ATL 2017

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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Peleando com a saúde indigena

“O Ministro vai receber vocês”. Os burocratas de plantão pareciam ter pressa para resolver a situação. O quarto andar do Ministério da Saúde estava parcialmente interditado pelos Kaingang, Guarani Mbyá e Charrua. Eles vieram do Rio Grande do Sul e Santa Catarina dispostos e decididos a obter respostas e resultados concretos sobre a caótica situação da atenção à saúde prestado ( ou melhor não prestado) pela Secretaria Especial de Saúde Indígena – SESAI. “Podem nos matar.  Vamos derramar nosso sangue aqui, se preciso for...Chega de mentiras. Estão matando nosso povo. Só vamos sair daqui depois de falar com o Ministro da Saúde (Alexandre Padilha)  com a presença do Ministério Público Federal.”
Essa era a exigência dos quase 80 indígenas  que ocuparam parte do ministério. Rapidamente chegou o pelotão de negociação. A primeira intenção era evitar que houvesse divulgação do fato. Tentaram levar os indígenas para o auditório com a promessa de que o Ministro os receberia “Lá vocês podem conversar mais à vontade. Tem melhores condições do que aqui, todo mundo em pé. A manobra não deu certo. Os índios foram irredutíveis. “Queremos que o Ministro nos ouça aqui, juntamente com um Procurador da República.
Com a chegada cada vez maior da imprensa, que era conduzida pelos caciques até o quarto andar, as exigências da secretária de gabinete do Ministro, foram diminuindo. Os indígenas não abriam mão de suas condições para o diálogo. Momentos de tensão e apreensão. Uma repórter se apressou em difundir a situação gravando a informação dizendo “os índios invadiram a Sesai, que está parcialmente interditada”. Na hora houve a reação do movimento indígena gritando “invadindo não, ocupando”. Sem jeito a locutora corrigiu se script “os índios ocuparam a Sesai...”
O tempo foi passando. Um certo nervosismo por parte dos funcionários do Ministério, pois pareciam ter pressa em despachar os índios, e se ver livre dessa incômoda situação. “Olha, o ministro já desmarcou três compromissos. Ele só pode esperar até as 13 horas”. A resposta indígena  foi instantânea e incisiva “Se ele já desmarcou três compromissos, pode desmarcar os outros também, porque hoje é nosso dia”.
Breves intervalos de silêncio intercalados com acaloradas discussões com os burocratas do ministério e entrevistas à imprensa. Já era quase meio dia quando foi anunciado que um procurador estava chegando,  para, finalmente iniciar a reunião com o Ministro da Saúde. Os índios apresentaram os integrantes da “comissão de negociação”. Dezesseis participantes. O número foi considerado excessivo pelos representantes do ministério. Eles propunham apenas seis pessoas, dois representantes de cada povo indígena, argumentavam. “Nossa comissão é essa ou não tem conversa!” Aceita a proposta, a conversa já não mais foi possível de ser realizada no gabinete do ministro. Foi então transferida para o auditório.
Por duas horas o Ministro ouviu a delegação indígena relatar detalhadamente os desmandos,  omissões, mentiras e a situação de calamidade em que se encontra a saúde indígena na região e em todo o país. Após ouvir atentamente, chegaram à conclusão de que seria necessário um tempo para viabilizar um planejamento das respostas às demandas colocadas. Por isso marcaram um segundo encontro do Ministro Celso Padilha com as lideranças dos indígenas do Sul do Brasil. Está marcada para amanhã, no Ministério Público Federal.
No quarto andar, uma faixa expressava a realidade da saúde indígena “O Governo Federal está matando os Povos Indígenas do Sul, negando a saúde!”
Na avaliação das lideranças valeu a pena acordar de madrugada, ocupar o ministério, conversar com o Ministro e se unir aos milhares de povos e comunidades indígenas que por esse país afora estão protestando com o caos na saúde indígena.
Foi esperançoso ver aqueles lutadores e guerreiros, que na década de setenta (1978) expulsaram os invasores de suas terras, estarem aí na continuidade da luta por seus direitos, pela demarcação das terras – tem mais de 60 acampamentos indígena no Rio Grande do Sul, e protestarem contra a genocida PEC 215. Ali estavam filhos dos grandes guerreiros e estrategistas como Nelson Xangrê e Algelo Kretã, além dos que eram considerados já extintos, os  Charrua.
Na celebração da memória dos 40 anos do Cimi, nada mais gratificante do que ver esses povos levarem adiante suas lutas, com sabedoria, decisão política e dignidade.

