ATL 2017

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terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Água no céu e na terra


Chuva grossa, intermitente. Água se espalhando pelo chão formando verdadeiros rios. "Colher a água


Reter a água
"Guardar a água
Quando a chuva cai do céu.
Guardar em casa
Também no chão
E ter a água se vier a precisão.
No pé da casa você faz sua cisterna
E guarda a água que o céu lhe enviou
É dom de Deus, é água limpa, é coisa linda
Todo idoso, o menino e a menina
Podem beber que é água pura e cristalina.
(Água de chuva - Roberto Malvezzi, Gogó)



Olhar atento. Um sonho rolando no chão encharcado. A água abundante hoje, poderá faltar amanhã. No Centro de Formação Vicente Cañas, as águas rolando livremente são o anúncio de algo importante que está por acontecer. É dia 12 de janeiro. Tempo de chuva.
Acabaram de chegar quatro nordestinos. De água e cisternas eles entendem muito. Ainda mais de cisternas de placas, Implementação de Tecnologia Social. Vieram a convite do Cimi para realizar no nosso espaço de formação, uma obra já há bastante tempo sonhada, a construção de cisternas para captação de água da chuva. 
Os três jovens nordestinos chegaram com esse conhecimento técnico e projetaram o seu tempo de serviço: quatro cisternas com a capacidade de armazenamento de 51 mil litros cada. Quatro cisternas levaria quatro semanas para serem concluídas, ou seja, uma semana para cada cisterna. E assim aconteceu.  Dia 12 de fevereiro aí estavam os três jovens com orgulho de tudo que fora planejado, concluído. E mais, sorridentes, apesar da saudade dos familiares e amigos: “Nunca trabalhamos num lugar tão tranquilo e agradável”, afirmou o mais experiente e responsável pelo grupo. E nós que tivemos a felicidade de acompanhar o andar das construções estávamos igualmente satisfeitos. Serão mais de 200 mil litros de água da chuva disponíveis para os momentos de maior necessidade.

Tempos de escassez e maltrato da água


Quando um amigo nosso que trabalha com sistemas agroflorestais veio passar uns dias conosco, ficou impressionado com o Centro de Formação Vicente Cañas. Espaço agradável e aconchegante. Mas deixou uma observação pertinente. Esse não é um espaço do agronegócio. Ao contrário, é uma forma de produção de vida que busca erradicar tal modelo.

Portanto, o exemplo das práticas alternativas com relação à água, energia e produção tem que estar presentes nesse espaço. Com as cisternas esperamos estar um passo coreto.

O Centro de Formação Vicente Cañas começou a ser organizado pelo Cimi a partir de 1995, quando foi adquirido o terreno e feitas as primeiras reformas numa precária estrutura ali existente. Foi uma decisão da entidade para dar viabilidade a um as principais linhas de atuação da entidade: a formação de missionários e dos povos indígenas. Além disso, era uma prioridade disponibilizar um espaço de apoio aos povos indígenas na luta por seus direitos. Centenas de encontros e articulações se realizaram neste espaço que está prioritariamente voltado para a formação política dos indígenas e dos missionários. Desde 1996 começaram a ser realizados ali os cursos de formação dos membros do Cimi.  No início do século, o Centro serviu de espaço para a realização dos Acampamentos Terra Livre que estão se realizando desde 2004. Num desses encontros, chegaram a ficar ali acampados mais de 700 indígenas.


Graças ao apoio de amigos e entidades, conhecimentos técnicos, competência e habilidade dos nossos “artistas do nordeste”, estamos dando a nossa contribuição não apenas ao debate e alerta sobre a eminência de uma catástrofe mundial pela escassez de água potável no nosso planeta terra, planeta d’água, com gestos concretos com o cuidado com a água.
Brasília e entorno que nesses últimos anos já estiveram sob regimes de racionamento d’água estará sediando daqui umas semanas o 8º Fórum Mundial das Águas. Os sedentos de lucro do mundo e as grandes empresas virão com o intuito de garantir o seu domínio sobre as águas, pois assim dominarão mais facilmente a vida (ou morte) no planeta terra.


Em Brasília também estará se realizando o Encontro Alternativo das Águas. Será o momento de ampliarmos o grito da água, da vida.
Egon Heck
Cimi, Secretariado Nacional
Fotos Laila/Cimi e Egon


Brasília, 16 de fevereiro

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Xavante voltam ao cenário de luta pelos seus direitos



O processo de luta dos povos indígenas do Brasil, a partir da década de 70 teve como protagonistas importantes os índios Xavante, do Mato Grosso. O despertar desse povo para a luta pelos seus direitos, se deve em grande parte ao processo das Assembleias  Indígenas que começaram acontecer a partir de abril de 1974.

