ATL 2017

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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A raiz das ruas

 
Ao me debruçar sobre a memória dos acontecimentos de 2013 imediatamente emergem duas imagens fortes, a súbita ocupação do plenário da Câmara dos Deputados, pelos povos indígenas de todo o país, em abril, e na sequencia a massiva ocupação das ruas por milhares e milhões de brasileiros de todas as idades e origens, neste imenso Brasil.  Poderíamos nos perguntar, o que tem a ver algumas centenas de nativos ocuparem física e simbolicamente o inviolável e sagrado ambiente do poder legislativo?  A debandada de deputados é a melhor imagem  do secular preconceito e etnocídio praticado pelas classes dominantes encasteladas nos três poderes e dos imperadores de aquém e além  mar.
Não demorou e o grito de insatisfação eclodiu nas ruas.  Um rotundo não a tudo que aí está em termos de modelo político, econômico e social. Do sistema  de exclusão e marginalização ao capenga modelo de democracia representativa. Questionou-se tudo. A insatisfação e indignação transbordaram para as ruas em forma de tsunami. As ruas foram o desaguadouro.   Sem um projeto pronto de sociedade, mas a necessidade de varrer a corrupção e construir algo de novo, a partir de uma nova consciência. Imperativo urgente de transformações profundas da insurgência das aldeias e das ruas veio o  recado -  um país sem mensalão ou mensalinho, sem  racismo, exclusão ou preconceito. Um Brasil plural, outro caminho.
Mobilizando a resistência e a insurgência
Talvez  mais que qualquer outro setor social os povos indígenas tiveram que se manter em permanente estado de alerta e mobilização para não verem seus direitos retalhados e rasgados, suprimidos  da Constituição.  Iniciativas partidas dos três poderes. Nítida impressão de que as forças anti indígenas estavam orquestradas na sórdida e cínica sanha de sequestrar os direitos indígenas e entregar as terras indígenas à rapinagem. Para os ruralistas e o agronegócio tudo é valido desde que não se questione ou coloque qualquer obstáculo à vaca sagrada da propriedade privada e da acumulação através da empesteada produção  da monomulta
Jesus  Guarani em Yvy Katu
Renascimento da luta pelo território tradicional, esperança e um sonho renovado da paz distante, na guerra presente. Nas crianças o sorriso, apesar de tudo. Nos guerreiros e sábios a certeza da vitória na incerteza das batalhas que terão pela frente. Nas diversas manifestações públicas às autoridades e à sociedade, não deixam lugar para dúvidas: mais dia, menos dia a vitória da terra virá. Não virá no sorriso forçado de algum papai Noel, mas no vermelho do sangue já derramado e que não foi e será em vão. Irão, se necessário for, até as últimas consequências – a morte coletiva.
Nos barracos e acampamentos tem lugar para Jesus de Nazaré , de Yvy Katu, Guarani Nhandeva, mensageiro de esperança e força transformadora.
Aos que partiram para ficar entre nós
A imagem sorridente nos enche de seu espírito revolucionário e de Justiça. Nelson Mandela, o grande lutador por um outro mundo possível, a partir de seu exemplo de luta em sua pátria e pelo planeta afora. Ele, como tantos  outros que partiram, são indispensáveis e permanecerão por todo sempre em nossas memórias. Serão a luz em nossa frente aquecendo nosso espírito para não perder o horizonte e não se deixar abater pelas pedras do caminho.
Quero deixar minha admiração e gratidão ao exemplo insofismável dos guerreiros Kaiowá Guarani e Terena do Mato Grosso do Sul que tombaram sob as balas assassinas dos pistoleiros, fazendeiros e daqueles que os deviam defender, a polícia.
Além dessas figuras maravilhosas que sempre nos inspirarão, quero registrar a figura de um sábio guerreiro, que ajudou forjar minha resistência e rebeldia, através de uma sólida consciência social e insubmissão.  Refiro-me ao Pe. Adair Mario Tedesco, que nos idos dos anos cinquenta e sessenta acompanhou meus passos, partilhou sabedoria e saberes, alegrou meus dias com canções as mais diversas e jogou  no meio de campo no time de futebol do seminário.
Grande Tedesco, guerreiro da sabedoria e testemunho na fé, partiste há poucos dias. Estava distante e não pude estar em sua despedida, mas o faço agora com toda admiração que mereces, na certeza de que novamente estamos mais próximos, na causa, no campo na luta
Que o ano de 2014, não seja apenas de  belas jogadas no campo e nas urnas, mas que faça brotar em cada um de nós um melhor lutador nas arenas da justiça e liberdade. Vamos estar juntos nas ruas, nos campos, nas urnas.Vamos fazer avançar a esperança e a transformação e construção de um novo projeto para o Brasil. Não poderia deixar de encerrar mais um ano sem minha  gratidão a todos os guerreiros indígenas e do Cimi
Egon Heck e Laila Menezes
Povo Guarani Grande Povo
Cimi, Brasilia, 25 de dezembro de 2013




sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

YVY Katu – terra, vida e morte


Sentei para escrever um texto sobre os acontecimentos que fervilharam no centro do poder. Seria possivelmente um escrito indignado, irado,  com suspiros de esperança na luta pelos direitos humanos.
Ao me deparar com a carta de Yvy Katu uma incontida emoção eclodiu. Lembrei-me dos inúmeros momentos da participação em rituais, rodas de conversa, ou na agradável companhia no rancho de Rosalino e Lourença ou ainda nas Aty Guasu ali realizadas, carregadas de tensão e esperança. Em todos esses momentos o assunto central das conversas sempre girava em torno da luta pela terra e seus desdobramentos. Afinal de contas faziam dez anos que o governo federal reconhecia a terra indígena e nada acontecia em termos de solução da questão da liberação das terras para os Guarani.
Diante de mais esse grito , quase desesperado, dos Guarani, não é possível ficar parado e calado. De imediato  me dispus a ajudar a dar visibilidade e entrar em sintonia com a alma Guarani, se manifestando em rituais profundos, de despedida ” , começamos a realizar um raro ritual religioso nosso de despedida da vida da terra, essa é a nossa crença, um ato consciente de preparação da vida para a morte forçada pelas armas de fogo dos homens brancos, ou melhor, começamos a participar da cerimônia de aceitação e confirmação da saída forçada da alma do corpo e sua volta ao cosmo Guarani em função da morte forçada no campo da luta”. Com certeza o grande page (Nhanderu) líder religioso e lutador de seu povo Delosanto Centurion, que á poucos anos partiu, estar, juntamente com o espírito dos guerreiros, estarão inspirando seu povo em mais um momento tão decisivo. Junto-me a todos , nessa encruzilhada crucial. É preciso muita reza e luta.
Diante da decisão de expulsão a decisão da Comunidade
 Diante da 5 decisão de reintegração de posse declaram “assim, claramente a justiça brasileira vai matar todos nós Guarani e Kaiowá. Mais uma ordem de despejo da Justiça Federal deixa evidente para nós que a Justiça do Brasil está autorizando o extermínio Guarani e Kaiowá, as violências, morte coletiva, sobretudo extinção e dizimação Guarani e Kaiowá do Brasil “. Diante da surdez e omissão do Estado brasileiro  declaram ”Avisamos também que não vamos sair mais de nossa terra YVY KATU, aqui morreremos todos juntos, aqui queremos ser enterrados todos. Essa é a nossa decisão definitiva que não mudamos nossa decisão. Já enviamos e reenviamos várias vezes ao Governo Federal e ao Ministro da Justiça, à Presidenta Dilma, ao Ministério Público Federal, ao Presidente do Supremo Tribunal Federal”. Com a decisão de resistir e lutar até a morte. E  solicitam “pedimos ao Governo Dilma e Presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa para mandar somente enterrar coletivamente todos nós aqui no tekoha YVY KATU. Nem vivos e nem morto iremos sair daqui de nossa terra antiga. Com vida ainda, antecipamos os nossos pedimos à Justiça, esse nosso direito de ser sepultado ou enterrado aqui no YVY KATU, esse pedido exigimos à Justiça do Brasil.” Pedem ainda à presidente Dilma e Justiça Federal, que decretou a expulsão e a morte coletiva para amparar as crianças, mulheres e idosos sobreviventes. Anunciam que estarão a  partir de 12 deste mês em “ritual religioso de despedida da vida e da terra” Terminam a carta  reafirmando sua decisão de resistir ao despejo “e seremos mortos pela arma de fogo dos homens brancos ou policiais.”  Convocam a sociedade nacional e internacional para acompanhar e assistir ao genocídio.
Na atividade da Comissão Indígena da Verdade e Justiça,  no Fórum Mundial de Direitos Humanos, a liderança de Yvy Katu, Valdomiro Ortiz, em seu depoimento ressaltou a gravidade do momento  para os Kaiowá Guarani e os Terena no Mato Grosso do sul e em especial a sua terra indígena Yvy Katu. Alerta semelhante foi feita pela liderança Kaiowá Guarani Tonico Benites.
Egon Heck
Povo Guarani Grande Povo

Cimi, Brasilia 13 de dezembro de 2013

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Adeus Terras Indígenas


Mais um decreto de extermínio. Aliás uma minuta carimbada pelo Ministro da Justiça, com tonalidades do Ministro Adams,da AGU, em sintonia com os ruralistas e o que de mais reacionário existe nas elites civis e militares brasileiras.

Quando , em agosto de 1996 o então ministro da Justiça Nelson Jobim, a título de “agilizar e democratizar”  os procedimentos de regularização das terras indígenas, editou a portaria 1775 houve um grito geral dos povos indígenas e seus aliados. Seria o começo do fim da demarcação das terras indígenas, além de ter aspectos nitidamente inconstitucionais. Mobilizações indígenas se deram em todo o país, exigindo a revogação.  A pressão do movimento indígena e setores da sociedade, fez com que a desgraça não fosse pior. O primeiro a descumprir a portaria, nos prazos estabelecidos foi o próprio governo. Mesmo assim alguns processos de demarcação avançaram. Foi então que o agronegócio entrou em campo para exigir a paralisação total do reconhecimento das terras indígenas. Consideram  a portaria 1775/96 inconstitucional e pediram sua revogação além de pedir a extinção da FUNAI.

Com os governos Lula e Dilma se imaginava que a situação não poderia piorar. Aliás Lula, logo no início de seu mandato, prometeu a demarcação de todas as terras indígenas até o final  de seu primeiro mandato.  O que evidentemente não aconteceu até o final do segundo mandato. Reconheceu que o Estado brasileiro continuava com uma enorme dívida histórica para com os povos indígenas. Passou a dívida a Dilma. No final do terceiro ano, tendo no horizonte a Copa do mundo, as eleições,  decidiu aumentar e arrolar a dívida com os povos originários, especialmente no que diz respeito à demarcação e garantia das terras indígenas. A proposta de minuta do Ministério da Justiça nada mais é do que o cínico lavar as mãos acatando as genocidas propostas do agronegócio. Algo  maquiavélico.