Egon Heck
Cimi 40 anos – Brasilia, 30 de maio de 2012

sexta-feira, 25 de maio de 2012

A invasão e resistência continuam



Duas dezenas de grandes navios podem ser vistos da praia em São Luiz do Maranhão. Na âncora de um deles continuam se revezando os ativistas do Greenpeace, procurando impedir o carregamento de uma carga de carvão, obtido de forma ilegal e com trabalho escravo. Indígenas, de vários povos narram as violências e ameaças que agora vem  não apenas do mar, mas também dos das estradas e picadas das serrarias, dos trilhos e trilhas que rasgam inúmeros territórios indígenas nos rastos da invasão primeira, continuada.
Celebrando 40 anos de compromisso com a vida
Dom Sebastião abre a celebração dos 40 anos do Cimi, na assembléia do regional maranhão com pedido de perdão e renovação do compromisso com a causa dos povos indígenas. Ele é descendente de indígenas e africanos. A seu lado um padre, descendente indígena, declara que o melhor período de sua formação foram os dois anos que passou com o povo Awá Guajá.  Três representantes desse povo estão presentes à celebração. Mesmo entendendo pouco  português e talvez menos ainda do ritual que estava sendo realizado, ali estavam como testemunhas silenciosas e atentas desse Brasil plural, que teima em não se reconhecer e agir como tal.
 Há quase 400 anos, numa aldeia que se transformou no povoado de São Luiz, atual capital do Maranhão, europeus celebravam sua chegada a essas terras. Rezava-se pelo êxito da missão civilizadora e cristianizadora, junto aos povos indígenas desta região. 
Iniciou-se a invasão e quase extermínio dos povos primeiros, habitantes seculares, desse chão. Se naquela ocasião, há quatrocentos anos celebrou-se a primeira missa neste lugar, a benção da invasão, agora, em 2012, estamos celebrando, com indígenas de pouco contato, como os Awá e os ressurgidos, os Krenyê, a segunda missa, a do perdão e compromisso com a vida e libertação desse povo de todas as ameaças do sistema neoliberal, que lhes quer tolher o presente e o futuro.
Estávamos iniciando a celebração dos 40 anos do Cimi, no regional Maranhão. Um grupo pequeno, sendo a maioria indígenas, fazíamos de cada gesto, de cada sentimento, momento de gratidão a Deus, renovação do compromisso com a causa e direitos desses povos. Invocamos e sentíamos a presença forte de tantos e tantos que fizeram  essa trajetória bonita e desafiadora da presença solidária e radical com a vida desses povos. Lembrança especial de companheiros queridos que já partiram, drasticamente: Dom Franco M., Pe. Carlos Ubiali dentre muitos outros.
Dos “isolados” aos “ressurgidos”
Cientistas como antropólogos, sociólogos, historiadores se esmeram em cunhar o termo que melhor expressa esse fenômeno marcante no Brasil atual, que são as dezenas de povos que reassumem suas raízes, seu presente impactado pela sociedade invasora, suas vidas escorregando por entre as estruturas  e praticas racistas e discriminatórias da sociedade majoritária. “No capitalismo neoliberal não existe lugar para os povos indígenas”, afirma analistas e cientistas políticos, ao demonstrar como as lógicas opostas não, apenas toleram, temporariamente, a coexistência com o diferente. Num banner da Campanha Awa está escrito “Hoje (os Awá) enfrentam  um inimigo, o capitalismo predador que tem invadido as terras indígenas”. E faz um convite “Vale a pena conhecer e aprender um novo paradigma de vida com esse povo, que tem com os animais, plantas, água e ar e toda a natureza uma relação de irmandade, por meio dos quais buscam aprender e colaborar para o “bem viver’ nesta Mãe Terra”.  Existem ainda Awá em estado de isolamento voluntário, porém em espaços cada vez mais reduzidos pelo avanço predatórios das serrarias e fazendeiros.
O mar próximo daqui, não se cansa de advertir, com sua voz rouca e ritmada “cuidado, invasores a vista!” Mas de 20 navios estão aí próximo esperando para atracar e encher suas enormes barrigas, não mais de pau Brasil, como naquele momento primeiro, mas as árvores transformadas em carvão,torras ou o ferro da serra dos Carajás.
Krenyê os Timbira resistentes (ressurgidos)
Na década de cinqüenta, Darcy Ribeiro já afirmava que os Timbira-Krenyê eram considerados extintos.  Passou-se quase meio século, e os que estavam enterrados, pela história oficial, ressurgem no cenário nacional, pedem reconhecimento e exigem parte de seu território ancestral.
Raimundo Krenyê conta que em 2003 começaram a lutar pelo reconhecimento étnico de seu povo. Tiveram apoio da equipe do Cimi Maranhão, na busca de documentação histórica e na recuperação e organização da história oral de seu povo. Nessa ocasião viviam famílias dispersas na periferia de Barra do Corda. A rigor existem famílias de seu povo espalhadas por todo o Maranhão. “Já inventaram a vida de tudo que é jeito. Até pra São Paulo foram alguns” diz Rosimeire do Cimi Maranhão. Em 2004, em função das dificuldades para se articularem para tratar de seus direitos, reuniram algumas famílias num mesmo espaço. Deixaram de trabalhar para os fazendeiros. Vivem em situação muito precária, especialmente pela falta de água. Um dia por semana pagam uma condução que leve representantes das famílias até um rio para lavarem roupa. Curiosamente , Cristiano, criança Krenyê, de 4 anos ao ver o mar exclamou para sua mae “Olha quanta água. Será que dá pra gente lavar roupa?”
Em 2005 uma delegação do povo foi a Brasilia. Tiveram dificuldades em serem recebidos por alguns órgãos, como a própria Funai, que insistia que eles já eram considerados extintos. Depois de muita luta, em 2009 foram reconhecidos. “Nós reviveu de novo, diz  Velani Krenyê. Neste mesmo ano foram visitar a terra de seus antepassados, ficando entusiasmados com as grandes mangueiras que seus pais plantaram e que lá ainda existem, no local da aldeia. Ficaram de esperar até agosto  deste ano a constituição de um Grupo de Trabalho da Funai, para definir suas terras.
Os povos indígenas do Maranhão continuam resistindo, ressurgindo, se insurgindo contra todos os decretos de morte e invasões. E podem contar com cada vez mais aliados. O Cimi, por ocasião da celebração de seus 40 anos renova seu compromisso de estar com eles em suas lutas por seus direitos, vida digna e paz.
Egon Heck
Cimi 40 anos,
Assembléia Regional Cimi Maranhão, 24 de maio de 2012

