ATL 2017

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terça-feira, 29 de setembro de 2015

Dom Erwin: guerreiro incansável





Emoção e gratidão sejam talvez as palavras que melhor expressam os momentos do ritual de despedida de Dom Erwin Kräutler, depois 18 anos cumpridos em quatro mandatos, a frente da Presidência do Cimi.  Gestos, lágrimas e abraços calorosos. Convicção e certeza da missão cumprida: “Combati o bom combate, terminei minha corrida, guardei a fé” (2 Tim 4,7). Nem mesmo a súbita alteração de sua pressão arterial, o impediu de estar presente à XXI Assembleia Geral do Cimi.
Nós que acompanhamos seu trabalho frente à presidência do Cimi, enquanto membros da diretoria da entidade, bem sabemos a abnegação com que ele se dedicou à causa indígena. Sabe dar sabor à luta, partilhando momentos de lazer e cantorias.


Ameaçado de morte, mas não intimidado.


Sua firme opção e fé, o fazem não arredar pé. Nem nos momentos mais difíceis e duros desses 18 anos. Sofreu tentativa de assassinato e enfrentou com galhardia todas as investidas anti-indígenas, principalmente por ocasião da Constituinte e da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI), em 1987, e a virulenta campanha contra o Cimi, veiculada por uma semana em grandes jornais como o Estadão, Correio Braziliense e A Crítica, de Manaus.
Lembro-me daqueles fatídicos dias de calúnia e difamação, quando o colega secretário Antônio Brand (em memória e gratidão) ia cedo à banca de jornal para saber qual era a bomba do dia. Imediatamente entrava em contato com Dom Erwin que nos tranquilizava e dava total liberdade e apoio para agirmos diante de tamanha ignomínia.
Em abril de 1987, em audiência pública, externaste, em nome do Cimi que “a Constituinte no alvorecer do século 21 deve ser o marco decisivo na história das nossas relações com os povos indígenas”. Mais tarde expressavas a emoção e grandeza resultante dessa luta: “É inesquecível a presença de quase 200 índios no Congresso quando, em 1º de junho de 1988, o plenário aprovou a redação do capítulo específico sobre os seus direitos”.

                                                                                                                                                                                 
Dom Erwin dispensa palavras


                                                                                                                                                Foto – arquivo cimi

Gostaria de não precisar de palavras carregadas de sentimentos, mas absolutamente pequenas demais para dar conta da grandeza de seu testemunho. Com Dom Pedro Casaldáliga e Dom Tomás Balduíno constituíram o trio contundente e radical em defesa dos povos originários e da vida.

No dia 22 de abril, na Assembleia da CNBB, em Aparecida, Dom Erwin se dirigiu aos bispos pela última vez como presidente do Cimi:

“Hoje é a última vez que, como presidente do Cimi, me dirijo aos bispos do Brasil porque no próximo setembro termina o meu derradeiro mandato. Agradeço de coração as notas da CNBB ao longo de todos estes mais de 30 anos em favor dos direitos e da dignidade dos povos indígenas. Obrigado por tantos apertos de mão e abraços que recebi em solidariedade para com essa causa. O apoio direto, o compromisso com o Evangelho da Vida e a intransigente postura profética da CNBB foram e continuam a ser “Boa Notícia” para os povos indígenas. A Igreja do Brasil nunca os abandonou nem os deixou sozinhos.

Recebam, assim, meu cordial e mais sincero “Deus lhes pague”. Obrigado por todos os sinais de justiça e colegialidade que foram “razão da esperança” dos povos indígenas. Agora os seguranças que há nove anos me vigiam dia e noite no Xingu podem relaxar. Nossa vigilância, porém, para o bem comum e em defesa da causa dos povos indígenas continua. Não foi e nunca será em vão: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” “Quem nos separará do amor de Cristo?” (Rom 8,31.35). Aparecida, 22 de abril de 2015.

No dia 17 de setembro, na 21ª Assembleia do Cimi, Dom Erwin deixou a presidência do Cimi:
“Depois de quatro mandatos (1983 – 1991, 2007 – 2015) e um mandato tampão (2006) como presidente do Cimi apresento pela última vez o Relatório da Presidência por ocasião de nossa Assembleia Geral. Guardadas as devidas proporções lembro neste momento a palavra de São Paulo a seu discípulo Timóteo: ‘Combati o bom combate, terminei minha corrida, guardei a fé’ (2 Tim 4,7). Não se trata de despedida, pois mesmo voltando a ser ‘soldado raso’, enquanto Deus me der a vida, jamais deixarei de lutar pela nobre causa dos povos indígenas e pela Amazônia.