E a terra vermelha o levou

Ambrosio Kaiowa  acaba de ser enterrado, na terra reconquistada de Guyraroka. Parte com as lutas, contradições, revoltas e iras de seu tempo. Sua luta de retomada da terra contrariou grandes interesses multinacionais e de políticos. Estava cercado de cana, sofrendo com o envenenamento da terra e das águas. Fez inúmeras denúncias em tom enfático. Participou do movimento  de luta Kaiowá Guarani, chegando a ser escolhido para o Conselho da Aty Guasu.Confinado, com sua comunidade em 60 há, do total de 12 mil ha definidos por portaria declaratória como terra indígena,  conviveu com muitas dificuldades, tensões e conflitos internos, nos últimos tempos. Se tivessem seu território livre certamente a realidade seria diferente e o desfecho de sua vida, outro.

Ambrosio teve projeção nacional e internacional pela sua expressiva atuação do Filme “
Terra Vermelha”, inspirado na luta do processo de retomada da terra, e que procurou retratar esse aspecto crucial para todos os Kaiowá Guarani, que é a privação de suas terras. Esse fato certamente teve conseqüências de não fácil dimensionamento.

Guyraroká foi uma das comunidades visitadas por inúmeras delegações, dentre elas a diretoria do Cimi e o então Secretário da CCNBB, D. Dimas, hoje arcebispo de Campo Grande.
Nesta ocasião também recebeu a importante visita de indios Axá Guajá do Maranhão, que lhe entregaram um pacote de flechas.
Na sua aldeia estava previsto a realização de Encontro Continental Guarani, porém o encontro foi vetado pelo governador do Estado, vindo a se realizar meses.
 depois em Anhetetê, no Paraná. Porem ficou a “Oga Guasu” grande casa de reza”, cuja construção foi coordenada por ele

Ambrósio foi uma dessas lideranças  que marcou a luta desse povo por seus direitos, não se livrando das contradições inerentes à sua personalidade e vítima de toda a estrutura de racismo e ódio que envolve a questão indígena no Mato Grosso do Sul.

Egon Heck

Povo Guarani Grande Povo

Brasília 3 de dezembro de 2013


terça-feira, 26 de novembro de 2013

Dia de Marçal, dia de luta Guarani Kaiowá

 O grito guerreiro, do fundo da terra, da floresta ou da raiz continuará anunciando um novo amanhecer. Não podem matar nosso sonho. “Somos lutadores resistentes de uma causa invencível,somos não apenas sobreviventes de uma guerra secular, mas portadores de sabedoria para novas sociedades. Semelhante grito continua a ressoar mundo  afora.
Lembrar a memória de um guerreiro que tombou na luta pela terra, pelos direitos de seu povo é sempre um momento de  fortalecer a resistência e convocar  todas as forças e energias para a conquista definitiva dos direitos, especialmente seus territórios tradicionais.
Apesar das circunstâncias bastante ameaçadoras, os Kaiowá Guarani não se deixaram intimidar e foram celebrar honrar a memória de Tupã’i na terra indígena Nhanderu Marangatu, onde há  30 anos ele foi assassinado.

Situação vergonhosa

Em carta que fizeram chegar à presidente Dilma, jovens e adolescentes Kaiowa e Guarani que estiveram em Brasília, lembram mais uma vez que a gravíssima situação em que se encontram nos acampamentos, retomadas, confinamentos afirmam:  “é a falta de terras demarcadas, para que possamos recuperar plenamente nossa autonomia e nosso teko porá as boas praticas ensinadas pelos nossos ancestrais...”
Já nesta semana  foi encaminhada à  presidente Dilma carta por organização indígenas, dentre as quais a Aty Guasu Kaiowá Guarani e entidades indigenistas exigindo “uma intervenção federal imediata no Mato Grosso do Sul, de modo a evitar mais uma tragédia anunciada no Brasil”. Concluem afirmando que “O poder público pode e deve evitar esta "tragédia anunciada”, repetição sistemática do genocídio contra os povos indígenas. E isto precisa ser feito agora. O reconhecimento e a demarcação das terras indígenas é a verdadeira solução para a situação que está posta no Mato Grosso do Sul.”
Os fazendeiros, por sua vez estão a todo vapor, preparando o leilão vergonhoso, que ousam chamar   “da resistência”. Em tom ameaçador, como quem está acima da lei,  propalam a data limite para a solução do problema das terras indígenas, final de novembro, ou seja, daqui uma semana. Não é preciso ser nenhum futurólogo para  prever que o governo não resolverá essa situação até a data estipulada. E o que acontecerá então?  De quem será a responsabilidade das tragédias anunciadas?
Enquanto isso o governador Puccineli continua sua cruzada e catilinária contra o Cimi, acusando-o de ser “o braço facista da CNBB” ( Site do Cimi), em afirmações eivadas de  preconceito e ódio. Há que se perguntar quem é o braço fascista do agronegócio.

“Yvy Katu – nenhum palmo atrás”

Essa decisão de mais de cinco mil Guarani Nhandeva dessa terra indígena, demonstra a disposição, mesmo em circunstâncias extremamente desiguais,  de viver e lutar pelo seu território.   As ordens de despejo vão aumentando,  o que deixa  antever a proporção dos conflitos.
O Ministério Público Federal de Dourados está empenhado em mediar uma conversação com a participação da justiça e das partes envolvidas, buscando um acordo possível para evitar mais ameaças e violência. Enquanto isso aguarda uma posição firme do governo federal  assumindo a responsabilidade do Estado brasileiro que doou os títulos da terra na colônia federal de Iguatemi. Sem essa indenização dificilmente haverá uma saída justa dos direitos indígenas à suas terras tradicionais.
Egon Heck
Povo Guarani, Grande Povo