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Maranhão – Pacto de Cinismo
O Estado do Maranhão, às vésperas da Cúpula dos Povos, Rio + 20, é o exemplo paradigmático do que não se deve fazer em termos de impacto e destruição da natureza e desrespeito a seus primeiros habitantes. O chão do Maranhão arde em carvão, suas florestas gemem sob o barulho ensurdecedor e contínuo dos dentes vorazes das motosserras.
O Greenpeace  mantém seu protesto, com seus membros se revezando na ancora de um navio que vinha carregar carvão obtido através de trabalho escravo e carvão de madeira retirada das  terras indígenas do estado. O protesto, já mais de dez dias, está chamando atenção do país e do mundo, sobre os crimes contra a natureza e os povos indígenas, que continuam sendo rotina nesta região do país, no cerrado, na mata pré-amazonica e na floresta amazônica. Olhando para o mapa da região amazônica, que nestes dias está sendo lançado pelo Greenpeace, se percebe claramente que o Maranhão é apenas uma mancha vermelha, significando o processo de total devastação da floresta, apenas interrompido pelo verde sobrevivente nas terras indígenas e algumas unidades de conservação.
Essa realidade motivou a solicitação de uma audiência pública pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado. O deputado Bira do Pindaré, que solicitou a audiência, a partir de pedido do Cimi Maranhão, foi o único parlamentar presente. Aos outros 41 provavelmente o tema dos direitos indígenas não devia ser motivo de interesse e de debate. O mesmo pensamento devem ter  os órgãos públicos convidados, particularmente a Funai, o Incra, Ibama, dentre outros. Nenhum deles compareceu ou sequer se deu ao respeito de comunicar sua ausência. Um pacto de cinismo, como disse um professor da Universidade Federal do Maranhão, que mostra não apenas o grau de omissão do governo federal e estadual, mas sua criminosa postura de apoio ao processo de devastação e desrespeito aos direitos dos povos indígenas, especialmente à terra.
A audiência pública, em meio à greve geral dos transportes coletivos, foi convocada para debater de maneira especial, duas situações – Terra Indígena Governador, do povo Gavião, no município de Amarante do Maranhão e a Terra Indígena Awá Guajá, município de Zé Doca, ambas sob fortíssima pressão de interesses econômicos e políticos regionais, invasão massiva de madeireiras ( só nas terras dos Awá estão devastando a floresta há aproximadamente 180 serrarias) . É voz corrente entre os políticos e interesses econômicos de que essas duas terras indígenas não serão demarcadas. Como garantia às suas pretensões alegam a existência de milhares de assentados pelo Incra nessas áreas ( só na área dos Pukobjê-Gavião existem 11 assentamentos)
Rosana, coordenadora do Cimi Maranhão destacou a campanha  difamatória contra os direitos dos povos indígenas no estado, estimulando um verdadeiro genocídio contra populações indefesas, com grupos em situação de isolamento voluntário, como é o caso dos Awá. A proteção e reconhecimento dessa terra indígena se arrasta por 30 anos. Representantes desse povo deram seu depoimento na língua materna. Falaram da destruição da floresta e da caça, com a invasão de seu território.  “Destroem nossa comida. Eu tenho ciúme da floresta, da caça...”. Lembraram a ida a Brasília no ano passado, quando cobraram ao Desembargador Girair Aram, no TRF, a demora no julgamento sobre suas terras.  Três Awá, dentre os quais um estava na audiência, no ano passado fizeram uma visita aos Kaiowá Guarani, no Mato Grosso do Sul, para os quais levaram flechas para que pudessem se defender da invasão de  suas terras. Apesar das distâncias e realidade históricas tão diversas, se entenderam na língua (tupi-guarani) e nas intenções, defender-se dos invasores e destruidores de seus territórios e da floresta.
Encaminhamentos
Fazer um relatório com as cobranças aos organismos do governo que não compareceram, especialmente a Funai
Cobrar da Funai  um plano de retirada e reassentamento das moradores não índios da Terra Indígena Awá Guajá, conforme determinou a decisão judicial
Interditar uma estrada que atravessa a terra indígena Awá
Solicitar ao IBAMA um plano de fiscalização efetivo ( infelizmente em ocasiões anteriores de embargo triplicou o numero de serrarias atuando em terras indígenas
Deputado Bira, em conjunto com outros aliados visita ros órgãos fundiários e também o Ministério da Justiça, com documentação relatando tudo que foi denunciado e exigido pelos indígenas e seus aliados, providências nesta audiência pública.
A audiência pública foi um momento importante para os povos indígenas do Maranhão darem visibilidade a situações dramáticas de violências, mortes e ameaças e exigir do governo federal providências urgentes.
Egon Heck, Cimi- 40 anos, São Luiz do Maranhão, 22 de maio de 2012

sábado, 19 de maio de 2012

Cheios de boa vontade, vazios de decisões

Uma delegação de 16  Kaiowá Guarani  do Mato Grosso do Sul, passaram três dias em Brasília para dar oportunidade dos funcionários da Funai e outros dez ministérios, dentre os quais a Casa Civil, Secretaria geral da presidência da República, dizerem o que estão fazendo, pretendem fazer, e de que recursos financeiros dispõem para atuar junto aos povos indígenas. Foi um festival de siglas e projetos desfilando diante dos olhos e mentes atentas dos Kaiowá Guarani. Houve também quem demonstrasse seu reconhecimento e carinho pela causa, indo além de funcionário no cumprimento de seu estrito papel burocrático.
Em vários momentos as colocações dos funcionários pareciam ser para uma seleta platéia dos povos indígenas do Brasil, em suas terras e territórios demarcados. Eliseu Lopes procurou chamar atenção para a realidade dos Kaiowá Guarani ali presentes, sendo lideranças de áreas de conflito, retomadas ou acampamentos à beira da estrada. Esta situação, na prática, os exclui de qualquer possibilidade dos recursos sobre os quais se discursava. A rigor apenas uma coisa queriam ouvir: quando vai ser demarcada a terra. Apenas a representante do Ministério da Educação deu um sinal de esperança para as situações de retomadas, acampamentos e áreas de conflito. “Vocês podem exigir das prefeituras a construção e funcionamento de escolas nas áreas em conflito e não regularizadas.” E para justificar esse direito citou a portaria interministerial 507, deste ano, que garante esse direito às comunidades indígenas.
Ouviram também explicações sobre a morosidade do processo de identificação de suas terras. Dos vinte relatórios previstos para serem entregues pelos Grupos de Trabalho ( há anos diga-se de passagem!) apenas cinco foram entregues, e segundo avaliações preliminares, todos terão ainda que ser complementados.
Em nota, o Conselho da Aty Guasu, volta a reafirmar que a pauta principal da viagem é obterem respostas sobre a demarcação de suas terras. E com isso a diminuição da violência e genocídio ao qual as comunidades, confinadas ou em acampamentos à beira da estrada, estão submetidos.
Elpidio, da terra indígena Potrero Guasu, por varias vezes manifestou sua estranheza por não ter ouvido falar de tantos projetos e recursos, que nunca chegam à sua comunidade e região do município de Paranhos.
Infelizmente a tão sonhada e suada recuperação e garantia da terra ficou para mais adiante, depois da Rio+20, depois das eleições, depois do governo Dilma, e até onde a paciência Kaiowá Guarani alcançar ou eclodir em silenciosa revolta e retomada de seus territórios tradicionais. Levam na bagagem de volta muitas informações e disponibilidades de acesso a recursos dos Ministérios das Cidades, dos Esportes, do Desenvolvimento Social, do Desenvolvimento Agrário, Ministérios da Educação e Saúde, Justiça! Quando mesmo chegará a Justiça?
No chão a luta avança
Vitórias importantes aconteceram nesses dias com relação à realidade dos Povos Indígenas no Mato Grosso do Sul. Os Kadiwéu tiveram a seu favor a decisão da juíza que não concedeu a reintegração de posse solicitada por vários fazendeiros estabelecidos dentro da terra indígena demarcada e registrada. Remeteu o processo para o Supremo Tribunal Federal. Enquanto isso a ocupação efetiva da terra fica com os índios.
Outro acontecimento importante é a reunião do Conselho Continental Guarani, em Dourados. Na pauta uma importante discussão sobre o estatuto e funcionamento do próprio Conselho, não conforme a estrutura hierárquica das nossas organizações, mas  conforme a maneira Guarani de se organizar e tomar decisões.
Na pauta também esteve o debate sobre  a participação  e estratégia Guarani na Cupula dos Povos, por ocasião da Rio+20. Entendem que esse será um momento ímpar para dar visibilidade à luta do povo Guarani nos quatro países, especialmente o reconhecimento de seus territórios e o direito de viverem o teko – jeito de viver Guarani, na busca da terra sem males.