No bojo desse movimento indígena emergente,  surgiu uma promissora dinâmica de visitas e gestos de solidariedade entre os povos originários no Brasil. Estava o porão da casa paroquial de Xanxerê quando chegaram um indígena Bororo e um Xavante, enviados pela Assembleia Indígena, para conhecer de perto o sofrimento, violências, invasões das terras e roubo dos recursos naturais, principalmente dos povos indígenas do sul do país e do Mato Grosso do Sul. Era outubro de 1975. Estava em curso um novo momento  em que a emergência e luta pelos direitos dos povos indígenas dando visibilidade às  violências e negação de direitos dos povos originários, que estavam condenados ao extermínio, com prazos e datas marcadas pelos seus algozes, as elites genocidas deste período. E os maiores protagonistas dessa resistência e luta foram sem dúvida os Xavante.

Diante do que viram e sentiram,, os dois Xavante e um Bororo, após a visita, solicitaram que defendessem as suas terras contra qualquer tipo de invasão. E se precisassem era só mandar um recado que eles desceriam com  500 guerreiros Xavante para ajuda-los.






Lideranças Xavante como Aniceto que foi o porta Voz dos povos indígenas no momento em que foi pedido ao  então presidente Geisel que fosse rasgado o projeto da Emancipação, que  na verdade era a liberação das terras indígenas para o latifúndio, tiveram um papel de destaque nas lutas dos povos indígenas do Brasil. Também teve destaque a eleição de Mario Juruna Xavvante, pr ser o primeiro indígena eleito deputado federal.

Vejamos um relato de José Tsonopré, de São Marcos “Em 1972, uma vez fomos na casa de intruso. Mandamos retirar os materiais dele para fora de casa. Ele chegou e reuniu  os empregados dele pra atacar nós. Depois disso os índios quase não parava em casa. Todo o dia vigiando a reserva. Então eles viam o pessoal nosso reunidos em armas. Nós mesmos limpamos, engraxamos rifles e vigiamos a noite inteira até amanhecer. Com o medo que eles tem, voltaram atrás. Então fazendeiro arrumou metralhadora. Nós fomos a Cuiabá, avisamos delegado. Então a polícia cercou a fazenda e tirou tudo. Não aconteceu briga e eles  saíram. Para a defesa de nossa área devemos ser unido. Unido resolve mais fácil” ( Boletim do Cimi n. 24, outubro/dezembro 1975)

E a solidariedade do povo Xavante a outros parentes pelo Brasil afora foram se multiplicando na medida em que as situações de violência e exploração foram sendo visibilizadas.
Mario Juruna Xavante foi também visitar os índios do Mato Grosso do Sul. Ficou indignado e escreveu um relatório nos seguintes termos:
 “Eu Mario Juruna chefe da comunidade  Xavante da aldeia de Namucurá, no Norte do  Mato Grosso, vim visitar os índios que moram no sul do Mato Grosso para ver como  que eles estão vivendo, se estão sendo ajudado e que problemas eles estão passando.

No dia 27 de novembro d (1979)  visitei os índios Kaiowá liderados pelo “capitão”   Lidio, que moram  na fazenda Mate Laranjeiras, e fiquei muito triste de ver a pobreza que eles estão vivendo. Eles vivem preso que nem gado em piquete, na entrada  da fazenda o gerente colocou cadeado, assim ninguém visitar índio, nem Funai, nem pessoal da igreja, nem imprensa, assim ninguém vê  que índio tá vivendo como verdadeiro escravo...

Depois  fui visitar mais índio Kaiowá que mora na terra ocupada pela fazenda. Paraguassu. E fiquei mais triste com dor no coração de ver bastante famílias de índios vivendo pela beira das estradas nas terra da fazenda, que nem escravos vivendo com as crianças em barraquinha coberta de capim, com plástico preto, que nem mendigo favelado que eu vi em São Paulo e no Rio de Janeiro. Transcrito  do  relatório manuscrito,( 4 páginas) Dourados 29 de novembro de 1979)




Na década de 70 e 80 os Xavante protagonizaram lutas expressivas de conquista de seus direitos, especialmente seus territórios. Por diversas vezes derrubaram presidentes da Funai e funcionários indesejados. Tiveram participação importante nas lutas coletivas e no movimento pan indígena das décadas de 70 e 80. Vale lembrar o cacique Aniceto que foi o parta voz dos povos indígenas do Brasil por ocasião do não ao projeto de emancipação. Igualmente  relevante foi a contribuição nas lutas do único indígena eleito deputado federal até hoje em dia.
A recente luta de Marawatsede trouxe de volta o brio e a coragem guerreira deste povo. Agora os Xavante de Parabubure estarão novamente trazendo a luta dessa comunidade pela sua terra.
A vitória será um alento e esperança para os povos indígenas no início de mais um ano.

Secretariado Cimi
Egon Heck       Fotos: Laila/Cimi
Brasilia,  8 de fevereiro 2.018