 Cimi –  Brasilia, 25 de novembro de 201

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Nisio Vive



Na alegria  saltitante das crianças, na resistência resoluta  dos adultos, na dor permanente por não  poderem ter feito o sepultamento ritual, pois os criminosos mantém ocultado o corpo. Nisio vive nas árvores frondosas que acolhem e envolvem a esperança e os barracos, no vento, na brisa leve que acariciam os corpos guerreiros e nas borboletas coloridas que bailam permanentemente as margens do rio.  Nisio vive na continuidade da luta por sua terra tradicional, o tekoha Guaiviry.
Dois anos sem o riso e reza do cacique que fazia brotar a alegria em meio à maior caristia, de seu humilde barraco emergia a força e energia da resistência.
A recepção ritual conduzida pelas crianças nos enche de emoção. A alegria delas é contagiante. Por um sombreado caminho  adentram à mata até um local mais limpo onde duas velas acesas, lembram os dois anos do brutal assassinato. Naquele local, às 6,30 da manhã do dia 18 de novembro de 2011, tombava Nisio Gomes sob a balas assassinas de dezenas de pistoleiros. Para celebrar essa data o Conselho da Aty Guasu e representantes das comunidades que retornaram a  suas terras tradicionais reuniram-se em Guaiviry  para avaliar as diversas situações de luta pela terra, aprofundar a união entre as comunidades, traçar as estratégias para a garantia de seus direitos, cobrar  justiça prendendo  os assassinos  para que a impunidade não continue reinando neste estado.  Seus inimigos declararam  guerra. Será necessário muita reza e a força que vem dos deuses e dos ancestrais. Precisam mais do que nunca da solidariedade e apoio dos amigos e aliados em todo o mundo.
Yvy Katu e o fantasma do despejo
Quando vejo o  “intimem-se, cumpra-se” imediatamente vem à mente as imagens da violência do Estado. Batalhões de homens fortemente armados, com escudos, cães, cavalos e artefatos anti motim. Do outro lado descalços seres humanos armados com seus instrumentos de reza e sobrevivência, mbarakás, takuaras rituais, arcos e flechas e tacapes. Helicópteros fazendo voos rasantes. As crianças choram, os guerreiros sentem-se humilhados e agredidos pela prepotência, enquanto os Nhanderu e Nhandesi seguem  irredutíveis em suas rezas pela justiça e respeito a seus direitos a seu pedaço de chão. Imagens revoltantes, daquela manhã do dia 15 de dezembro de 2005 na terra indígena Nhahderu Marangatu. O Conselho da Aaty Guasu espera que cenas semelhantes não mais se repitam. Estão solidários com seus parentes da Yvy Katu, com os quais estarão diante de mais essa ameaça.
Amanhã , dia 20, se esgota o prazo. Os Kaiowá Guarani  esperam uma decisão da Justiça Federal,  3ª Região, que  confirme o direito inquestionável dessa terra já demarcada.  Esperam que não se perpetre mais essa vergonhosa violência contra esse povo.
 Daqui uns dias estarão celebrando os 30 anos do assassinato de Marçal de Souza Tupã’i. Em memória dele e de todos os que tombaram na luta pela terra Guarani nessas ultimas três décadas,  esperam que o governo cumpra sua obrigação de demarcar e garantir as terras com a máxima urgência
Impunidade e omissão
Mais uma vez cobraram energicamente ação urgente do governo federal e da justiça. Há quatro anos o professor Rolindo Vera  foi assassinado  e seu corpo continua desaparecido. Os familiares  angustiados, exigem providências. As lideranças denunciaram que o fazendeiro  Firmino Escobar voltou a trancar o portão de acesso ao acampamento, com cadeado, descumprindo decisão da justiça.
Manifestaram sua revolta pelo omissão do governo na publicação dos relatórios e demarcação das terras favorecendo a guerra contra eles.
Chatalin, após ocupar um pequeno espaço  próximo à Terra Indígena Dourados e do acampamento Nhu Verá, no dia de hoje afirmou “Não queremos guerra, queremos apenas a nossa terra para plantar e viver. Estávamos em um acampamento pequeno e passando fome. E daqui não vivamos sair mais” (Diário MS, 19/11/13)


Egon Heck, Povo Guarani Grande Povo, Cimi –Secretariado,  19 de novembro de 2013 

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Tempos de aflição e resistência


“A criação de milícia é parte do plano de fazendeiros de Mato Grosso do Sul que planejam uma espécie do que eles chamam de contra-ataque aos índios que ocuparam suas terras. É o que informa o jornal Correio do Estado desta sexta-feira (8).”                                                                                       
O presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul) fala sobre a “guerra” ...

A verdade para a Comissão
Certamente a coordenadora da questão indígena e camponesa, da Comissão Nacional da Verdade, Maria Rita Kehl, teve uma das experiências mais marcantes nessa sua árdua tarefa de  jogar luzes e visibilidade a essa história de massacres dos povos indígenas.  O que os povos indígenas esperam é que se faça justiça. O primeiro e fundamental passo é o reconhecimento e garantia de seus territórios
Depoimento emocionante de indígena Guarani Ñandeva em defesa de sua terra, durante a visita de Maria Rita Kehl à comunidade em retomada na Terra Indígena Yvy Katu.
Nos índio Guarani sabemos toda historia, vocês conhecem a história do Povo Guarani, e dos Povos indígenas do Brasil pelos livros, mas nós somos livros, somos livros vivos. Nós não temos dinheiro nós não  temos condição pra comprar nossas terras de volta, mas temos coragem de dar nossa vida, temos coragem de dar nosso sangue escorrer nessa terra, pra que a gente recupere nossa terra. Nós  estamos aqui em pé liderança, nos tamo em pé, mas cheirando o verde ao nosso redor. Qualquer momento nós podemos perder nossa vida e ai o fazendeiro tem dinheiro tem recurso para ir lá falar o índio morreu atoa, o índio é vagabundo. Puxa no livro se nós índio dependia  dos branco, dependia do governo pra sobreviver quando era tudo mato. Nós não DEPENDIA de NIGUEM pra sobreviver. Nós não precisava pedir terra, nós não precisava pedir cesta básica, nós não precisava pedir proteção porque nós tinha tudo da natureza. E o não índio veio e tirou tudo da gente. E  agora é nós que somos vagabundo? É nós que somos invasor? Nós não somos INVASOR. Nós queremos o que é NOSSO. Quanta gente morreu? Quanta gente derramou sangue? Quanta gente se esparrou por causa da violência contra o povo indígena.