Egon Heck
Cimi 40 anos, maio 2012

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Waimiri Atroari – a Guerra velada e revelada

Waimiri Atroari – a Guerra velada e revelada
Contra os Waimiri Atroari se  realizou uma “guerra relâmpago”. Ao citar essa frase., Egydio concluía seu depoimento na Comissão da Verdade, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, em Brasília. Seus olhos começaram lacrimejar. Era um início de tarde agradável na capital federal.
No dia 9 o plenário 9 recebeu um curioso e indignado público.
Estava se começando a revelar um dos mais cruéis crimes cometidos pela ditadura militar contra um povo indígena. Existem indícios de que no período de   dez anos (1967 a 1977) no período da construção da BR 174, que liga Manaus a Boa Vista, foram exterminados em torno de 2 mil Waimiri Atroari. Esses povo resistiu bravamente contra a invasão de seu território.
A guerra santa do desenvolvimento a qualquer custo, ontem e hoje, continua fazendo milhares de vítimas, em sua grande maioria  anônimos, ocultados, enterrados pela história do colonizador, dos interesses dominantes. Foi o que expressou o secretário do Cimi, Cleber Buzatto, ao iniciar os depoimentos do massacre  e genocídio dos Waimiri Atroari. Fez ,menção à construção da hidrelétrica de Belo Monte, que está sendo construída às custas de enormes e irreversíveis impactos sociais e ambientais.
Egydio em seu depoimento de um pouco mais de meia hora trouxe inúmeros documentos e informações que mostram como o palco e desenrolar a guerra contra os Waimiri Atroari e sua resistência. Disse, em seu depoimento contundente  Em junho de 1985, sentado em companhia de dois Waimiri-Atroari na calçada em frente ao prédio da FUNAI, aqui em Brasília, um deles me perguntou à queima-roupa: “O que é que civilizado joga de avião e que queima o corpo da gente por dentro?”. Teria sido napalm? Em aula, mais tarde, as perguntas se sucediam: “Por que kamña (civilizado) matou Kiña?” “O que é que kamña jogou do avião e matou Kiña?” Kamña jogou kawuni (de cima, de avião), igual a pó que queimou garganta e Kiña morreu”. “apiyeme-yekî”=por quê?”
Para ilustrar a forma bélica utilizada para vencer a resistência dos Kiñá trouce uma afirmação do sertanista Sebastião Amâncio, substituto de Gilberto Pinto, publicado em O Globo “Os Waimiri-Atroari precisam de uma lição: aprender que fizeram uma coisa errada. Vou usar mão de ferro contra eles. Os chefes serão punidos e, se possível, deportados para bem longe de suas terras e gente. Assim, aprenderão que não é certo massacrar civilizados (...) Irei com uma patrulha do Exército até uma aldeia dos índios e lá, em frente a todos, darei uma bela demonstração de nosso poderio. Despejaremos rajadas de metralhadoras nas árvores, explodiremos granadas e faremos muito barulho, sem ferir ninguém, até que os Waimiri-Atroari se convençam de que nós temos mais força do que eles”.
De forma maquiavélica e cruel, o sistema foi invadindo o território, matando e subjugando seu povo, abrindo aos interesses do grande capital nacional e internacional. Ficam os monumentos à insanidade, como a hidrelétrica de Balbina,  os buracos e rastro de destruição deixados pela mineradora Paranapanema e atual  Taboca. Como dizia o sertanista Apoena Meirelles, quando coordenador   da Frente de Atração Waimiri Atroari, em 1975 “ 
Infelizmente um manto de silêncio se lançou sobre esse crime . “A  FUNAI, como principal testemunha do desaparecimento dos Waimiri-Atroari, se mantém hoje estrategicamente à distancia dos novos acontecimentos, enquanto a empresa que alagou grande parte da Reserva, dirige o destino desse povo.”
Egydio nos relatou com emoção o tempo em que viveu com sua família entre os Waimiri Atroari, desenvolvendo um importante trabalho na área de educação “Foi o período mais feliz de minha vida”
O antropólogo da UNB, Stephen Baines, que também foi expulso da terra indígena Waimiri Atroari, não apenas confirmou os indícios da morte de aproximadamente 2 mil indígenas desse povo, por ocasião da construção da estrada, mas acrescentou vários elementos que corroboram essa denúncia. Outros depoentes expuseram fatos relacionados às políticas que levaram à morte milhares de indígenas por esse Brasil afora. A Funai e a Eletronorte não enviaram seus representantes.
Momento histórico
Todas as manifestações e depoimentos ressaltaram a importância dessa audiência pública, qualificando-o como “momento histórico”. Porém não pode ficar na denuncia. Teremos que fazer justiça, e principalmente evitar que se continue cometendo essas barbaridades contra os povos indígenas.
Ao começarmos a desvendar essa triste memória, não apenas daqueles que enfrentaram diretamente a ditadura, mas de todos os que foram vítimas do mesmo regime, como é o caso dos Waimiri Atroari.
A verdade continuará sendo revelada. Viva o heroico e resistente povo Kiñá!

