturas e tradições diferentes, frequentemente marcadas por preconceitos e rejeição, volta-se para a defesa e reconquista dos nossos territórios.  Este é o processo que unifica sonhos e estratégias na construção de um País diferente que se opõe à doença capitalista do agro e hidronegócio, mineração, hidroelétricas, incentivada e financiada pelo Estado, em nome do chamado desenvolvimento e crescimento do Brasil.
Não nos deixaremos curvar pelo avanço insaciável do capitalismo com o seu cortejo de políticas governamentais nefastas e genocidas. Território não se negocia não se vende não se troca. É o espaço sagrado onde fazemos crescer a vida, nossa cultura e jeito de viver, nos organizar, ser livres e felizes. “Territórios livres, já!!!”.

“A senzala não acabou. Ficamos livres das correntes e dos grilhões, mas continuamos presos ao cativeiro do sistema”. (Rosemeire, Quilombo dos Rios dos Macacos, Bahia)

Constatamos, mais uma vez, com dor e angústia, o retrocesso armado pelos três poderes do Estado para desconstruir, com leis, portarias, como a 303, PEC 215, ADIN 3239, e decretos de exceção, a Constituição, que garante, em tese, os nossos direitos territoriais e culturais. É revoltoso e doído o que estamos passando nas nossas aldeias, quilombos e comunidades: nossos territórios invadidos, a natureza sendo destruída, nossa diversidade cultural desrespeitada e a sujeição política via migalhas compensatórias. Querem nos encurralar! Sofremos humilhações, violências, morte e assassinatos, o que nos leva a tomar uma atitude.
O primeiro passo para uma verdadeira libertação do cativeiro a que estamos submetidos, é continuar o diálogo intercultural, para conhecermos melhor nossas diversidades, riquezas e lutas. Segundo passo é encontrarmos estratégias de unificação de nossas pautas para a construção de uma frente unificada, que possa se contrapor, com eficácia, ao capital e ao Estado, a partir de mobilizações regionais dos povos indígenas e das populações do campo, das águas e da floresta.

Estamos de olho nas ações dos três poderes do Estado brasileiro, para nos defendermos do arbítrio da desconstrução dos direitos e da violência institucional e privada.
Diante da total paralisia do Governo Dilma em cumprir a Constituição e na contramão da legislação internacional (OIT 169) que decretam o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e das populações tradicionais, exigimos a imediata demarcação e titulação dos nossos territórios.

Acreditamos que a nossa luta, na construção de projetos de Bem Viver, é sagrada, abençoada e acompanhada pelo único Deus dos muitos nomes e pela presença animadora dos nossos mártires e encantados.

Luziânia, 28 de fevereiro de 2013