ATL 2017

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quinta-feira, 31 de março de 2016

Os índios isolados e os indignados


 “O desaparecimento duma cultura pode ser tanto ou mais grave do que o desaparecimento duma espécie animal ou vegetal. A imposição dum estilo hegemônico de vida ligado a um modo de produção pode ser tão nocivo como a alteração dos ecossistemas.”


Denuncia o Papa Francisco na Encíclica Laudato Si, 145




“Estou preocupado com os parentes isolados, porque de uma hora pra outra eles podem ser atacados por garimpeiros, madeireiros, caçadores. Correm o risco de serem exterminados”. Essa afirmação de uma liderança Munduruku reflete uma nova consciência de vários povos indígenas, mais próximos das possíveis localizações dos  grupos/povos isolados. Essa foi uma das constatações animadoras feitas no encontro da equipe que atua pelo Cimi na questão dos índios isolados, realizado no Centro de Formação Vicente Canhas, em Luziânia de 29 a 31 de março.



Desde seu início o Cimi, na década de 70, tem se preocupado com a os povos em situação de isolamento ou de contato recente, pois o avanço do sistema capitalista sobre a Amazônia, com as inúmeras estradas e grandes projeto agropecuários, mineração, hidrelétricas, atingiram inúmeras terras/territórios dos povos indígenas isolados.  São inúmeros os exemplos de aldeias invadidas, grupos e povos sendo dizimados. Dentre eles podemos destacar os Panará (Krenakore) atravessados pela estrada Cuiabá Santarém, sendo os sobreviventes levados para o Parque Indígena do Xingu. O extermínio dos Beiço de Pau, no rio Arinos, que de 600 pessoas em pouco tempo ficaram reduzidos a 49 e estes transferidos para o Parque o Xingu. E assim poderíamos levantar inúmeros casos, hoje já mais conhecidos graças ao trabalho de recuperação da memória dos massacres de mais de 8 mil indígenas só no período analisado pela Comissão Nacional da Verdade.

Vamos permitir o extermínio dos “índios isolados”?


Conforme os dados mais recentes da Funai, se tem informações de mais de 100 grupos/povos indígenas isolados no Brasil. A quase totalidade estão na região amazônica, que sofre forte pressão do expansionismo de atividades econômicas de mineração, madeira, projetos geopolíticos, hidrelétricas, dentre muitos.


Conforme publicação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), organização dos Estados Americanos (OEA), “O Brasil é o país onde se registra maior número desses povos (isolados), seguido pelo Peru e pela Bolívia. Além de reconhecer um maior número de registro de povos isolados, o Brasil também possui a política pública mais avançada no que diz respeito à garantia dos direitos desses povos”.

Essa afirmação foi questionada pelos participantes do encontro sobre povos isolados, pois na prática o que se percebe é um inexorável avanço dos interesses econômicos e de desenvolvimento do país, sobre os territórios e recursos naturais aí existentes.  Isso faz com que muitos dos princípios que norteiam a política do Estado brasileiro com relação a esses povos, sejam atropelados e anulados pela aceleração do crescimento (programas do PAC), como tem acontecido com recentes construções de hidrelétricas. Só na bacia do Rio Tapajós, na qual existem informações de vários grupos/povos isolados, estão previsto a construção de 43 hidrelétricas de grande porte. Isso fatalmente irá impactar e propiciar o extermínio de vários desses grupos.

O que fazer

Garantir a sobrevivência desses grupos/povos é uma questão humanitária e uma responsabilidade de todos nós brasileiros, em primeiro lugar. Não podemos nos omitir quanto a isso. Por essa razão uma primeira preocupação é ter informações e conhecer essa realidade para lutarmos juntos por ações efetivas de solidariedade e proteção esses povos e seus territórios.

Cobrar coerência e efetiva proteção do Estado brasileiro, através de políticas eficazes, que atuem no sentido da proteção e respeito dos direitos, seja através do “Sistema de Proteção dos Índios Isolados (SPII) órgão criado pela Funai na década de 80, segundo a qual “o Estado brasileiro substituiu o paradigma de Ação indigenista vigente, que tinha a atração e contato como medida de proteção – pelo respeito e autodeterminação dos povos isolados de assim se manterem”(blog “Povos Isolados”)
O Cimi, através de sua equipe de apoio a estes povos vem levantando informações e referencias sobre sua existência e sobre as ameaças que sofrem, tornando-as públicas e cobrando das autoridades medidas efetivas de proteção e garantia de seus territórios.

