ATL 2017

ATL 2017

sábado, 23 de maio de 2015

Eternamente interinos?


“Declare-se interino o presidente da Funai e se preciso for  o mesmo se repita  nas várias instâncias do órgão...assim estaremos acorrentando um incômodo órgão, cuja missão contraditória, é defender os índios  desde que não atrapalhem os interesses maiores que se encastelaram no Estadobrasileiro...” Um pesadelo. Uma realidade. O começo do fim? 

Num olhar de soslaio para mais de meio século de Funai, certamente poderíamos escrever alguns livros retratando uma trajetória marcada por mil e uma peripécias, nessa sua nobre missão de defender os povos indígenas e seus direitos, garantindo a proteção de suas vidas, sua cultura, seus territórios e bens materiais e imateriais.

Poderíamos começar pelo primeiro dia da Fundação Nacional do Índio. Antes só existiam os escombros do carcomido Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que havia se transformado no maior antro de corrupção e violência da história desse país. A nascente Funai herdou de seu antecessor em torno de 700 funcionários. Destes, no dizer do procurador Jader de Figueiredo, que presidiu a comissão de sindicância do SPI em 1967, talvez uns 10 não estariam incluídos na lista de irregularidades em sua atuação. Naquele primeiro dia, as intensões eram louváveis. Se constituiu um conselho que seria o responsável pela atuação do órgão. As mãos estariam limpas. Mas o jogo de interesses antiindígenas não mudou e não permitiu com que ações efetivamente de proteção aos direitos dos povos indígenas fossem colocadas em prática pelo então governo da ditadura militar. Restou então ao coordenador do Conselho, o jornalista Queiroz Campos, transformar-se no primeiro presidente da Funai.

Mais de meio século depois, outros 35 presidentes do órgão iriam capitanear o sucateamento da instituição, até transformá-la num esquálido ente com a missão permanente de ser e não ser a executora de deploráveis políticas antiindígenas, ou a falta das mesmas. Na melhor das hipóteses, tímidos bocejos de defesa dos direitos indígenas.
Nos caminhos e descaminhos do órgão indigenista do governo passaram generais, capitães e coronéis, bem como padrinhos e apadrinhados políticos como Romero Jucá.

Nesse breve história, teve de tudo. Presidente da Funai que foi derrubado pelos índios antes mesmo de assumir, outro teve apenas um dia de presidência. Juruna e os Xavantes tiveram uma incidência marcante sobre a direção do órgão.  Os militares impuseram seu bastão e suas armas a serviço do controle dos índios, seus territórios e saque dos recursos naturais. Apadrinhados políticos houve vários. Alguns chegaram a afirmar que para ser presidente da Funai não precisava entender de índios, mas somente de administração. Teve os arautos de novas políticas indigenistas, que morreram na praia com toda sua boa vontade. Entidades indigenistas tentaram dar novos rumos ao órgão, em vão! Alguns arautos de boa vontade chegaram a fazer exigências, nobres e urgentes, para assumir a presidência do órgão.

A última estratégia deste festival de incongruências está sendo o da eterna interinidade, sinalizando que os direitos indígenas também sejam interinos. Mas essa cilada não passará incólume. A delegação dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, cobrou do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Miguel Rosseto, uma resposta urgente sobre a efetivação do atual interino na presidência do órgão. “Exigimos do Poder Executivo respeito ao órgão indigenista, a Funai, consolidando o hoje presidente interino, pois é um cargo que demanda habilidade técnica e não política”. Porém, deixaram claro que é preciso mudar a relação do Estado brasileiro com os povos indígenas, e não simplesmente a efetivação de alguém na presidência da Funai.

Apesar de não terem nenhuma ilusão de que isso irá mudar substancialmente as políticas efetivas do órgão, acreditam que assim poderá ter um pouco de oxigênio na defesa dos direitos dos povos indígenas na atualidade.

Pelo fim da Funai

Ruralistas, membros da Comissão Especial da PEC 215, um tanto constrangidos com a presença de indígenas do Mato Grosso do Sul, não contiveram sua sanha contra esses povos  apontando sua artilharia pesada e fúria contra a Funai. “Se é para acabar com a Funai assino embaixo. Ela está com seu prazo de validade vencido”.  E perguntavam com malícia e ironia: “Onde a Funai quer chegar? Dizem que os índios já ocupam 12% do território brasileiro e a Funai com as terras indígenas desse tamanho quer chegar a 22%?” E passaram a desfilar números enganosos e inverídicos numa clara intenção de reforçar seus pelotões antiindígenas. 
Não é novidade o pedido de extinção da Funai, que a rigor é um desejo de extinção dos índios. Isso aconteceu diversas vezes nas últimas décadas. Diversas comissões parlamentares de inquérito foram criadas ou propostas: CPI do Índio ou CPI da Funai, CPI contra o Cimi, CPI da Amazônia. Todas com objetivo claro de impedir que os direitos constitucionais dos povos indígenas fossem respeitados.

Em vários momentos, diante das acusações e arroubos conta os direitos indígenas, a plateia manifestou sua repulsa e indignação gritando: “Nos respeitem... Não falem mentiras... Chega de enganação”.

