ATL 2017

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quarta-feira, 12 de julho de 2017

Povos Indígenas e as batalhas em Brasília



Nas últimas duas semanas quatro delegações indígenas estiveram em Brasília em continuidade à luta pelos direitos dos povos originários em nosso país. As batalhas vêm das bases e chegam até os espaços do poder central, na capital federal. As comissões vieram dos Estados onde atualmente a questão indígena está mais acirrada, e por consequência, onde acontecem as situações de maior violência, conflitos e assassinatos: Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Bahia.

As delegações, em cobranças e denúncias, trouxeram até os órgãos governamentais duas questões vitais: terra e saúde. Dezenas de documentos foram entregues às autoridades denunciando as arbitrariedades e exigindo respostas urgentes às suas demandas de regularização de seus territórios e atendimento de saúde com responsabilidade e dignidade. Exigem, também, investigação e punição nos casos de violências impetradas pelo poder político e econômico contra os povos indígenas em todo o país.

Enfrentando o frio e as frivolidades

Apesar das baixas temperaturas no planalto central, os povos nativos enfrentaram com altivez e galhardia os novos desafios que surgem nos poderes envoltos na lama da corrupção. Quando o sol saudava mais um dia com seus raios quentes, os corpos bronzeados iam sendo pintados. Urucum e jenipapo misturavam-se com sonhos e indignações. A mescla de tinta e utopias marcava mais um dia de batalha para as dezenas de lideranças indígenas. Eles caminhavam na certeza de serem acompanhados por Tupã, dos encantados e dos espíritos dos guerreiros que tombaram nesses mais de cinco séculos de resistência. É o que lhes garante a vitória, diante dos decretos que desejam suas mortes.
  
Pataxo e Tupinambá, Kaingang, Kaiowá Guarani e Terena, além dos Kinikinawa, Kadiwéu, Aticum e Tumbalalá: todos irmanados pelos direitos originários de seus territórios e pelos projetos de Bem Viver nessa Abya Yala e Brasil continental e plural.

Brasília foi sacudida pelo som dos maracás, pelos constantes Toré (rituais dos povos indígenas do Nordeste), e rituais de guerra e paz. Dançaram e cantaram diante das situação que lhes é cada vez mais adversa. Porém, nunca os deixam roubar a esperança. “Nenhum direito a menos. Avançaremos”, foi o grito que ecoou nos espaços dos três poderes, ministérios e órgãos da burocracia oficial.
Diante dos monólogos evasivos, da efetiva incapacidade de respostas eficazes aos graves problemas da saúde indígena, da não demarcação das terras e do aumento das violências contra seus parentes e suas comunidades, um ancião Pataxó expressou desanimo e indignação: “Já esmoreci. Se soubesse que só iríamos ver enrolação eu não teria vindo”.

Apesar da total incapacidade e despretensão política de atender as demandas e direitos dos povos indígenas, ficou a firme decisão de continuar lutando por seus direitos de todas as formas. Se não for assim, pior ficará.

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Saúde indígena e as armadilhas do poder

Uma análise apurada sobre a questão da saúde indígena levaria a caminhos construídos com participação dos povos, autonomia e efetivação de um subsistema próprio. Seria sinônimo de qualidade. Porém, não é o que vemos acontecer.

Na década de 90 a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e suas desastrosas políticas de convênios/terceirização, que envolveram organizações indígenas, foi responsável pelo esfacelamento do movimento indígena organizado em prol da saúde. Houve criminalização de grande parte das lideranças, que foram acusados de malversação dos recursos públicos. 



O problema se repete. A criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), apesar dos esforços do controle social desde as bases, não consegue se desvencilhar da armadilha de gerar conflitos e tensões nas comunidades indígena. A atual luta dos movimentos indígenas, de diferentes maneiras e em distintas regiões, se pautam na temática. “Será que esse processo de falência da saúde indígena não é novamente uma armadilha para esvaziar a luta principal, que é a demarcação de garantia de nossos territórios? ”, questionou uma liderança Kaingang. Será que a indevida e nociva interferência dos interesses políticos e partidários não estão novamente corroendo as bases de consolidação de políticas de saúde indígena? Não estão inviabilizando a efetiva autonomia e respeito à saúde dos diversos povos indígenas?

