“Em todos os governos tivemos que lutar. Agora não vai ser
diferente”. Essa foi uma
das falas mais
ouvidas no XII Acampamento Terra Livre, erguido na área externa do Memorial dos
Povos Indígenas, em Brasília, que aconteceu entre os dias 10 e 13 de maio.
E neste dia 12, quando a admissibilidade do impedimento da
presidenta Dilma foi aprovada no Senado e o até então vice-presidente Temer
estava finalizando a composição do seu novo governo, a primeira marcha
expressiva neste momento de troca de governantes foi justamente a dos povos
originários do Brasil.
Em torno de mil indígenas de quase cem povos de todo o país,
com seus arcos, flechas e bordunas, seus corpos pintados, cocares e outros
adornos, tomaram conta das cinco pistas do Eixo Monumental. Cantando e dançando
em seus rituais tradicionais, coloriram o longo caminho e, com a força de seus
maracás, visivelmente, mexeram com os sentimentos das pessoas que estavam
próximas. Na Esplanada dos Ministérios, já bem próximos do Congresso Nacional,
uma barreira policial impediu que continuassem a manifestação levando seus
instrumentos tradicionais, característicos de suas culturas, de seus modos de
vida. Contrariados, alguns grupos expressaram indignação diante desta
determinação, à qual todos foram submetidos.
Em frente ao Palácio do Planalto, o grito evidenciava a
razão da presença deles ali:“Demarcação já!”. Por coincidência, a presidenta
Dilma estava deixando o palácio naquele momento, seguida por um grande grupo de
pessoas. O sentimento de tristeza e revolta estava no ar. Do lado de fora,
Dilma dirigiu-se aos milhares de representantes de movimentos sociais e
populares que ocupavam a rua.
Representantes dos povos indígenas deram uma entrevista
coletiva, alertando para o novo momento de provável aprofundamento das ameaças
de retrocesso e perda de direitos, para os quais estavam chamando atenção e
manifestando a decisão de estarem mobilizados desde o primeiro dia do novo
governo. Eles garantiram que vão continuar exigindo seus direitos
constitucionais e uma urgente solução para os graves problemas relacionados à
terra e violência.
Apesar do clima conturbado, de indignações e incertezas, um
ar de melancolia cobria os céus de Brasília. Um governo com suspiros de
esquerda, acabava de ser cassado. Difíceis tempos estavam sendo anunciados. Sob
os ventos conservadores que estão varrendo as frágeis democracias do
continente, maus augúrios e presságios. Troca de turnos no poder.
Simultaneamente, já eram anunciadas
ações de despejo contra a comunidade Kaiowá e Guarani de Apykaí, no Mato Grosso
do Sul, e de reinvasão da Terra Indígena Marawetsédé, no Mato Grosso. Chumbo
grosso já está vindo por aí! Os ruralistas solicitaram o apoio da polícia na
solução das terras indígenas, de sem terra e de outros povos e comunidades. Não
bastassem essas ameaças, circulou na imprensa que os ruralistas teriam pedido
ao quase presidente interino Temer a revisão dos atos jurídicos de
reconhecimento e demarcação das terras indígenas assinados nas últimas semanas.
Foi, portanto, uma marcha de alerta dos povos indígenas,
diante de um mar de incertezas, ameaças e violências. “Resistimos até hoje e
continuaremos resistindo e lutando. Não admitiremos retrocessos no
reconhecimento dos nossos direitos”, anunciaram as lideranças de todo o país.
O grito “avançaremos!” também ecoou durante todo o percurso
da marcha, realizada sob um sol escaldante. Em documento encaminhado ao novo
presidente, às demais autoridades e ao povo brasileiro, os povos indígenas
presentes neste histórico Acampamento Terra Livre externaram suas preocupações
e suas exigências neste momento delicado da história do Brasil. E a resistência
de 516 anos continua!
Egon Heck fotos:
Laila/Cimi
Cimi Secretariado
Brasilia 13 de maio de 2016