Povo Guarani Grande Povo
Cimi 40 anos, 11 de maio de 2012

Denuncia do Massacre dos Waimiri-Atroari. na comissao da verdade

A guerra do Paraguai continua

Agora é contra os Kadiwéu, conhecidos na história como os Guaicuru, ou índios cavaleiros.Estes Lutaram heroicamente ao lado do exercito brasileiro, argentino e uruguaio, na guerra genocida contra o Paraguai. Tiveram como recompensa a  doação, pelo imperador D. Pedro II, do titulo de terra  na região tradicionalmente por eles ocupada, na serra da Serra de Bodoquena e Pantanal. Foram doados um total de 538 mil hectares. Destes, em 1921, um grande grileiro estrangeiro de nome Fomento Argentino, se apossou de aproximadamente 150 mil hectares. Essas terras depois foram sendo repassadas para fazendeiros da região. Assim se deu a invasão.
Quando a Funai refez os limites da demarcação, para homologação, no início da década de 80, enfrentou a resistência dos posseiros, que questionaram os limites na justiça. Desde 1987 o processo está no Supremo Tribunal Federal.
Portanto é uma ação idêntica à dos Pataxó Hã-hã-Hae, do sul da Bahia. Se espera que o Supremo julgue essa ação com urgência para restabelecer a justiça e a paz na região.
Enquanto isso os Kadiwéu tem que tem que suportar a segunda guerra, desta vez contra os invasores locais e estrangeiros. O comandante Pucinelli já mandou o recado. Se os índios não saírem pacificamente, vão tomar outras providencias.
É importante ressaltar que a terra foi titulada pelo imperador em nome do povo Kadiwéu.
É impressionante o racismo que continua sendo alimentado pelo modelo econômico e político regional. Basta ver o comentário postado na mídia eletrônica: “Até quando estes índios desocupados vão assombrar produtores e pecuarista neste país?
Já sinto até a necessidade, de um certo Gal George Custer....Embora não tenhamos nem um deste que seja digno de um Touro Sentado ou muito menos um Nuvem Vermelha. Mas vadios tem bastante!!!!”
LUIS CARLOS LEITE NUNES em 08 de maio de 2012 - terça às 13:29 (Campo Grande News)
Egon Heck
Povo Guarani Grande Povo
Cimi 40 anos, 11 de maio de 2012

Povos Indigena do Acre

terça-feira, 8 de maio de 2012

Povos indígenas contra os 500 anos de escravidão – contra a PEC da escravidão
Perto de 500 pessoas dos movimentos sociais e políticos lotaram o auditório Nereu Ramos , na Cama dos deputados,nesta manhã do dia 8. Tratava-se de importante e representativa manifestação dos setores combativos no campo e na cidade. Aí estavam irmanados contra a PEC da escravidão. É vergonhoso que em pleno século 21 ainda se esteja tentando votar um texto pela erradicação do trabalho escravo. Essa PEC  está engavetada há 11 anos no Congresso, e seu conteúdo já deveria ter sido eliminado hà 121 anos, com a “abolição da escravatura.
Palavras de ordem lembravam a luta popular e seus heróis na luta por transformações profundas, rupturas com o projeto escravocrata, discriminador, preconceituoso e é sustentado por uma elite econômica e política em nosso país. Temos uma classe ruralista das mais reacionárias e retrógradas. Contra esse regime ancorado e sustentado no capitalismo neoliberal, é que se insurgem os oprimidos no campo e na cidade. E o Congresso, com seus minoritários setores progressistas, e outros humanistas contrários há exploração do trabalho escravo.  Os índios, juntamente com os negros estavam na primeira fila. Os sem terra e várias correntes sindicais e representantes de movimentos sociais, fizeram a bonita, atenta e barulhenta manifestação. “Chega de corrente, abaixo a escravidão”,  “Dignidade acima da propriedade.” “Vida acima do lucro”, é o que diziam algumas faixas e slogans.
A liberdade foi decantada e ecoou em alto e bom som. Resta agora transformar essa energia e união em ações de transformação da sociedade, superação de todos os ranços do colonianismo e construir um novo projeto, plural e igualitário, com justiça e dignidade para todos.
Brasilia, 8 de maio de 2012


Caciques, pagés e lideranças indidgenas do Acre: Nos ouçam

Caciques, pagés e lideranças indidgenas do Acre: Nos ouçam

A delegação de 40 caciques, pagés e lideranças de 6 povos indígenas do Acre, continuam sua acre maratona pelos corredores do poder e da burocracia. Passaram a noite acampados na Funai, aguardando que a presidente receba os documentos que estão trazendo. Hoje será o dia de marcarem presença e quebrarem a monotonia dos tapetes verde e azul, com as  lindas cores  dos cocares, colares e pinturas corporais.
Boa sorte à delegação e que consigam amolecer os endurecidos corações dos parlamentares

sábado, 5 de maio de 2012

Da selva profunda, o grito no asfalto


“Saímos de casa há um mês e dois dias”, revelam algumas das lideranças dos seis povos indígenas do Acre há uma semana em Brasília.  Reuniram com dezenas de órgãos públicos, elaboraram e protocolaram ou entregaram  inúmeros documentos às autoridades, expuseram a dramática situação por que passam a maioria das comunidades indígenas no Estado do Acre, fizeram emergir do fundo da floresta ao coração do poder, o grito “Estamos morrendo.  Que o mundo saiba. Façam alguma ação urgente. Não aguentamos mais.  A saúde indígena nunca esteve tão pior..”
Os quarenta caciques , dos quais alguns viajaram por mais de duas semanas  a pé, de canoa e ônibus, para chegar até Brasília, foram unanimes e enfáticos em seu clamor,  no relato de suas dores, na exigência de providências imediatas. “Estamos aqui numa voz só. Viemos mostrar e falar a realidade, a verdade sobre o que se passa com nossas comunidades.  Hoje expressamos nossas palavras até o mais profundo dos vossos corações parar desabafar todos esses anos de dores, doenças, desespero, genocídio, perseguição, que já não pode mais ser silenciado...”  escreveram os Jaminawa em documento à presidente da República, parentes e autoridades.
Das mais distantes aldeias dos povos indígenas do Acre a voz insurgente da gente primeira, denunciando o sistema de morte, dor, ameaças, abandono a  que estão submetidas.  Parece até um filme. A maioria das pessoas que por horas ouviram atentamente os caciques, ficam embasbacadas “Nunca pensei que isso pudesse ser assim no Acre. As informações que tínhamos eram de uma beleza e tranquilidade paradisíaca.” Essa perplexidade de muitos membros dos órgãos públicos e entidades,  surgem como riscos no cartão postal propalado pelo Brasil e mundo afora por muito anos.
Durante uma semana os caciques e lideranças fizeram uma maratona de audiências, depoimentos contundentes, debates acalorados mas sempre respeitosos e conscientes,  entrega de documentos e denúncias... Apesar do cansaço ,  da estranheza e dureza de salva de pedras do poder, em nenhum momento perderam a alegria, a esperança e a certeza de que essa é uma  dura  luta que está apenas começando.
Vistosos cocares, corpos pintados, flechas e bordunas,  armas da indignação, revolta e paz, os caciques deram visibilidade ao grito de vida e morte ecoado das aldeias mais distantes desse grande Brasil, em acres tempos.

