ATL 2017

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sábado, 26 de junho de 2021

Rosalino Ortiz, querido Guerreiro Guarani Nhandeva.

Por Egon Heck, Cimi MS 


Ontem dia 25, a terra sagrada de teu povo te chamou de volta para seres mais um guardião desse chão pelo qual lutaste por várias décadas. Fostes aguerrido quando se tratava da luta pela terra e sagrados direitos. Não hesitava em partir para a guerra conclamando teu povo para serem força junto ao Nhande Ru Delosantos Centurião.

Na retomada da terra indígena Yvy Katu/Porto Lindo lutastes heroicamente para garantir um futuro para os netos de teu povo.




Muitas lutas pela frente, agora és um guerreiro de asas chamado pelo Nhande Ru para continuar a luta, agora em outra dimensão.

Fica a saudade dos inúmeros encontros, reuniões, viagens, rodadas de tereré e chimarrão, dos telefonemas para atualizar as informações nas trincheiras da esperança ou apenas para desejar um boa noite.

Lembro com imenso carinho das longas conversas sobre a recuperação dos diversos tekohá, quando no início da década de 80 fizestes com os rezadores e lideranças o planejamento do retorno ao seu território tradicional, resultando no êxito de todas as ações, sem nenhuma morte de seus líderes. Isso só foi possível com muita reza e ritual.

No pátio de sua casa, numa Aty Guasu realizada em 2007, após constatar a total falta de demarcação por parte do governo, foi feito a relação de 39 terras indíg
enas Guarani e Kaiowá para serem demarcadas. No dia seguinte um ônibus com caciques e lideranças foi a Brasília exigir providencias imediatas. Foi então que se constituiu o CAC (Compromisso de Ajustamento de Conduta) e posterior a publicação das portarias dos GT, para demarcação das terras Guarani e Kaiowá.

Rosalino, você voltou para a terra sem males sem ver a sua terra definitivamente demarcada. O seu coração parou mais a luta continua. Nos solidarizamos a sua família, seu povo. Assim também nos solidarizamos a todos os povos que perderam seus entes para a COVID19.

O CIMI nestes 50 anos de história reafirma o compromisso com a defesa dos direitos dos povos indígenas.



Dourados, 26 de junho de 2021.

Fotos Egon Heck/Cimi

sexta-feira, 11 de junho de 2021

Política indigenista na história dos governos: da ordem e do progresso – meio século de violência e esbulho.

Por Egon Heck e Lídia Farias, Cimi MS

Numa rápida olhada nos últimos 50 anos de política indigenista no país, nos deparamos com inúmeras situações que questionam as reais intenções dos governos com relação aos povos indígenas, seus territórios e organizações sociais. Uma das características fortes deste período foi a constante imposição de uma política indigenista violenta, que tinha por objetivo final o extermínio dos povos indígenas.

Um dos aspectos reveladores da política da ordem eram os critérios de composição do quadro de pessoal dos órgãos estatais. A Funai por exemplo, herdou para o seu quadro de funcionários, 700 pessoas oriundas do antigo Serviço de Proteção ao Índio - SPI e, em menos de uma década, a fundação já contava com mais de 7 mil funcionários, a maioria imperiosa do quadro eram militares da ativa e/ou aposentados, que, sob o comando do general Bandeira de Melo, implantavam um rígido sistema de controle dos indígenas.


Para a garantia absoluta do controle, foram criados dentro da estrutura da Funai, alguns órgãos como a Guarda Rural Indígena – GRIN, que tinha como objetivo transformar os “índios” em soldados e as aldeias em grandes repositórios humanos para os quarteis militares, “o índio é um soldado nato e as suas tribos uma organização paramilitar” (General Frederico Rondon – 1977). Outra frente determinante no sistema de controle eram os Serviços de Segurança e Informação (DSN – Doutrina de Segurança Nacional, CSN – Conselho de Segurança Nacional, SNI – Serviço Nacional de Informação, ASI – Assessoria de Segurança e Informação), estes tinham por objetivo isolar os indígenas e vigiar completamente os seus passos. Para Queiroz Campos, primeiro presidente da Funai (1967-1970), estes órgãos tinham a intenção de “evitar a continuidade das invasões nas terras indígenas” e para isto a estratégia fora militarizar a Funai em todas as instancias administrativas, desde os postos indígenas nas aldeias até a direção do órgão, sediada em Brasília. 

