ATL 2017

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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Respeitem a Constituição


Mobilização indígena nacional

 “Nos respeitem. Respeitem nossos direitos. Não continuem rasgando a Constituição.”  Uma semana de intensa mobilização dos povos indígenas que ocupam Brasília há quase uma semana. O enterro "simbólico" com rituais verdadeiros de proeminentes inimigos como  Kátia Abreu, Ronaldo Caiado, Gleise Hofmann e Luiz Adams,  e a ocupação da Confederação Nacional da Agricultura-CNA são demonstrações inequívocas de uma luta sem tréguas na defesa de seus direitos.
  
O chão tremeu com o pisar forte e ritmado dos cantos de guerra, e dos gritos repetidos de fora Katia Abreu. Após o susto inicial, os poucos funcionários se transformaram em plateia silenciosa e curiosa. Os indígenas permaneceram dentro da sede por mais de uma hora em rituais, demonstração de união, indignação e gritos. Sem vandalismo ou violência deram seu recado radical:
Fica uma pergunta sem resposta porque o presidente do congresso esvaziou a casa em plena semana de comemoração das bodas de prata da carta magma? Reza o ditado popular: Quem não deve, não teme. Então porque "fugiram" senhores parlamentares deixando o congresso vazio, desmarcando todas as sessões?. Afinal a sociedade pode constatar que  os povos indígenas apenas  lutam para que se compra a constituição, não são canibais,baderneiros ou cidadãos de segunda categoria. Pelo contrário, talvez tenham sido os brasileiros de raiz que mais defenderam a Constituição.
 



Na véspera da comemoração dos 25 anos da Constituição, os povos indígenas, expressaram sua indignação, exigências e esperanças: “repudiamos de público os ataques orquestrados pelo governo da presidente Dilma Roussef e parlamentares majoritariamente ruralistas do Congresso Nacional, contra nossos direitos originários e fundamentais, principalmente os direitos sagrados à terra,territórios e bens naturais garantidos pela Constituição Federal de 1988”. Reafirmam “Diante dessa realidade, de forma unânime, de uma só voz, declaramos e exigimos do Estado brasileiro, inclusive do poder judiciário, que respeite os nossos direitos, que valorize a diversidade e pluralidade da sociedade brasileira. Reafirmamos que vamos resistir, inclusive arriscando nossas vidas, contra quaisquer ameaças, medidas e planos que violem nossos direitos e busquem nos extinguir, por meio da invasão, destruição e ocupação de nossos territórios e bens naturais, para fins desenvolvimentistas e de interesse de uns poucos”.  Por fim exigem o arquivamento imediato e definitivo de todas as iniciativas que afrontam seus direitos e a retomada imediata da demarcação de todas as terras indígenas. ( declaração em defesa da Constituição Federal, dos Direitos Constitucionais indígenas, quilombolas de outras populações e da mãe natureza)

A volta vitoriosa

Brasília se enfeitou de verde para acolher os povos indígenas, no espaço da esplanada dos ministérios, que já se transformou em patrimônio de luta dos povos originários desse país, na luta pelos seus direitos.

Recado dado, é hora de voltar para as aldeias, onde a vida e luta continuam. Deixaram a capital federal satisfeitos com as mobilizações realizadas numa semana intensa, mas que não tirou o ânimo de quem veio para mais uma batalha por seus direitos ameaçados e desrespeitados. Vieram para defender e exigir respeito à Carta Magna do país, que eles ajudaram a construir há 25 anos e que em grande parte continua sendo desrespeitada por aqueles mesmos que deveriam ser os primeiros a cumpri-la. Mas também voltam preocupados, pois sentem a má vontade e malvadeza que acontece nos três poderes, ameaçando e violando os direitos indígenas.

Em suas bagagens levam, além das armas que sustentam suas esperanças, arcos, flechas, bordunas, inúmeras lembranças das mobilizações, registros das falas indignadas, dos momentos de tensão e repressão, das centenas de militares postados à sua frente para impedir que pudessem entrar na casa do povo. Levam também a certeza de que voltam às suas terras mais unidos e articulados e com um apoio muito maior da sociedade brasileira, que não apenas viu e vibrou com as manifestações, mas que vai também cobrar o respeito aos direitos e consolidação de um país Plurinacional, respeitador de sua gente raiz, originária.