Apesar das respostas aos questionamentos, a situação caótica da saúde especial aos povos indígenas leva a uma necessária e urgente avaliação dos caminhos que estão sendo traçados. Sem uma rigorosa análise não se chegará a uma substancial e efetiva melhoria.

Visibilidade e resistência

Ficou claro para as quatro delegações indígenas que estiveram em Brasília nas últimas semanas que somente a união e a permanente mobilização garantirá a efetivação das políticas públicas aos povos. Unir-se para dar visibilidade a resistência é a mensagem uníssona para que não haja retrocesso.


Além disso, as lutas e batalhas em Brasília, que refletem as travadas nas bases, são importantes espaços de formação política, consolidação do movimento indígena e ampliação de suas alianças, especialmente com os povos e comunidades tradicionais, na luta pelos territórios e projetos de Bem Viver.

Fotos Laila Menezes

domingo, 9 de julho de 2017

Delegação Terena em Brasília: “Queremos repostas concretas”


 Como encaminhamento da 10ª Assembleia do Povo Terena, que aconteceu de 31 de maio a 03 de junho na Aldeia Buriti, em Dois Irmãos do Buriti (MS), decidiu-se que uma delegação de lideranças viria até Brasília para agenda de reinvindicações. A assembleia ressaltou a necessidade de acompanhar e fortalecer a cobrança sobre os processos de demarcação das Terras Indígenas junto a Fundação Nacional do Índio (Funai), ao Ministério da Justiça, no Supremo Tribunal Federal e demais instâncias governamentais responsáveis por criarem políticas específicas aos povos indígenas. A delegação composta por lideranças dos povos Terena, Kinikinawa, Kadiwéu e Atikum esteve em Brasília na última semana, de 25 a 30 junho.

As pérolas do Ministro da Justiça

Na quinta feira (29) a comissão de indígenas vinda do Mato Grosso do Sul foi recebida pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, e pelo presidente interino da Funai, Franklimberg Ribeiro de Freitas. As autoridades ouviram em alto e bom tom as lideranças dos povos presentes. Na reunião o grupo de aproximadamente 50 indígenas expos suas indignações e exigiram seus direitos, especialmente o de suas terras tradicionais. Em vários momentos externaram que só lhes resta o caminho da volta aos seus territórios, por isso serão persistentes nas retomadas e autodemarcações. Diante as reinvindicações, o presidente da Funai repetiu as afirmações evasivas expostas na reunião do dia 26.

Após as exigências das lideranças o ministro da Justiça deixou claro a que e em nome de quem veio. Quando o assunto era o Marco Temporal (imoral e inconstitucional), enfaticamente rejeitado pelas lideranças, Torquato Jardim não propôs sua revogação. Disse ser necessário reformular, dentro de mecanismos legais disponíveis, mas em momento algum ouviu o desejo dos indígenas de anular a proposta. Esta tese jurídica propõe uma interpretação restritiva dos direitos indígenas, ao definir que só poderiam ser consideradas terras tradicionais aquelas que estivessem sob posse dos indígenas na data de 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.


Contudo, durante toda a reunião a defesa mais enfática (e nada casual, já que se repete) defendida pelo ministro da Justiça foi a proposta de explorar economicamente as terras indígenas já demarcadas. Jardim fez a pergunt em nome do agronegócio: “Será que é mais terra que os índios querem e precisam?”, e respondeu: “ou é a instalação de escolas de primeiro mundo, técnicas, uma escola do século 21?  Com essas escolas e a produção mecanizada vamos reforçar o DNA indígena”. Tais afirmações são muito semelhantes às levantadas na década de 1970, pela ditadura militar.

Ao ser contestado por lideranças que deixaram claro suas necessidades -  territórios demarcados e respeitados, sem a mercantilização da terra -  se apressou em dizer que não havia falado em mercantilização. Foi então a vez de uma das lideranças se levantar e, aproximando-se do ministro e presidente da Funai, afirmar que não quer ficar rico, não quer riqueza, mas apenas deseja a terra para viver a sua cultura e em paz.

A doente saúde indígena

“Se não houver previdências por parte da coordenação nacional da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) nos próximos três dias, nós mesmos vamos tomar nossas providências. Vamos fechar a Administração Regional da Sesai em Campo Grande”. Foi o aviso dos caciques da delegação com 50 lideranças do povo Terena, Kinikinawa, Kadiwéu e Atikum para o secretário do órgão vinculado ao Ministério da Saúde. A reação do atual secretário da Sesai, Marco Antônio Toccolini, há quatro meses no cargo, foi imediata: “Assim vocês me deixam em saia justa. A decisão de demissão do atual administrador regional depende da Casa Civil e não de mim”.