Cimi 40 anos, 5 de maio de 2012

sexta-feira, 4 de maio de 2012

O dia em que a justiça começou a ser feita


A agenda do Supremo Tribunal Federal estava tomada por questões relevantes. A ministra Carmem Lucia propõem , em função da gravidade da situação e a eminência de conflitos e violências, o julgamento da nulidade dos títulos incidentes nos 54 mil hectares da terra dos Pataxo-Hã-Hã-Hae, no Sul da Bahia. Exceto o ministro Gilmar Mendes, os demais se pronunciaram pela nulidade dos títulos. Era dois de maio.
O presidente do STF, Ayres Brito, interveio em algumas oportunidades frisando que para os indígenas “terra não é um bem, mas um ser, um ente, um espírito protetor. Eles não aceitam indenização, porque acreditam que nessas terras vivem seus ancestrais”.
Quem diria,
Uma vez mais na Bahia,
Onde a invasão começou,
Há mais de cinco séculos,
O heroico povo Pataxó Hã-Hã-Hae
Reconquista, com suprema galhardia,
Um pedaço de seu território tradicional.
Suprema justiça no tribunal da vida!
Foram mais de 28 anos em que a ação de anulação dos títulos esteve para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal. O que todos nós perguntamos é porque quase três décadas para se julgar uma ação?. Foram mais de três dezenas de lideranças assassinadas neste período. Há 15 anos Galdino era queimado aqui em Brasília.
Agora esperamos  o julgamento urgente das ações de devolução das terras já homologadas dos Kaiowá Guarani de Nhanderu Marangatu, e outras dezenas de ações que envolvem direitos indígenas a seus territórios. Que sejam anulados os títulos dados pelo governo Getúlio Vargas em terras dos Kaiowá Guarani.
Que a justiça para com os povos indígenas continue sendo feita!
A justiça abre os olhos e o coração
Enquanto em Brasília o Supremo Tribunal Federal, julgava a nulidade dos títulos incidentes sobre a Terra Indígena Caramuru Paraguasu, do povo indígena Pataxo-Hã-Háã-Hae, a juíza Dora Martins que, juntamente com uma delegação de juízes, visitou algumas comunidades Kaiowá Guarani, escrevia seus sentimentos com relação à visita: “E nós, juízes, ali, "veneno e antídoto" a engolir em seco lágrimas insuspeitas. Conseguimos, estou certa, nos fazer ver além e através da toga. E foi bom.  E o líder Jorge bradou justiça com a Constituição na mão, e as mulheres fizeram, na história, sua segunda ATY GUASU (assembleia) para discutir o medo de não terem terra, alimento, saúde e identidade. Mulheres indígenas com voz. Homens indígenas que querem voltar a ocupar seu território sagrado e tão vilipendiado. E as atrocidades se repetem compassadamente. Nos agradeceram os companheiros brancos, que lá nos receberam, e nos presentearam com a fala de que, com toda certeza, nós, juízes brancos, ao irmos até lá "fizemos história na história deles". Mais lágrimas e legítimas. E foi tocante saber que eles acharam honroso e importante que juízas e um juiz que lá estiveram se fizeram acompanhar por familiares, crianças e filhos. E tudo ficou tão familiar, tão igual, tão brasil profundo de brancos e índios... um alento, para todos, e em especial para aqueles que lá, guerreiros bravios, lutam em prol da causa Guarani; lá, em Mato Grosso do Sul, onde juízes decidem os processos de uma perspectiva tão divorciada da terra e dos humanos valores indígenas, a ponto de entenderem que quando a prova é apenas a "fala do índio", ainda que sejam dezenas deles, alega-se "falta de prova" para por fim ao caso... Afinal, para esse cego olhar da justiça de branco, palavra de índio não vale! “
Oxalá outras delegações de juízes se disponham a conhecer esse outro Brasil, de origem, profundo, desconhecido e desprezado. Quiçá outras Doras, Coras e Coralinas  surjam por esse país afora e tenham a sensibilidade e coragem de expressar seus sentimentos com relação aos sofrimentos e injustiças sofridas pelos povos primeiros desse “grande país e tão pequeno para nós povos indígenas” (Marçal Guarani em sua fala ao Papa, em 1980)
Povo Guarani Grande Povo
Cimi 40 anos –de maio de 2012

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Povos Indígena do Acre em Brasilia


Delegação de 6 povos indígenas do Acre estão em Brasilia para exigir providências dos Ministérios da Justiça com relação à regularização de várias áreas indígenas, da SESAI exigindo atendimento urgente a situações críticas de saude em várias comunidades.