Egon Heck e Laila Menezes
Povo Guarani Grande Povo
Brasilia, 6 de outubro de 2013


Repórter de uma guerra secular


 

Mobilização Indígena em Brasília

 

Em frente ao Congresso centenas de policiais estão apostos e dispostos a reagir a qualquer tentativa de entrada na “casa do povo”. Do outro lado da trincheira verde centenas de indígenas de todo o país decididos a visitar a sua casa e entregar um documento com suas exigências e reivindicações. Quando os indígenas se aproximam, recebem uma rajada de pray de pimenta nos olhos. Correm com a forte ardência dos olhos.Revoltados pelo ato covarde dos “recepcionistas” com suas armas modernas de uma guerra secular, insistem em sua intenção de entrar no Congresso, covardemente abandonado, com as atividades suspensas. Seguem-se momentos de tensão e expectativa. Os Kayapó e Xavantes fazem seus rituais de guerra e com seus arcos, flechas e bordunas avançam em direção aos policiais. Centenas de guerreiros de inúmeros povos se posicionam frente ao Congresso ao qual pretendiam entrar para  um ato de protesto, num diálogo impossível, de uma casa donde partem iniciativas mortais contra seus povos e diretos.

 
É apenas mais um capítulo de uma guerra secular. Mudam as armas e os atores, mas o processo de invasão, violência, saque e extermínio genocida continuam. Infelizmente, nessas últimas décadas, tenho sido mais uma espécie de repórter, testemunho e indignado registrador das violências que o projeto colonizador impetra contra os povos originários dessa terra.

 
A guerra se sofisticou.  Colocaram-se silenciadores nas armas pesadas, aprovadas na calada da noite, nas formas de projetos de lei, portarias, projetos de emendas constitucionais e  todo um arsenal de artilharia acionada contra os direitos constitucionais indígenas

 
Simbolicamente, na tarde desse dia 2 de outubro, Brasília se transformou no palco de mais uma batalha contra os direitos dos povos indígenas. Impedidos de entrar no Congresso, os indígenas manifestaram sua indignação fechando os acesso aos três poderes e circulando por esses espaços, fortemente ocupados por tropas policiais.

 Mulheres Pataxó, de Coroa Vermelha, revoltadas com a ação dos policiais que atiraram spray de pimenta em seus olhos,  chorando xingavam os responsáveis pela atualização da violência desses 513 anos, desde que Cabral iniciou a invasão de seu território.

 
Solidariedade e apoio

 
Foi um dia marcante para os mais de mil indígenas de uma centena de povos de todo o país. Foi o momento de deixar as cores da lona de circo e circular nos espaços dos três poderes, em lindos e coloridos rituais e indignadas manifestações e exigências.

 
Mas foi também um dia em que receberam importante solidariedade da Central Única dos Trabalhadores – CUT , “Declaramos todo apoio à semana de mobilização em defesa dos direitos indígenas, presentes na Constituição Federal...”. O  sindicato dos servidores públicos no distrito federal – SINDSEP-DF “vem a público apoiar a convocação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil para as manifestações em defesa dos direitos indígenas presentes na Constituição Federal de 1988...Nós enquanto representantes dos servidores públicos não podemos estar ausentes dessa luta, pois o que está em jogo é a soberania nacional”. Também receberam importante apoio da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde participaram de um debate e de uma centena de deputados aliados que vieram até o acampamento trazer seu apoio e solidariedade.

 
A mobilização e luta dos povos indígenas em todo o Brasil e particularmente em Brasília a cada dia que passam vem recebendo apoio da sociedade brasileira e internacional, “pois essa é uma luta pela vida dos povos, da natureza, do planeta terra”.

 

Egon Heck

Povo Guarani Grande Povo

Cimi, Brasília, 3 de outubro de 2013


A volta dos guerreiros - 25 anos depois da Constituinte


Quem imaginaria que 25 anos depois daquela  difícil mas gloriosa vitória dos povos indígenas e setores progressistas da sociedade,na Constituição com avanços significativos  e conquista de direitos sociais,  teríamos um quadro de mobilizações para impedir retrocessos. Sonhávamos com um cenário bem diferente:  os direitos conquistados consolidados, rumo à construção de uma sociedade mais justa, na pluralidade de seus povos e culturas,  democracia participativa e  comunitária,não apenas representativa, formal e injusta.