Ao guerreiro da esperança
Representantes dos povos indígenas de Goiás/Tocanatins fizeram um ritual  em frente ao hospital em que Dom Tomás estava se recuperando.  Foi um gesto carregado de gratidão, bondade e esperança:
“Dom Tomás veja que bela e exemplar história de resistência você está escrevendo e “imprimindo” junto com os Povos Indígenas e Movimentos Sociais desse País. Um bom pastor, sempre armado com a verdade e munido com sabedoria cristã; às vezes, voando em céus de turbulências; às vezes, navegando em águas agitadas ou trilhando os caminhos espinhentos dessa América Latina. Você nunca se intimidou e nem se curvou diante da arrogância e da prepotência dos tiranos.

Nesse momento de sua Vida você nos dá maior lição de amor ao próximo. Esse gesto Guerreiro nos fortalece e nos enche de esperança; na certeza que temos que continuar lutando pelas crianças, pelos idosos, pelos empobrecidos e excluídos. A nossa luta por dignidade e Direitos humanos não tem fronteiras e é contínua. Até breve grande Guerreiro da Paz, nós vamos vencer!”

Bem Viver – desafios e perspectivas
Missionários(as)Lideranças indígenas, aliados da causa estivemos uma vez mais reunidos para partilhar desafios e traçar perspectivas para enfrentar esse difícil momento d os povos indígenas, populaçãoes  tradicionais e empobrecidos desse país.
“Durante a XX Assembleia, representantes indígenas manifestaram profundas preocupações diante de tais investidas contra seus direitos pelo Estado brasileiro, com brutal violência, assassinatos e criminalização. Ao refletirem sobre os setores que os oprimem, dizem que “se não nos deixarem sonhar, não os deixaremos dormir”. Com convicção, afirmaram que jamais renunciarão às suas terras. Ao mesmo tempo, sentem-se encorajados por todos aqueles que deram suas vidas na luta pelos seus direitos, por avanços conquistados e pela certeza de que jamais serão vencidos. Esperam continuar com o apoio solidário do Cimi e de mais aliados e amigos.

Com os povos indígenas, originários de todo continente, Abya Yala, com os quilombolas, populações tradicionais, campesinos, com os empobrecidos e oprimidos, queremos renovar nossa profunda convicção de que mesmo que neguem a vida, decepem as árvores, é da raiz invencível que brotarão flores e frutos, mel e leite, novos projetos de sociedade, do Bem Viver defendido pelos povos ameríndios” (Carta da Assembléia).   

Egon Heck

Cimi Secretariado, Brasília, 12 de novembro de 2013

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Marçal Guarani - trinta anos de impunidade



Marçal, Marçal,
és profeta de um novo canto,  
de uma Terra livre e sem quebrantos
que é compromisso dos que estão aqui
Marçal, Marçal,
tua morte só apressa o dia,
em que o alto preço dessa  covardia,
será cobrada pelos Guaranis
( Luis A. Passos)

Vida ceifada a três décadas não foi silenciada. Há trinta anos os Kaiowá Guarani da região de fronteira com o Paraguai lutam para ter suas terras de volta e se faça justiça  com os matadores de índios e não prevaleça o império da impunidade. Marçal Tupã-y foi assassinado no dia 25 de novembro de 1983, na aldeia de Campestre, Terra Indígena Nhanderu Marangatu, município de Antonio João. A morte brutal teve repercussão no país e exterior. Marçal  era uma liderança destemida  na luta pelos direitos de seu povo Guarani e Kaiowá, bem como pelos direitos dos povos indígenas do país. Em 1980 fez um veemente apelo  ao Papa João Paulo II, em Manaus-AM.

O  fazendeiro Líbero Monteiro de Souza, apontado como mandante do crime,  executado por Romulo Gamarra, faleceu no início do século, tendo sido inocentado,  no julgamento realizado em Ponta Porã,  dez anos após o assassinato. Em 2003 a ação prescreveu, sem que assassinos ou  mandante  fossem punidos.

Celebração do martírio

Assim como Sepé Tiaraju é um herói e mártir da resistência Guarani, do século XVII, Marçal é um herói, mártir da luta com seu povo, no século 20. Por ocasião dos 30 anos de seu assassinato, o povo Guarani e seus aliados estão organizando uma serie de atividades como seminários, debates, para dar visibilidade a esse assassinato e as centenas de mortes em função da terra.

Para este mês estão previstas atividades na região para celebrar a memória de Marçal, honrando sua  memória, dando continuidade às suas lutas principalmente pela terra.

Uma liderança convertida pelo exemplo de Marçal  foi Hamilton Lopes que dizia "Ao ver a luta de Marçal eu senti que devia assumir essa luta e me comprometia dar  continuidade.E assim o fez. Andou pelas aldeias, em vários lugares do Brasil e do mundo, denunciando a violência e injustiça a que estavam submetidos os Kaiowá Guarani, principalmente a negação de suas terras. Morreu sem ver sua terra Nhanderu Marangatu, já homologada, ter sido devolvida a seu povo. Seu espírito e exemplo continuam animando a luta.