Egon Heck  fotos Laila/Cimi – índios Awá Guajá - MA
Cimi – Secretariado Nacional
Luziânia, 31 de março de 2016



segunda-feira, 21 de março de 2016

Povos e Comunidades tradicionais: violências, temores e caminhos


“Nossos líderes não são mortos, mas plantados, e nós somos os frutos, continuando a luta”, afirmou uma das lideranças indígenas presente no  “Encontro  de articulação das Pastorais e Povos do Campo”, realizado na semana passada no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia.  Vários depoimentos de outras lideranças expressaram os mesmos sentimentos. “Estamos rodeados de jagunços...vivemos ameaçados...a qualquer momento podemos ser mortos”.




Num momento de  profunda crise e incertezas, foi muito importante  refletir e traçar estratégias de luta para evitar retrocessos  nos direitos das comunidades e povos tradicionais, como os povos indígenas, quilombolas, pescadores, migrantes, dentre outros.

Ao analisar a conjuntura, a partir de cada segmento social e do conjunto das populações no campo,  percebeu-se a importância de  uma manifestação conjunta. No documento  foram expressos os temores e compromissos  dos membros das Pastorais do Campo e representantes dos povos e comunidades que vivem e lutam na terra e pela terra.  “não podemos permitir que as conquistas democráticas e que os direitos civis, políticos e sociais sejam mais uma vez afrontados pela forca da intolerância, do conservadorismo e da violência, física e/ou institucional...gerando um  clima de instabilidade, violência e medo”. (Carta Aberta e Defesa da Democracia Brasileira)

Apesar  das apreensões que vinham das ruas e dos corações de milhões de brasileiros, os trabalhos fluíram cm a serenidade e indignação necessárias,  para fazer avançar a construção de um novo projeto para o país, onde sejam respeitadas e valorizadas as diversidades culturais, as sabedorias seculares,  as formas de viver e conviver com a natureza e todas as formas de vida, com justiça social e dignidade.

Nesta caminhada são fundamentais os processos formativos de militantes e lutadores , animados e impulsionados por uma espiritualidade e mística que ajude a enfrentar  os interesses e poderes responsáveis por tanto sofrimento e violência.  Os povos e comunidades tradicionais tem sido permanentemente espoliados  de seus direitos de viver na e da terra, em paz e harmonia. Foram e continuam sendo pressionados e expulsos da terra pelo avanço do agronegócio e dos grandes projetos  de mineração, hidrelétricas rodovias, hidrovias e outros tantos projetos do grande capital.


Xô Matopiba


Um dos temas analisados foi o ameaçador Plano de Desenvolvimento Matopiba o qual se insere na lógica desenvolvimentista e que põem em risco o que resta do bioma Cerrado, pois é o carro chefe da política do agronegócio  implementado pela atual ministra do Agricultura, Katia Abreu. É considerada a última fronteira agrícola do país.  É neste bioma em que vivem mais de 20 milhões de pessoas, sendo uma das regiões de proporcionalmente  maior população vivendo no interior. Portanto toda essa população, e com maior intensidade as populações tradicionais, povos indígenas, quilombolas, pescadores, camponeses e todos os que vivem da terra estarão fatalmente impactados e sua sobrevivência no cerrado ameaçada.
Estudos mostram que “se toda essa devastação continuar no Cerrado, terá o fim o bioma e as principais fontes de água do Brasil e da América do Sul” (Manifesto dos Povos do Cerrado no Dia Mundial da Água”.  No mesmo documento os povos do cerrado exigem o “reconhecimento do Cerrado como Patrimônio Nacional, com aprovação da Lei 504/2010...é importante que o governo federal garanta a demarcação dos Territórios Indígenas, regularização e titulação das terras dos  Quilombolas, Geraizeiros, Retireiros, Ribeirinhos, Pescadores, Vazanteiros e o assentamento dos Sem Terra”.


O grito das águas

Foto Fernando Lopes – Utiariti - MT
 
Recentemente ouvi o clamor dramático de aldeias indígenas passando sede ou sendo obrigados a ingerir águas contaminadas pelas monoculturas do agronegócio. É cruel assistirmos cenas de sede num dos países de maior volume de água doce do planeta. O que parecia inimaginável até pouco tempo, já estamos presenciando.

“O Cerrado, berço das águas, não só está ameaçado, como tem sido assassinado dia após dia. E se ele for extinto levará consigo a água que chega às torneiras, usada para beber, banhar, cozinhar, molhar as plantações, dar de beber aos animais...” No manifesto dos Povos do Cerrado propõem que “a proteção das águas tinha que ser questão de segurança nacional, por que se o Cerrado for extinto, leva ao fim dos rios e dos reservatórios de água”(Altair Sales)

Tempos de mobilizar a esperança, articular sonhos, ampliar a união e alianças, indignar-se invocar nossos mártires e guerreiros para a grande luta pela Vida.

Egon Heck    fotos Laila/Cimi
Cimi, Secretariado Nacional
Brasilia, 21 de março de 2016