ATL 2017

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quarta-feira, 12 de abril de 2017

Nos caminhos de lutas, dores e esperança Guarani-Kaiowá


Foram mais de duas semanas ouvindo os relatos de luta e resistência, sentindo e dialogando sobre a violência e criminalização, andando pelos “senderos” da morte nos acampamentos, retomadas e os confinamentos Kaiowá Guarani. Foram dias intensos de sentir o pulsar da alma Guarani, na profundeza de sua espiritualidade, na firmeza de sua resistência e nos sonhos da terra sem males, em seu longínquo horizonte, na fronteira do Mato Grosso do Sul, “onde o Brasil foi Paraguai”. 
Foram momentos coletivos de esperança e intensos debates na Aty Guasu dos Jovens, na Terra Indígena Sassoró, no fechamento de estrada, na BR que liga Amambai a Iguatemi, na discussão e duras exigências com o presidente da Funai, em Dourados.  Foram duros nas cobranças feitas ao Estado brasileiro e a Funai, que tantos vezes os enganaram, principalmente não demarcando as terras, jogando-os na violência e miséria.

Um momento de emoção, revolta e denúncia aconteceu na oga pysy (casa de reza) na retomada de Ytajacu Yguá. Arnaldo, pai de Alessandra, que havia sido atropelada e morta na BR-163, há poucos dias, fez uma fala dura contra todos os responsáveis por essas mortes, tida por eles como intencionais, contra a vida de seu povo.

De fato foram centenas de vidas ceifadas nas estradas do Mato Grosso do Sul. Lembro-me de uma visita à aldeia de Limão Verde, município de Amambai. Revoltados contaram que naquela semana, três indígenas haviam sido mortos por atropelamento. Quando sentiram que uma criança havia sido atropelada foram socorrê-la.  Na sequência mais duas pessoas morreram atropeladas.  A maioria destas mortes são de crianças e das comunidades acampadas na beira da estrada. Até quando continuaremos a contabilizar os mortos por atropelamento, por suicídio, assassinados por pistoleiros ou vítimas de violência por conflitos internos, muitos deles em consequência da não demarcação de suas terras?

A velha tese de dividir para dominar

Um dos temas conversado em quase todas as visitas às comunidades foi a continuidade da política colonialista da divisão dos índios pelos interesses anti-indígenas. O lance mais recente que muito bem expressa essa política foi a criação do “Conselho dos Caciques”, inventado e em fase de implantação por políticos e parlamentares do Mato Grosso do Sul.
Porém, apesar de algumas lideranças Kaiowá Guarani terem sido aliciados por argumentações e promessas falaciosas, a Aty Guasu tem denunciado energicamente essa manobra divisionista, afirmando enfaticamente que esse conselho não os representa. Pelo contrário, está atrelado aos inimigos dos povos indígenas no Estado. Conclamaram os parentes Terena e os demais povos indígenas, a não se deixarem ludibriar por essa artimanha colonialista de “dividir para dominar”. A falácia do arrendamento é outra das estratégias utilizadas pelos inimigos dos índios no Mato Grosso do Sul. Algumas comunidades estão senso assediadas e bombardeadas constantemente com as benesses com que seriam agraciados, no caso do arrendamento de suas terras ao agronegócio.

Organização e autodemarcação

O que mais se viu nas visitas às comunidades e famílias, é a necessidade de aprofundarem a união entre si para poderem continuar enfrentando com êxito e dignidade, as lutas pelos seus direitos e territórios. União, organização e luta, foram os termos mais repetidos pelas lideranças e Nhanderu e Nhande si (líderes religiosos).

Mato Grosso do Sul: a menina dos olhos da Funai

Essa foi uma das afirmações do presidente do órgão indigenista oficial. Essa mesma afirmação já foi feita por presidentes anteriores. Porém, o que os indígenas querem saber é se o órgão está com os olhos tapados e a estrutura sucateada, de tal maneira que o esqueleto cadavérico já não mais defende os direitos dos povos indígenas, especialmente seus territórios, mas está cada vez mais subjugada pelos seus inimigos.

De nada adiante o presidente do órgão pedir perdão aos indígenas se este não se transforma em ações concretas de defesa dos direitos desses povos. 
“Não temos mais paciência, queremos a verdade e não enrolação, queremos a demarcação de nossas terras, e já”, afirmou com contundência uma das lideranças.

“Não temos mais medo de enfrentar a polícia e os fazendeiros. Já tiraram a nossa terra e agora querem tirar a nossa vida. O povo está se levantando. Vamos morrer combatendo”, afirmou  uma das lideranças presentes. E complementou dizendo que recusam a proposta de compra de terras e a aplicação do marco temporal. Por isso exigem a urgente publicação dos relatórios de identificação de seus territórios.

Apesar das ásperas críticas ao governo e à Funai, o presidente do órgão ouviu sem se exacerbar, mas reagiu com veemência, quando disseram que ele estava aí apenas para defender seu salário. Mesmo assim manteve sua promessa de em maio retornar a Mato Grosso do Sul para trazer os resultados dos compromissos assumidos.

Nos últimos anos, a questão Guarani-Kaiowá não apenas ficou nas retomadas, nos acampamentos, nos assassinatos e na permanente violência. Essa realidade foi denunciada nacional e internacionalmente, com lideranças participando de audiências em instâncias como a ONU e a OEA.




Brasília, 11 de abril de 2017.
Texto e fotos - Egon Dionisio Heck
Secretariado Nacional do Cimi