Há dois anos era assassinado o cacique Nisio Guarani, que  com seu povo havia retornado à sua terra tradicional, Guaiviry. Seu corpo até hoje não foi localizado. Os assassinos continuam solto. Seu filho Genito denunciou nesta semana, na OEA (Organização dos Estados Americanos) as violências e ameaças a que continuam submetidos. A história demonstra que a efetiva demarcação de nossos territórios é o único meio eficaz de se solucionar o estado de violência. Nenhum programa de proteção do governo irá efetivamente proteger a minha vida e de meus parentes enquanto não se repara esta dívida histórica"

Façamos deste mês de novembro uma grande celebração dos centenas de mártires e heróis Guarani Kaiowá e demais povos indígenas do país.

Yvy Katu urgente

"Pode haver um banho de sangue a qualquer hora", afirmam os fazendeiros e agricultores acampados próximo à ponte do rio Iguatemi, nos limites da terra indígena. O cacique Rosalino, que há trinta anos vem lutando pela terra de seu povo e que participou na retomada do Pirakuá, apoiada por Marçal, e razão mais imediata de seu assassinato, lança seu clamor e pedido de solidariedade e ajuda pois estão passando por graves necessidades, principalmente de alimentos.

A solidariedade passa pela exigência da conclusão da regularização das  terras e a devolução das mesmas  às comunidades de Porto Lindo-YvyKatu.

Se o Ministro da Justiça diz estar com 75% de sua agenda ocupada com a questão indígena,  a única forma de fazer justiça é demarcando as terras.

 Egon Heck

Povo Guarani Grande Povo

início de novembro de 2013

 

Espiritualidade em tempos de conflito



Carlos Mesters  partilhou com os missionários do Cimi  importantes passagens da Bíblia que animam a vida e compromisso dos missionários junto aos povos indígenas. A expectativa dos participantes é de que esse fosse um momento de renovar os sonhos e realimentar a utopia, na resistência dos povos indígenas. Tempo de reanimar, juntar forças, regar as sementes e alimentar nossas esperanças. 

Foi destacado a  importância da Bíblia na vida, na partilha a partir do momento que cada um está vivendo e da conjuntura de conflito e luta em que nos movemos em nossa solidariedade com os povos indígenas. Esses povos vivem em imenso cativeiro há mais de 500 anos. Desintegração cultura, destruição da natureza, roubo das riquezas e sabedoria, são partes desse  cativeiro. Solidários com esses povos,  animados e iluminados pelos povos e pela  Bíblia, se procura romper os grilhões do cativeiro. " A pior coisa que pode acontecer a um povo é perder sua memória. Perdendo a memória perde a identidade" afirmou Mesters.

Em vários momentos foi ressaltado a importância da espiritualidade que brota do chão do conflito, alimenta a fé e o exemplo de Jesus de Nazaré, que se dá na ternura, no diálogo, no encontro e na consciência.

Mais de 80 missionários que trabalham  junto aos povos indígenas em todo o país, se alimentaram desses dois dias de reflexão, silêncio e celebração. Partilhamos vidas e esperança, dores e sonhos,  caminhos e lutas. Do cativeiro  à libertação, uma importante releitura da Bíblia, da natureza até o ponto de chegada em Jesus  "Jesus refaz o relacionamento humano na base, na "Casa";Recupera a dimensão sagrada e festiva da Casa;Reconstrói a vida comunitária nos povoados da Galiléia; Cuida dos doentes e acolhe os excluídos; Recupera igualdade homem e mulher; Vai ao encontro das pessoas; Supera as barreiras de gênero, religião, raça e classe'

Ficaram muitas perguntas que nos irão acompanhar e animar a continuidade de nossa missão:  "Qual a falsa imagem de Deus que hoje está por detrás do sistema neoliberal e da lenta e progressiva secularização da vida dos últimos duzentos anos? Qual a imagem de Deus que estava por de trás da leitura errada da Bíblia legitimando a depredação da natureza? Qual a imagem de Deus que está por de trás do progresso da ciência? Muitos cientistas se dizem ateus. Talvez tenham razão, pois o Deus que eles dizem não existir de fato não existe. Saramago que se dizia ateu disse esta frase: "Deus é o silêncio do Universo; o ser humano é o grito que tenta interpretar o silêncio".

Temos muito que aprender e recuperar na nossa caminhada solidária junto aos povos indígenas: "Temos que recuperar a criatividade e a capacidade de admirar. Nesse ponto, o povo da Bíblia dá lição em todos nós. Apesar de todas as suas limitações, eles souberam ler o Livro da vida. Souberam descobrir e cantar a beleza do Universo que revela o amor de Deus e a grandeza do Criador. Souberam verbalizar, partilhar e transmitir suas descobertas, enriquecendo as gerações seguintes. Os salmos são um dos exemplos mais bonitos.

Vamos construindo uma nova pastoral onde a gratuidade da presença amorosa e universal de Deus torna-se  presente e conduz, destacando alguns  aspectos como "a ternura, o diálogo, o encontro e a consciência crítica"

Foram dois dias em que a maneira sabia e alegre da contribuição de Mesters, incorporando as reflexões sobre os povos indígenas e as lutas e desafios do Cimi, nas recentes e  motivadoras palavras do papa Francisco, nos deram muito animo e a certeza de nosso compromisso  junto aos povos indígenas.