A sessão pela demarcação das terras indígenas, solicitada e coordenada pela deputada Janete Capiberibe, teve a grande maioria das intervenções favoráveis aos indígenas e seus direitos. Vale destacar a exposição de Marcelo Zelic que pontuou a ação desastrosa das políticas do Estado brasileiro com relação dos povos indígenas, conclamando para uma efetiva reparação aos povos nativos, o mínimo a ser feito para começar uma pagar a dívida histórica.

Além da urgente demarcação das terras indígenas, foi também pedido o “fim da interinidade falaciosa” que tem sido imposta aos últimos presidentes da Funai.

A maratona contra a PEC 215 e todas as iniciativas dos Três Poderes visando tirar ou limitar os direitos indígenas, continuam. Muita reza e o fim da paciência e da impunidade: “Reforçamos que não aceitaremos estes ataques, denunciamos que as ações neste sentido são inconstitucionais e criminosas. Aqui estamos, resistiremos e dizemos que se o Governo e Estado Brasileiro seguir com estes desmontes não nos restará alternativa se não retomarmos nossos territórios e buscar a justiça que nos cabe com as nossas próprias mãos. Nós, povos do Mato Grosso do Sul, estamos unidos neste sentido com todos os povos do Brasil para parar estes projetos de morte ou morrer pela vida de nosso povo” (Moção dos Povos Indígenas do Mato Grosso do Sul l à sociedade e Estado brasileira).

Egon Heck
Cimi – Secretariado Nacional
Brasília 20 de maio de 2015 


Indios dizem não à “mesa de negociação”




A delegação de 53 lideranças indígenas do Mato Grosso do Sul tiveram nessa quarta-feira (20) um encontro com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Esperavam respostas concretas com relação à assinatura das 12 portarias declaratórias que estão sob sua mesa.  Queriam também saber o porquê da paralisação total dos procedimentos de regularização das terras indígenas. Além disso, queriam saber quais são as iniciativas para dar segurança às comunidades e suas lideranças, que estão sendo diariamente ameaçados de morte. Grassa na região total impunidade em que matadores de índios viram heróis. Pediram também que o atual presidente interino da Fundação Nacional do Índio (Funai) seja efetivado no cargo.

O ministro Cardozo, escutado atrás das falaciosas “mesas de diálogo”, repetiu em exaustão que o clima não está bom, e que não vê nenhuma ação viável a não ser essas mesas, que os índios qualificam como enganação: “ Para nós a vida é um sonho rápido que fica em algum lugar entre a fome e a bala do fazendeiro. Até quando, senhor ministro? Quando na história deste país tivemos uma “conjuntura” favorável a nós? Tudo que temos são nosso direitos, e exigimos seu cumprimento”, insistiram as lideranças em documento entregue ao Ministério da Justiça na manhã desta quinta-feira (21).

Mensalão do diálogo

As aludidas mesas de diálogo são, pelos povos indígenas, comparados às mesadas dos invasores, ou a um mensalão de lucros fáceis e abundantes, com a exploração das terras e recursos naturais das terras indígenas há décadas. “Os latifundiários e os poderosos, senhor ministro, não querem diálogo, mas a nossa morte. Basta lembrar os inúmeros massacres e extermínio de nossos povos, caracterizando um genocídio e holocausto dos povos nativos e originários deste continente e do nosso país”.
Estarrecidos e indignados, os povos indígenas do Mato Grosso do Sul afirmam na carta: “Ao descumprir com suas obrigações e com as atribuições do órgão que representa, negando-se a dar continuidade aos procedimentos demarcatórios, o senhor não nos deixa outra escolha se não partirmos para a retomada de nossos territórios, questão que tentamos impedir deixando nossas famílias e nossos afazeres e vindo até Brasília buscar o diálogo com o senhor”.



Retornaremos


Em tom indignado, a liderança do Ypoy desabafou dizendo ao ministro que talvez não volte, pois poderá ter sido assassinado, mas virão outros lutadores, até que a terra seja demarcada. Na carta ao ministro reiteram: “Até lá saibam que não aceitaremos as mesas de diálogo, não seremos enganados de novo. Desta nossa reunião não ficamos com nada se não a certeza de que para nós não existe a possibilidade no momento de termos respeitados nossos direitos previstos na Constituição Federal de 1988. Infelizmente é isso que temos para levar a nosso povo em nosso retorno”.
Ao final das duas horas de exposição da dramática situação dos povos, aldeias e acampamentos indígenas no estado, campeão de violência contra os povos indígenas, e da irredutibilidade do ministro da Justiça de fazer avançar os processos de demarcação das terras e outras providências, o encontro terminou em mais uma frustração: “É uma pena que sintamos que em nome das “mesas de diálogo” a possibilidade de diálogo com o Executivo está acabando, senhor ministro, e como dissemos para o senhor, a inércia nas demarcações só

os deixam uma escolha, retomar nossas terras por meio da única força que temos. Se isso acontecer morreremos.”

Na carta protocolada nesta manhã no Ministério da Justiça, os índios manifestam sua revolta, mas acreditam nas forças de seus guerreiros e ancestrais, para continuarem a luta até a vitória final.

Egon Heck
Secretariado nacional do Cimi
Brasília, 22 de maio de 2015