O dia em que a justiça começou a ser feita

PARABENS!!! ao heroico povo Pataxó-Hã-Hã-Hae do sul da Bahia. "No dia em que a justiça começou a ser feita " é uma reflexão na qual pretendo homenagear a conquista histórica desse povo. Foram mais de 28 anos em que a ação de anulação dos títulos esteve para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal. O que todos nos perguntamos é porque quase três décadas para se julgar uma ação. Foram mais de três dezenas de lideranças assassinadas neste período. Há 15 anos Galdino era queimado aqui em Brasília.
Agora esperamos  o julgamento urgente das ações de devolução das terras já homologadas dos Kaiowá Guarani de Nhanderu Marangatu, e outras dezenas de ações que envolvem direitos indígenas a seus territórios.
Que sejam anulados os títulos dados pelo governo Getulio Vargas em terras dos Kaiowá Guarani.
QUE A JUSTIÇA PARA COM OS POVOS INDÍGENAS CONTINUE SENDO FEITA!
A crise global e as religiões
Brasília, patrimônio cultural da humanidade, não pode ficar refém de Cachoeiras de corrupção. Tem que ser também palco do pensamento e de  intelectuais do mundo todo.  Alçar voos  e sobrevoos  na atual crise global por que passa a humanidade é preciso. Quiçá se consiga vislumbrar sôfregas luzes entre a  nevoa da crise e desesperança.
Abril fez da capital brasileira, ao completar 52 anos, um espaço de grandes debates, com especialistas renomados do mundo. No palco os grandes temas que desafiam a humanidade hoje. “Krisis”,foi o guarda chuva.  As palestras e debates começaram com o tema “Religião-Fé, fanatismo e  conflitos políticos no mundo atual”. Tariq Ali, intelectual e escritor paquistanês, iniciou as exposições.  Leonardo Boff, teólogo, escritor e militante da vida do planeta terra, trouxe um enfoque mais latino americano, da teologia da libertação. Pedro Terra (Hamilton Pereira) secretário de Cultura do Distrito Federal, fez a mediação do debate.
Tariq fez uma breve explanação das religiões nas revoluções industriais, fazendo uma análise crítica da inserção e instrumentalização das mesmas por esses processos econômicos, para chegar às crises e assensos das religiões nos dias atuais. Fez referência às críticas de Marx às religiões, classificando-as como “ópio do povo”. Expressão do pensamento da revolução racionalista. Fez menção à profunda crise atual em que o “mundo está  comandado por gente  cujo único Deus é o dinheiro”.  No turbulento  mundo do capitalismo vemos o constante surgimento de novas religiões, como “fest food”.  Afirmou que nos Estados Unidos tem três grandes religiões: o dinheiro,  as igrejas da competição, e a religião promotora da guerra de civilizações. Isso gera um retrocesso hoje,  pois estimula uma cruzada contra o outro.
Crise de sistema político e religiões
Não existe uma religião monolítica. Quando as religiões conversar, dialogam, aprendem  umas com as outras.  Diante da constatação do assenso das religiões, chamou atenção para o fanatismo que se expande,  demonstrando que na verdade o que se aprofunda é a crise do capitalismo. Fez referência  ao fenômeno do surgimento de partidos políticos religiosos tomando o poder  no mundo árabe, ao vazio e falta de sentido da maioria das democracias atuais. Apesar disso muitos processos importantes acontecem na América do Sul, como o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, e os diversos movimentos ante  imperialismo que chegaram ao poder na Venezuela, Equador, Bolívia...
Apesar de suas ásperas críticas às religiões e suas consequências nos processos civilizatórios e revoluções,  afirmou que na verdade trata-se de uma profunda crise do capitalismo global e a construção de um novo sistema, em que os atuais dos males no mundo não ficarão impunes.
Olhando para seu companheiro que neste instante estava à sua direita na mesa, Leonardo Boff, lamentou que a Teologia da Libertação tenha chegado bastante tarde, porém manifestou sua convicção de que ela poderá contribuir muito com os processos de transformação social e a superação da crise sistêmica atual.
Religião – espaço gerador de esperança
Ao iniciar sua fala, Leonardo Boff,  disse “a religião está realmente  em ascensão. Prova disso era o auditório apinhado de gente, até no palco atrás dos expositores. Boff em sua fala,  disse que a crise da religião nos remete a uma crise mais profunda, de civilização. Fez referência às situações de violência geradas pelo fanatismo religioso, intolerância, proselitismo, fundamentalismo, problemas religiosos não resolvidos.  Insistiu que a religião é espaço gerador de esperança, de elaboração de novos sonhos e utopias.
Fez menção  do cansaço do consumo que está gerando um vazio que propicia o surgimento de religiões, muitas vezes de forma patológica, fundamentalista.  Ao mesmo tempo as religiões ganham uma forma política, profética, de resistência. São as religiões de libertação. Temos uma herança libertária, de resistência, de consciência crítica, ao lado dos oprimidos. As religiões mobilizam as populações.
Quanto à crise mundial,  alertou sobre a grave ameaça por que passa Gaia, o planeta terra, nossa casa comum, pelo feroz sistema de destruição em marcha. Diante dessa realidade dramática somos convocados em regime de urgência a construir um novo modelo de sociedade, que não tenha apenas uma relação utilitarista com a natureza, mas que junte as sabedorias de todos os povos,  nativos, africanos, que tem uma dimensão mística de suas espiritualidades e religiões. Será necessário muito diálogo, busca conjunta da verdade, da construção de um novo modelo civilizatório, baseado na radicalidade da vida, superando as religiões de mercado.
Ao ser perguntado sobre o que esperava da Conferência Rio + 20, foi categórico “  da Conferência oficial não espero nada. Porém  acredito na Cúpula dos Povos, por entender que ali sim a vida  será colocada como questão central e a terra como um bem de vida. Aí sim haverá esperança”.
Povo Guarani Grande Povo
Cimi 40 anos,   maio de 2012

quarta-feira, 2 de maio de 2012

FILHOS DA TERRA

ABRIL INDÍGENA 2012

Final de abril. Hora de olharmos para as lutas e acontecimentos que fazem deste mês, para os povos indígenas, o tempo forte de visibilidade, articulação e exigência de seus direitos. Porém essa ano tivemos um abril indígena um pouco diferente,   com muito vigor e luta dos povos indígenas e camponeses. Dois aspectos importantes merecem destaque: A articulação das lutas indígenas com as demais lutas, especialmente camponesas, quilombolas e a intensificação das lutas e ações estratégicas nas regiões, em todo o país.
Como neste ano decidiram realizar o Acampamento em junho, por ocasião da Cúpula dos Povos (Rio + 20 para as oficialidades), as organizações indígenas regionais, os povos e comunidades decidiram pelas lutas em suas regiões. Assim o fizeram os Pataxó-Hã-Hã-Hae, no extremo sul da Bahia, ocupando dezenas de propriedades que estão dentro de seu território de 54.105 ha.  Outros povos fecharam rodovias e outros movimentos. Houve um bom número de ações articuladas em conjunto com os movimentos no campo, especialmente com os quilombolas e os sem terra, por esse país afora. Em Brasília aconteceu importante mobilização contra a PEC 215 (dos ruralistas pela não demarcação das terras indígenas e quilombolas), a ADIN 3239 que  pretendia inviabilizar o processo de regularização das terras quilombolas.