  
Durante mais de duas horas as lideranças fizeram relatos indignados de omissões, má gestão, descaso, falta de remédios e funcionários.  No final da reunião ficou evidente a gritante realidade do descaso com a vida da população indígena e a impossibilidade de uma política coerente e ações eficazes de política de saúde. Em resposta, o presidente do órgão se limitou a informar que está construindo uma nova Sesai.  Ao lembrar as frequentes solicitações de caixões para enterrar as vítimas desse descalabro e engessamento do órgão não se conteve e foi às lágrimas.

Funai: nossa terra sagrada foi roubada.

Na segunda-feira (29) a delegação se reuniu com o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). “Queremos nossas terras. Caso os processos continuem paralisados, nós voltaremos às nossas terras. Não aceitaremos retrocessos, como no caso de Limão Verde”, foi a mensagem que ressoou durante todo o encontro.


O presidente interino da Funai, general Franklimberg Ribeiro Freitas, apesar de se identificar como índio Mura, não demonstrou ter maiores conhecimentos e informações sobre a realidade indígena. No final de aproximadamente duas horas de conversas, cobranças e informações, a delegação pediu informações por escrito sobre cada uma das situações das terras indígenas na região do pantanal sul mato-grossense e região. Franklimberg não soube dar informação. A Funai se comprometeu a entregar esses relatórios aos representantes das terras indígenas.

STF e a promessa de agilidade

Em diferentes circunstâncias e com diferentes interlocutores, a atual presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, manifestou intensão de dar agilidade ao julgamento a mais de uma centena de processos envolvendo o reconhecimento de territórios indígenas. Infelizmente parece que a falta de análise de tais processos interessa aos ruralistas. Enquanto nada se decide eles mantêm ocupadas inúmeras terras indígenas. Estas, enquanto judicializadas, estão efetivamente na posse e produção do agronegócio.


A delegação dos povos Terena, Kadiwéu, Kinikinawa e Atikum, que passou a semana em Brasília lutando pelos direitos de todos os povos indígenas do Brasil. Novamente fizeram chegar aos ministros do Supremo Tribunal Federal o veemente pedido de julgamento das ações e garantia das terras indígenas. São exigências que fazem a partir da Constituição Federal de 1988.

Representantes da terra indígena Limão Verde, município de Aquidauana (MS), que está demarcada, mas sob a ameaça de retrocesso, externaram a decisão de seus parentes. “Nossa comunidade mandou dizer que jamais sairão da terra já totalmente regularizada. Só sairemos se formos mortos”. Limão Verde já foi homologada e registrada, contudo encontra-se enquadrada em processo da segunda turma do STF sob orientação do Marco Temporal, que consolidar como terra indígena a ser demarcada apenas as ocupadas pelos indígenas na ocasião da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

O povo Terena

O povo Terena trata-se de um povo bastante conhecido pela etnografia brasileira, especialmente a partir da guerra contra o Paraguai. No combate, indígenas Terena tiveram função importante no suprimento de alimentação dos combatentes.
  
Por serem exímios agricultores, conseguiram uma produção agrícola importante no abastecimento da população regional. Através do estabelecimento de famílias nas cidades desenvolveram uma estratégia para a comercialização de sua plantação. Montaram uma rede de produção e comercialização direto da aldeia para a cidade, evitando assim os atravessadores.


Esse movimento de ida para a cidade levou a especialização em várias áreas do conhecimento. Permitiu-se então uma estratégia de ocupação de espaços dos não índios. Com muita agilidade foram migrando para vários ambientes da região, em especial para a cidade de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul.


Os Terena e suas estratégias de resistência e afirmação de suas identidades surpreendem. No início de 2002 iniciaram um promissor processo de retomada de suas terras. Com a retomada de Buriti, no município de Miranda (MS), seguiram a buscando o seu lugar junto a Mãe Terra. Atualmente são mais de uma dezena de terras retomadas e outras tantas reivindicada. Hoje a população Terena é de quase 30 mil pessoas.

Foto: Guilherme Cavalli / Cimi
Foto: Hegon Heck