 

Egon Heck

Cimi

 

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Brasil denunciado


 
A violação dos direitos das populações indígenas e tradicionais está sendo mais uma vez denunciado em  fórum internacional. Desta vez a denúncia é  pelas ameaças e violências constantes contra o povo Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul, em especial da aldeia de Guaiviry  e a comunidade quilombola de  Brejo dos Crioulos, em Minas Gerais. Representantes dessa duas comunidades estarão prestando depoimento hoje na sede da Organização dos Estados Americanos - OEA, na Comissão de Direitos Humanos.

Em suas grandes assembleias - Aty Guasu - os Kaiowá Guarani tem afirmado repetidas vezes de que, diante da omissão ou ineficácia do Estado brasileiro em respeitar e tornar realidade os direitos humanos e constitucionais de seu povo lhes restavam apenas dois caminhos: a denúncia internacional e o retorno a seus territórios tradicionais.

Os quilombolas, que são mais de 5 mil comunidades em todo país, sofrem o mesmo processo. A quase total paralisação dos seus territórios é fator de crescentes violências contra esses povos e aumento das ameaças de morte. Além disso seus direitos à terra são ameaçados  por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIN, nº 4887/2003. A luta contra a PEC 215 e outras vem unificando cada vez mais povos indígenas, quilombolas,ambientalistas e outros setores de luta na terra.

Desde Juruna

Desde a década de 80, quando o Brasil foi denunciado pela prática de genocídio e etnocídio, no IV Tribunal Russel, em Roterdam, Holanda, vem sendo levado a tribunais e instâncias Internacionais, como ONU - Organização das Nações Unidas e OEA - Organização dos Estados Americanos, pela violação dos direitos humanos, particularmente das populações tradicionais e povos indígenas.

Foram levados ao julgamento 5 situações de grave violação de direitos indígenas no Brasil Rio Negro (AM). A acusação foi feita pelo escritor Marcio Souza; Kaingang e Guarani de Mangueirinha -  Acusação apresentada pelo Cimi- Sul - roubo das terras, etnocídio e roubo dos meios de existência dos povos Kaingang e Guarani; Nambiquara - Comissão de Defesa do Povo Nambiquara - etnocídio e Genocídio deliberado causado pela construção de uma estrada através do território indígena; Waimiri-Atroari - Acusação feito por Egydio Schwade - genocídio; construção de uma estrada e um projeto hidrelétrico em território indígena Yanomami - acusação feita por ARC/CCPY - território Indígena transformado em Parque de Reserva Nacional e assim explorado economicamente sem restrições.

Nos casos denunciados o Brasil foi acusado de etnocídio e genocídio, por ter violado, a Constituição do país, A lei 6001-Estatuto do Índio, o Convênio sobre a Prevenção e sanção do Crime de Genocídio, o Convênio concernente `Proteção e Integração dos Indígenas e outras populações tribais e semi tribais em Países Independentes.

A pergunta que fica é porque mais de três décadas depois dessa denúncia o Estado brasileiro ainda não  superou a principal causa das violências e violações dos direitos humanos e étnicos desses povos, ou seja, regularizou e protegeu suas terras.  Infelizmente, ao invés de reconhecer esse direito sagrado e fundamental, as iniciativas em curso vão no sentido contrário, ou seja, retirar os direitos da Constituição ou criar ainda mais empecilhos  para cumprir  a lei.

 

Egon Heck

Povo Guarani, Grande Povo

Cimi, Brasília, 29 de outubro de 2013

 

 

 

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Direitos indígenas sem condicionantes



Plenária do Supremo Tribunal Federal lotado. Um bom grupo teve que se limitar acompanhar a votação dos embargos declaratórios relacionados à Terra Indígena Raposa Serra do Sol, na sombra do suprema. "Mesmo sem poder entrar com nossos instrumentos rituais, nós Kaiowá Guarani e todos os povos indígenas, estamos armados com o que nos resta: muita esperança e a força dos nossas antepassados e nossos deuses. Nossas vidas  e direitos não vão ser rasgados e pisados", afirmou uma das lideranças indígenas.
Ás 18,30 foi encerrada a 28ª sessão ordinária daquele egrégio poder.  Alívio. Os povos indígenas puderam respirar, com a esperança oxigenada, recobrando forças para os próximos embates. A tirania do agronegócio e do latifúndio, não conseguiu seus intentos anti-indígenas. Os Kaiowá Guarani que permaneceram no plenário por três horas, receberam a decisão do Supremo no retorno para suas aldeias e acampamentos. Vibração. Apesar de não ser uma vitória total, afastou os fantasmas da temporalidade e outros que visavam retirar seus direitos, especialmente  às terras. A luta continua, no chão do retorno a seus territórios originários e na desintrusão das terras já demarcadas.
Os povos indígenas esperam que o governo finalmente rasgue e enterre a portaria 303 e acelere a demarcação, desintrusão e garantia das terras-territórios indígenas. Ao invés de se dobrar  às exigências dos  interesses anti indígenas, alterando as normas do processo de regularização das terras indígenas, tumultuando ou até inviabilizando as demarcações. Agilize a execução de suas obrigações constitucionais.
Novos  guerreiros
Os jovens e adolescentes  Kaiowá Guarani,  expuseram suas indignações, revoltas, anseios e exigências a representantes de vários ministério, parlamentares, ministros e de órgãos governamentais. "estamos cansados de promessas e de entregar documentos. Queremos soluções. Não aguentamos mais".   Sentiram-se discriminados várias vezes por não permitirem que entrassem nos espaços do poder, com seus instrumentos rituais. "Sentimos a discriminação e preconceitos. Vamos levar isso para nossas aldeias. Nós sempre recebemos bem todo mundo e nunca  colocamos condições para entrar nas nossas casas", desabafou um jovem. Kaiowá.
No documento entregue ao ministro Gilberto Carvalho  afirmas " A situação em que nosso povo está  é uma vergonha para um país como o Brasil,  que busca se destacar como uma potencia mundial. Diversas entidades internacionais já chamaram atenção: o governo brasileiro não está sendo verdadeiro quando diz que os direitos indígenas, em nosso país, são respeitados...Pedimos também ao governo federal que dote posição efetiva quanto ao problema da impunidade em relação às mortes dos nossos parentes assassinados em conflitos de terra. A memória dos nossos heróis Jenivaldo e Rolindo Vera, Nisio /gomes, Xurite Lopes, Denilson Barbosa e tantos outros, clama por  justiça."
Yvy Katu - A terra sagrada  de volta
Neste mês de outubro os Kaiowá Guarani  deYvy Katu estão em mobilização de retorno às suas terras originárias, já demarcadas, mas ainda ocupadas por fazendeiros. Em carta às autoridades expressam sua decisão "A partir desse momento os Guarani voltaram para retomar e ficar definitivamente em sua terra tradicional, porque estamos cansados de esperar da justiça brasileira, vamos fazer nosso jeito de ocupar e usar  a terra que sempre foi nossa" (Carta manuscrita - comunidade de Yvy Katu).
A tensão é grande depois que os fazendeiros contrataram a empresa de pistolagem - GASPEM, para fazer a segurança na região. Os índios temem que  a qualquer momento possam ser atacados a tiros com violência e mortes.
Egon Heck
Povo Guarani Grande Povo
Cimi - Brasília 24 de outubro de 2013
 