Os guerreiros  indígenas voltam à cena, ao espaço do poder, no planalto central.  Vem  exigir que não  retirem  seus direitos  da Constituição.  Senhores do  poder, cumpram a Constituição e não a rasguem, não desonrem o país,  não manchem a imagem da nação. Nossos direitos são sagrados e sob nenhuma hipótese podem ser violados.

O espartano grito de guerra e paz dos Kayapó e centenas de povos indígenas,  encheram o espaço do Centro de Formação Vicente Cañas, onde se reuniram mais de mil indígenas que, na madrugada do início de outubro, acamparam na esplanada dos ministérios para fazer ouvir o seu grito, nacional e mundialmente. A chuva fina não tirou o ânimo dos guerreiros que em pouco tempo construíram a grande aldeia plural no coração do poder, no planalto central.

Conquistas e retrocessos

Quando, há 25 anos, Ulisses Guimarães, presidente do Congresso Constituinte, declarava aprovada a nova Constituição, consagrava uma carta Magna, na qual, pela primeira vez os povos indígenas conquistaram importantes direitos sobre seus territórios e recursos naturais e na sua relação autônoma com relação ao Estado e a sociedade brasileira.

Porém  os povos indígenas não alimentavam ilusões quanto às enormes dificuldades que teriam pela frente, para fazer os direitos saírem do papel e se tornarem realidade. Não tinham dúvidas de que as elites políticas, econômicas e militares de tudo fariam para inviabilizar esses direitos. E assim aconteceu. Prova disto é que cinco anos após a aprovação da Constituição, quando todas as terras indígenas deveriam estar demarcadas, parlamentares e setores anti indígenas desencadearam uma intensa campanha de “revisão da Constituição. Na prática significada retirar direitos sociais dos índios, quilombolas e outros setores sociais. Apesar de não terem conseguido seus intentos em 1993, não desistiram de suas intenções retrógrados e genocidas.

Se não conseguiram retirar os direitos indígenas na Constituição,  conseguiram inviabilizar a efetivação desses direitos, na prática. As maior prova disso é que mais de 80% das terras indígenas, ou sequer foram demarcadas ou tem alguma forma de invasão. Além disso, o Estatuto dos Povos Indígenas, que seria fundamental para implementar e explicitar a efetivação dos direitos, até hoje não foi aprovado. O mesmo acontece com o Conselho Nacional de Política Indigenista, que poderia ser instrumento de superação da pratica colonialista  do Estado brasileiro com relação aos 305 povos indígenas no país, até hoje continua emperrado no Congresso.

A guerra secular continua. Mudam as garras, mas permanece o preconceito, os esbulho, ódio, o racismo o etnocídio e o genocídio. Até quando?
Os povos indígenas em   Brasília e em todo o país estão se mobilizando para defender seus direitos constitucionais, consuetudinários, originários e sagrados, a seus territórios e seus projetos de vida e autonomia.

 Protagonismo indígena

Após as grandes Assembleias Indígenas, da década de 70, as grandes mobilizações  da década de 80, a Marcha e Conferência Indígena de Coroa Vermelha, no ano 2000, os Acampamentos Terra Livre,  os povos indígenas no Brasil estão construindo um  importante protagonismo dentro do cenário de transformações sociais no país e no continente. E hoje somam forças aos quilombolas, professores, acadêmicos universitários e  numa sociedade civil, mais informada dos direitos destes povos.

Estão se mobilizando para impedir que se continue rasgando a Constituição, massacrando os povos originários, tripudiando sobre a legislação nacional e internacional que assegura os direitos e a diversidade étnica, cultural e societária no Brasil.

O  movimento indígena, nesses 25 anos avançou e consolidou um amplo e permanente espaço de luta e afirmação de seus projetos de vida e de futuro, construindo e ampliando as alianças com os demais setores oprimidos, explorados  e excluídos da sociedade. O movimento indígena tem construído seu protagonismo na resistência e nas lutas pelos seus direitos dentro dos amplos processos de transformações sociais e construção de novos modelos de Estado e sociedade, na pluralidade de povos e culturas, com justiça social e democracia participativa e comunitária.

Os povos indígenas estão em mobilização, na avenida Paulista, nos fechamentos de estradas, nas retomadas de seus territórios originários, nos espaços dos três poderes em Brasília.

Egon Heck

Povos Indígenas do Brasil em mobilização

Brasila, 2 de outubro de 2013

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