Nas asas da primavera chega o grito de socorro da Terra
Indígena Ypo’i/Triunfo, na fronteira do Brasil com o Paraguai. Da Amazônia, da terra indígena Vale do Javari,
do alto rio Jandiatuba, na divisa do Brasil com o Peru, chega, envolta em
brumas e nevoeiros, a notícia do massacre de mais de 10 índios flecheiros. O
massacre é atribuído a garimpeiros que invadiram aquela região onde vivem mais
de uma dezena de povos indígenas “isolados” (em situação de isolamento
voluntário).
Do clamor das lideranças Kaiowá Guarani do Ypo’i/Triunfo, ressurge
com vigor a memória do assassinato dos professores indígenas Genival e Rolindo
Vera. O corpo de Rolindo até hoje não foi localizado. O mesmo acontece com
relação ao corpo do cacique Nisio Gomes. Se nessas regiões totalmente
devastadas do nosso país, as autoridades e a justiça não conseguem localizar os
corpos, não fica difícil imaginar o que se passa no interior da floresta
amazônica com os grupos isolados. Parece
muito cinismo e descaramento de uma sociedade que insiste em decretar a morte a
seus povos originários. Não existem corpos, portanto a ação genocida vai ser
enterrada na vala comum do esquecimento. Mais um massacre indígena ficará
encoberto pela truculência do projeto colonizador que impiedosamente veio
exterminando centenas de povos, milhões de pessoas originários destas terras.
De várias regiões do país chegam os gritos de socorro dos
povos nativos deste país. A denúncia foi levada pelos povos indígenas do Brasil
à ONU por diversas vezes. Ainda neste
mês de setembro, Voninho Kaiowá Guarani, denunciou na ONU a grave situação por
que passa seu povo e a maioria dos povos indígenas do Brasil. A embaixadora do
Brasil, nesta instância internacional tentou se apressar em desmentir tão escancarado
cenário de violência e desrespeito aos direitos elementares dos povos indígenas
do país.
A esperança que
renasce na resistência diária e na profunda espiritualidade dos povos
originários
A procuradora Geral da República, Raquel Dodge, que há poucos dias tomou posse, tem demonstrado grande sensibilidade com a causa dos povos indígenas, meio ambiente, direitos humanos, populações tradicionais dentre outros.
“Além da questão indígena, o grupo montado por
Raquel para atuar pelos direitos de minorias também definiu como prioridade
fazer valer o cumprimento de tratados internacionais dos quais o Brasil é
signatário” (O Globo, 24/09/17).
A Aty Guasu das Mulheres Kaiowá (Aty Kuña) Guarani, no Mato
Grosso do Sul, que contou com a presença e apoio de mulheres de outros povos e até
mesmo representante da ONU, tem sido mais um marco na luta desses povos
submetido a um processo de genocídio. No documento Final renovaram a decisão de
resistir e lutar de forma permanente por seus direitos, especialmente a terra.
“Se o governo não
concluir a demarcação de nossas terras, vamos continuar retomando nossos tekoha.
Nós mesmo vamos demarcar as nossas terras”, ressalta Leila Rocha, liderança do
tekoha Yvy Katu, localizado em Iguatemi (MS).
O bem viver e a construção de redes de cuidado
“Para tanto,
propomos pensar sobre o que podem significar as redes de cuidado para
cada uma e um dos participantes e suas organizações ou comunidades, e quais as
estratégias de construção de processos de agregação, apoio mútuo,
fortalecimento das comunidades, das autonomias, dos processos reivindicativos
sobre o Estado, e a ampliação da compreensão do território, articulação entre
diversos movimentos etc.” (Encontro Internacional sobre o Bem Viver, São Luís,
Maranhão, início de agosto 2017).
Além das partilhas
de vida, lutas e experiências de resistência e insurgência foi realizado um
expressivo intercâmbio com a comunidade quilombola de Santa Rosa dos Pretos,
uma das inúmeras comunidades atingidas mortalmente pelo projeto Carajás.
Na atual conjuntura,
alguns temas como autodefesa, autodemarcação dos territórios e autonomia se
tornaram urgentes e vitais.
Representantes dos
povos indígenas Munduruku do Pará e Gamela do Maranhão trouxeram cartas e
documentos com suas exigências e reivindicações. Diante das ameaças de
construção de hidrelétricas e de invasões, o movimento de mulheres Munduruku
afirmou:
“Estamos olhando
vocês. Não podem se esconder dos nossos olhos. Neste território vocês não vão
entrar. Sabemos que o governo doente quer voltar e o governo podre quer ficar. Nenhum
dos dois merece a confiança de nenhum povo. Em toda parte que vamos tem as
armadilhas do governo. Nós mulheres sabemos que vai ter muita dificuldade, mas
nossa força é nosso Movimento”.
Brasília, início da
primavera 2017
Egon Heck
Cimi Secretariado