Outra ação que tinha como horizonte o integracionismo eram os programas desenvolvimentistas produtivistas promovidos pela Funai no contexto do “milagre brasileiro” na década de 1970, onde se alardeava um crescimento do PIB de 11% ao ano. Para pensar a implementação destes “projetos de desenvolvimento comunitário”, a Funai chegou a contratar vários cientistas sociais (antropólogos, linguistas, agrônomos, economistas entre outros). Estes deveriam se empenhar em pensar a melhor forma de execução dos projetos numa lógica que rompesse com o “indigenismo dos quarteis”, promovendo um “novo indigenismo”, o qual estimulasse as comunidades indígenas ao etnodesenvolvimento.  Estes programas foram iniciados primeiramente junto aos povos indígenas Gavião-Suruí, Guarani Kaiowá e Nhandeva, Yanomami, Nambikwara, Pataxó, Tikuna, Tukano, Xokleng dentre outros.


A execução dos programas acima, explicita um profundo cenário de conflitos de interesses entre a ciência e o militarismo em curso. A Funai estimulava a produção e exploração nas terras indígenas, única e exclusivamente para gerar renda para o órgão tutor gerenciado pelo Departamento Geral de Patrimônio Indígena – DGPI, seguindo a lógica de que os índios deveriam ser um ônus menor para a nação.

Neste sentido, vale ressaltar que os projetos desenvolvimentistas e produtivistas dos governos, tais como exploração de madeira, minérios, instalação de rodovias, construção de hidroelétricas e outros empreendimentos em terras indígenas como o arrendamento, agenciados em épocas passadas pelo Estado e hoje pelo agronegócio, não tiveram como objetivo melhorias para a vida dos povos indígenas, do contrário, tais projetos foram e continuam sendo caminhos de invasões, inviabilizando as demarcações das terras indígenas, em que os prazos previstos para conclusão de todos os processos demarcatórios, foram duplamente desrespeitados, conforme determina o Estatuto do Índio[1] (1973) e a Constituição Federal[2] de 1988.

No Brasil, existem atualmente 1298 terras indígenas. Este número inclui as terras já demarcadas ou em alguma das etapas dos procedimentos demarcatórios. Passados mais de 30 anos da promulgação da CF/1988, pelo menos 536 terras indígenas ainda se encontram sem nenhuma providência do Estado para demarca-las (Cimi, 2020).

Nos tempos atuais e diante do cenário de total negação de direitos territoriais, o ponto forte em questão é o usufruto dos territórios: quem de direito pode usufruir destas terras? No campo jurídico, as leis são claras, assegurando aos povos indígenas o usufruto exclusivo dos territórios tradicionalmente ocupados pelos povos, seus legítimos donos. Porém, no campo político, as investidas antiindígenas da política indigenista desenvolvimentista, além de desqualificar os sistemas econômicos e de produção dos povos, tenta impor o lucro como referência nas relações dos povos indígenas com o meio ambiente. Ao tentar incluir as terras indígenas na lógica da produção em escala e em outras formas de exploração, o governo repete os ideais integracionistas da ditadura militar: “desenvolver para integrar”.

Os assédios saem de todos os lados e chegam às áreas indígenas envoltos nos tecidos da “emancipação financeira dos povos indígenas”, ou seja, os povos indígenas só serão aceitos quando se igualarem aos ruralistas.

Passados 50 anos desta história, o projeto de extermínio contra os povos indígenas se moderniza. A Funai, mesmo com “pernas capengas”, hoje chefiada por um delegado de polícia, tenta retomar o seu antigo papel nos governos ditatoriais de dominação sobre as terras indígenas, facilitando como no passado, as diversas formas de invasão e exploração dos territórios indígenas.

 

Dourados/MS 10 de junho de 2021.



[1] O Poder Executivo fará, no prazo de cinco anos, a demarcação das terras indígenas, ainda não demarcadas (Lei 6001/73, Art. 65).

[2] A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição (CF/88, Art. 67).