Os ônibus já
estão com seus motores ligados. As mentes e os corações de mais de 150 indígenas
de 23 povos estão voando entre muros e
espaços do poder, em Brasília. Estão ansiosos para concluir mais uma semana de
intensa mobilização e luta por seus direitos. Clamores, revoltas e indignação
foram povoando os céus de Brasília e ecoando entre a selva de pedra, povoada de
interesses anti-indígenas e direitos das populações originárias e tradicionais
do nosso país.
O auditório
da 6ª Câmara, lotado, com mais de 500 indígenas e seus aliados, foi durante
mais de 8 horas a caixa de ressonância dos gritos de revolta e indignação.
Estava acontecendo
um dos momentos mais expressivos de rebeldia e denúncia dos povos originários
deste país, no últimos anos. Dentre as denúncias mais contundentes, estava a
expulsão/despejo de mais uma comunidade Pataxó na região de Coroa Vermelha, no
litoral da invasão primeira
.O Começo do fim?
Já houve,
recentemente, a tentativa de impor generais para a presidência da Funai. Seria
o começo do fim do órgão, conforme ardente desejo dos ruralistas, capitaneados
na CPI da Funai e Incra. Não bastasse a triste e cruel memória de total
militarização do órgão durante os 20 anos da ditadura militar, e lá vem
novamente essa ignomínia da re-militarização.
Mas os povos
indígenas têm memória, consciência política e secular experiência de luta e
resistência.
No período
da Ditadura Militar houve a nomeação de um presidente da Funai, que foi
questionado sobre a sua total ignorância com relação aos povos indígenas, tendo
ele respondido: “Para ser presidente da Funai não se precisa entender de índio.
Basta ser um administrador”.
Parece que o
Governo Temer está indo nessa linha, numa espécie de ditadura civil-econômica,
onde o que conta não é a vida, a dignidade, a sabedoria, mas a capacidade de
acumular através de um desenvolvimento perverso e concentrador.
As
manifestações do presidente interino da Funai, Agostinho Neto, corroboram
também essa infeliz perspectiva. As suas afirmações de que não estaria havendo
um sucateamento da Funai, cujas evidências foram depois confirmadas por um
funcionário graduado do órgão, que revelou que na metade deste ano a Funai já
estava sem recursos. O que vem a somar às ações do agronegócio, que não
satisfeitos em querer tirar direitos dos povos indígenas, estão arduamente
empenhados em criminalizar as lideranças e os aliados dos povos indígenas. Com
a CPI da Funai buscam tanger o órgão ao matadouro.
Com a
nomeação do coronel Santana para a administração da Funai em Campo Grande, fica
evidenciado a política de remover obstáculos aos seus intentos de retirar
direitos dos povos indígenas.
Os Terena, que
são as primeiras vítimas desse processo, já se manifestaram “Não vamos aceitar
essa mudança. É um retrocesso muito grande: um coronel indicado pelos
ruralistas? Querem acabar com a gente mesmo, mas vamos resistir e não vamos
aceitar isso”, diz Lindomar Terena, da Terra Indígena Cachoeirinha”
.
Protestos, denúncias e solidariedade
Mais de 40
Kaiowá Guarani que estão em mobilização aqui em Brasília, vão fazer ainda hoje
um protesto contra essa afronta aos povos indígenas, que é a nomeação do
Coronel Santana para a Administração regional de Campo Grande. Dessa forma
estão se solidarizando aos Terena, Kinikinau e outros povos indígenas do Mato
Grosso do Sul. Que já ocuparam a Funai, desde ontem.
Na Audiência
Pública realizada no Ministério Público Federal, houve inúmeras manifestações
de apoio aos Kaiowá Guarani, em luta e retomada de seus territórios tradicionais
(Tekohá). Nesse processo estão sendo violentamente atacados pelos pistoleiros e
forças paramilitares sustentadas pelo agronegócio.
Em suas
recomendações a relatora para questões indígenas Victoria Corpuz fez o apelo
para que o governo brasileiro dê condições objetivas à Funai para defender os
povos indígenas e seus direitos. O veemente apelo dos povos indígenas do Brasil
à ONU se deve ao fato de estarem sendo submetidos a um processo de genocídio,
não tendo mais a quem apelar dentro do nosso país.
“Não
passarão” repetiu a Deputada Érica Kokai. Na referida audiência, apesar do tom
de desabafo e clamor por justiça e respeito, os povos indígenas do país deram
um show de cidadania, consciência política e inquebrantável disposição de
continuarem e ampliarem a luta pelos seus direitos.
Egon
Heck fotos: Laila/Cimi
Cimi
Secretariado Nacional
Brasília, 11
de novembro de 2016