 

domingo, 20 de outubro de 2013

Kaiowá Guarani em Brasília - Formando guerreiros

Mais de 40 adolescentes, jovens e crianças Kaiowá Guarani estarão em Brasília neste inicio de semana. Não estarão vindo a passeio ou para matar as curiosidades com relação espaços do poder. Estarão trilhando o caminho de seus pais e lideranças na luta por seus direitos,  por terra e justiça.

Eles vem para o 1° Fórum de "Direitos e Cidadania na visão de crianças e adolescentes Guarani Kaiowá".  Eles vem de uma realidade sofrida, em alguns lugares desesperadora, sob os barracos de lona preta na beira das estradas e nas retomadas, submetidos a todo sorte de violência e discriminação. Como diz a coordenadora do evento, Dirce Carrion "No Mato Grosso do Sul, além da falta de assistência, é possível identificar situações de genocídio que pesam sobre os povos que vivem ali. Segundo dados do relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil” de 2011, o povo Guarani Kaiowá enfrenta  uma verdadeira guerra contra o agronegócio registrando uma taxa de homicídio de 100 por 100 mil pessoas (maior que a do Iraque). Em consequência existe um quadro  altíssimo de suicídios, especialmente entre  os jovens e adolescentes.

É sobre essas realidades que eles vem conversar com diversos representantes dos três poderes. Mas vem principalmente para dizer ao Brasil e ao mundo que seu povo e em especial os adolescentes e crianças não se aceitam esse grave quadro de injustiças e preconceitos a que estão submetidas suas comunidades,  famílias e povos. Exigem justiça, exigem as terras demarcadas e uma vida de paz e dignidade. Eles vem  das aldeias de Panambizinho, Tey Kue, Kurusu Ambá, Ipoy e Guaiviry .

 Fome de justiça

Na véspera da celebração dos 30 anos do assassinato de Marçal Tupã'y, eles vem pedir o fim da impunidade dos assassinos das lideranças de seu povo. Querem saber onde estão os corpos do professor Rolindo, do Ypo'i, do cacique  Nisio, de Guaiviry.

É neste espírito de formadores de guerreiros e guerreiros de seus direitos que eles estarão em Brasília. Eles vem  "expor suas demandas, seus anseios e suas exigências por direitos que sejam atendidos pelo poder público e respeitados pela população."


Eles vem da fome, exigem alimentação adequada, vem da impunidade, exigem justiça, vem da discriminação e racismo, exigem respeito e igualdade na diversidade, eles vem da negação da vida, da violência, exigem paz e direitos cumpridos.

Enquanto isso um jornal de Dourados veiculou nessa semana um comentário onde, com relação aos Kaiowá Guarani afirma "Em 1500, quando os portugueses aportaram no Brasil, existia um povo sem roupa mas com uma cultura riquíssima e hoje os índios estão vestidos, calçados, documentados, mas despidos de cultura." (O Progresso, 16/10/13). Só aos olhos segados pelo agronegócio e racismo, esse povo de resistência secular não "está despido de cultura". Talvez fosse mais correto dizer que estão despidos da cultura genocida e etnocida do colonizador.

Já no Senado . "Meia dúzia de índios e alguns vagabundos pintados conseguiram por meio de baderna impedir a criação da comissão para debater o tema", reclamou Moreira. A baderna a que ele se referia eram os protestos feitos em Brasília, no início do mês, por índios que exigiram de deputados que não transferissem para o Congresso as decisões sobre a demarcação atualmente a cargo da FUNAI. (Isto É - dinheiro, 13/10/13) "

Esses comentários mostram bem a mentalidade predominante, infelizmente, em amplos setores do Estado. Essas guerras, silenciosas ou alardeadas, nos dão ideia da dimensão e continuidade do extermínio e intolerância secular.

Está previsto para dia 23, quarta feira, do julgamento das condicionantes relacionadas à demarcação da Raposa Serra o Sol. Manifestemos aos Ministros do Supremo nossa esperança de que as condicionantes sejam rejeitadas e se inicie uma promissora caminhada, mesmo que tardia, de justiça e respeito aos direitos dos povos originários

Egon Heck

Povo Guarani, Grande Povo

Cimi Brasília, 19 de outubro de 2013