A sociedade se mobiliza com os povos indígenas
Houve contundentes manifestações de órgãos importantes da sociedade, como a Conferência Nacional dos Bispos, que manifestaram sobre o processo de genocídio em curso contra os povos indígenas “Ao Governo Federal, cabe o dever constitucional de reconhecer, demarcar, homologar e titular os territórios indígenas, quilombolas e das demais populações tradicionais, ressarcindo seus direitos, passo fundamental e determinante para garantir sua sobrevivência. Sem a garantia de acesso à terra, elemento base da cultura e da economia dessas populações, elas continuarão a sofrer opressão, marginalização, exclusão e expulsão, promovidas por empresas depredadoras, pelo turismo, a especulação imobiliária, o agronegócio e pelos projetos governamentais, como as grandes barragens, que têm invadido áreas  cultivadas, alterando o ciclo de vida dos rios e provocando o despovoamento de suas margens. Lamentamos profundamente o adiamento dos procedimentos administrativos de demarcação, a invasão e a exploração das terras dos povos tradicionais. Chamamos especial atenção para as condições de confinamento e os assassinatos que vitimam o povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Um verdadeiro genocídio está em curso, maculando a imagem de nosso País como defensor dos direitos humanos. Repudiamos, de modo veemente, o ataque desferido pela bancada ruralista e outros segmentos do Congresso Nacional aos direitos dos povos indígenas, consignados em nossa Carta Magna, através de proposta de emenda constitucional, a PEC 215/2000. “
Os bispos conclamaram o governo brasileiro a cumprir a Constituição e os acordos internacionais como a Convenção 169 da OIT.
Aty Guasu das Mulheres Guarani e Kaiowá


As mulheres indídgenas vem se articulando e organizando cada vez mais em todo o país. As kuña (mulher) Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul acabam de realizar seu segundo encontro, em meio a uma situação de extrema violência e negação dos direitos fundamentais de seu povo, que é a terra.
Histórias de luta e resistência no ambito da saúde diferenciada para a mulher, da sutentabilidade, da segurança alimentar, do enfrentamento da violencia doméstica à violência dos fazendeiros e da demarcaçao de seus territorios foram pauta de fortes falas e debates, testemunhos, denúncias e reivindicações do movimento de mulheres Guarani kaiowa e Nhandeva.

Durante quatro dias debateram com muita coragem, sabedoria e determinação a situação desumana das quais elas são as principais vítimas. Porém são elas também as principais guerreiras, que em suas trincheiras silenciosas, na luta pela alimentação, dignidade e sobrevivência, são verdadeiras heroínas anônimas de uma vilência secular.
No documento à opinião pública e autoridades destacam “Vivemos hoje em nossas aldeias um quadro de violência e marginalidade. Nossas crianças sofrendo desnutrição; nossos jovens sem direito a uma educação diferenciada e de qualidade, sem perspectiva de vida e de futuro, condenados ao suicídio e às drogas; nós mulheres sofremos toda sorte de descaso na saúde, enfrentando por meses e anos as numéricas filas sem serem atendidas pela SESAI, sem resultados. Sofrendo toda sorte de discriminação, violência doméstica, desprezadas e esquecidas por nossas autoridades e instituições governamentais em estado de sucateamento e corrupção. Enquanto o agronegócio cresce e cresce, invadindo nossas terras. “Poluíram nossos rios, destruíram nossas matas, nossa farmácia e nossa saúde. Destruíram nossa cultura, nosso tekoha, nossa vida e nossa dignidade, deixando nossas mulheres a mercê das rodovias, dos acampamentos e pequenas áreas, insuficientes para nossa sustentabilidade.” Além disso, somos nós mulheres, que mais sofremos as conseqüências dessa estrutura injusta que gera violência e morte em nossas famílias e nossos Tekoha.”(Documento da Kuña Aty Guasu )
Durante Aty Guasu das Mulheres Kaiowá Guarani visitas importantes vieram ouvir, sentir e trazer apoio e solidariedade. Dentre elas destacamos a comissão de seis juízes da Associação de Juízes para a Democracia, que também visitaram algumas situações de maior tensão e dor, como no caso de Guaiviry. Emocionados, os juízes viram e ouviram situações de sofrimento que jamais imaginaram. Sensibilizados com essa realidade assumiram a compromisso de sensibilizar o judiciário sobre essa situação. Faz quase meio ano que o cacique Nisio Gomes foi morto e seu corpo ocultado, sem informações até hoje. Até quando continuarão sendo ceifadas vidas, os corpos ocultados e as lideranças ameaçadas, como ocorreu recentemente com Tonico Benites  (antropólogo Kaiowá) dentre outros?
Enfim Marta
“O ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, disse que Marta tem todas as qualidades para comandar a FUNAI e destacou que o cargo de presidente da fundação é um dos mais "difíceis de se comandar na República". "São séculos de opressão contras os índios, são muitos conflitos, pressões da sociedade, do Congresso [Nacional], da mídia. É preciso ter muita coragem, respeito e habilidade para ocupar esse cargo, e estes dois possuem essas qualidades", disse Cardozo, fazendo menção também a Meira, que agora é assessor no Ministério da Educação. (Agencia Brasil)
Após a pífia ação do governo, que nos últimos anos se esmerou para apresentar alguns resultados positivos no reconhecimento das terras indígenas, neste ano  relegou ao presidente da Funai assinar três portarias de identificação, a resposta mais promissora veio com a nomeação de Marta Azevedo para a presidência da Funai. Será que Marta será ouvida por Dilma? Será que finalmente a presidente do país se posicionará com relação às graves situações de desrespeito aos direitos dos povos indígenas? Marta terá um árduo e difícil caminho pela frente. O próprio ministro da Justiça reconhece que esse é um dos cargos mais difíceis de comandar. Só com ampla apoio do movimento indígena, da sociedade e de setores de decisão no governo, conseguirá algum avanço na garantia constitucional dos direitos indígenas, enfrentando a lógica do PAC e inúmeras iniciativas anti-indígenas nos três poderes. Quem sabe Marta, a primeira mulher na presidência de um dos órgãos mais difíceis e contraditórios, entre na história não como quem mais tempo ficou no cargo, mas quem mais fez avançar os direitos indígenas neste início do século 21.
Povo Guarani Grande Povo - Cimi 40 anos – abril de 2012