Digo apenas a cada irmã, a cada irmão do Cimi, às lideranças dos povos indígenas e a cada indígena neste país um cordial e sincero ‘Deus lhe pague’. Obrigado, de coração, à Irmã Emília e ao Cleber que comigo integraram a presidência durante os anos passados, obrigado a vocês todas e todos pela fraterna e sororal amizade e comunhão que nos une hoje e unirá também nos anos vindouros” (Luziânia, GO, 17 de setembro de 2015

Dom Ervim, guerreiro e lutador, temos a certeza de que, mesmo passando a responsabilidade pela presidência do Cimi a Dom Roque Paloshi, continuarás conosco, na família do Cimi e no compromisso da luta pelos direitos dos povos indígenas.
Dom Roque, bispo de Roraima, assumiu a presidência do Cimi dia 17 de setembro e no dia seguinte foi aprovada a CPI contra o Cimi, na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul. “Estamos aí para o que der e vier”, assegurou Dom Roque, mostrando seu compromisso com os povos indígenas no país.

Egon Heck, Fotos Laila Menezes 

 Cimi Secretariado
Brasília, 28 de setembro de 2015.

domingo, 27 de setembro de 2015

CPI do Genocídio Indígena




As oligarquias coloniais e atuais, o latifúndio e mais recentemente o agronegócio nunca admitiram que os povos indígenas fossem sujeitos de direitos coletivos, principalmente de seus territórios. Pelo contrário, combateram sistematicamente esses direitos, com armas e leis. Para muitos, “índio bom é índio morto”. Mobilizaram o Estado e as milícias privadas, os jagunços e os bugreiros, no intuito de exterminar física e culturalmente, a maior parte dos quase mil povos indígenas que viviam no atual território brasileiro. Agem orquestrada e sorrateiramente como revelam as investigações do MPF em que denunciam a participação de advogado da CNA na elaboração do relatório da PEC 215.



Mas tudo isso não é apenas atributo de uma história colonial, é realidade atual. O que os Três Poderes estão fazendo, com relação aos povos indígenas, nada mais é do que atualizar os decretos de morte, proclamados insistente e secularmente.

A recente CPI criada na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul é a mais cabal demonstração dessa política secular. Para impedir que os direitos constitucionais indígenas sejam cumpridos, urdem tramoias com o único intuito de desviar a atenção dos crimes e violência praticada contra os povos nativos e dessa forma impedirem a demarcação e respeito aos territórios indígenas. Agem com truculência, à revelia da lei, muitas vezes, na certeza da impunidade. Não satisfeitos, viram suas baterias contra os aliados desses povos, como é o caso da recente CPI do Cimi.

Essa é uma prática histórica desses setores anti-indígenas. Na ditadura militar o genocídio tinha o nome de “emancipação”, ou seja, um etnocídio oficial patrocinado pelo grande capital. Por ocasião da Constituinte, em 1987, mais duas tentativas com o mesmo intuito. Em agosto daquele ano desfecharam uma violenta campanha de difamação contra o Cimi. Conseguiram montar uma CPMI – Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, a partir de documentos comprovadamente falsos. O golpe contra os direitos indígenas foi amplamente divulgado na grande imprensa nacional, numa das mais sórdidas e brutais campanhas movidas contra uma entidade na história recente desse país. Não tardou e o verdadeiro objetivo veio à tona, com a proposta genocida, do substitutivo vergonhoso do relator da Constituição, deputado Bernardo Cabral. Felizmente os povos indígenas conseguiram reverter a situação e foi aprovado o capítulo com os direitos indígenas. Porém, os setores anti-indígenas não desistiram, nesses 28 anos, de tentar suprimir os direitos indígenas da Constituição. Desde 1990 tentaram inúmeras vezes e de diversas formas rasgar, na lei e na prática esses direitos. Em 1993, ano que eram para estar demarcadas todas as terras indígenas, esses mesmos setores propuseram uma revisão constitucional em que pretendia simplesmente acabar com os direitos indígenas e outras conquistas sociais. Malograram no seu perverso intento. Nos últimos anos recrudescem sua ofensiva anti-indígena com uma centena de iniciativas legislativas, executivas e judiciais. Esse é o contexto em que se instaura a CPI contra os direitos indígenas, na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul.

A luta e a solidariedade




Nesta semana os povos indígenas do estado de Tocantins e de outros estados, realizaram importantes debates e contatos visando dar visibilidade às violências e desrespeito a seus direitos. Além de reafirmarem sua inabalável decisão de não permitir retrocesso nos direitos constitucionais conquistados, avançaram na perspectiva de consolidar alianças e lutas, principalmente com outros setores sociais, particularmente as populações tradicionais e todos os que lutam no campo por terra e justiça.

Um dos pontos mais destacados foi a definição de estratégias de apoio a demarcação da terra dos Avá-Canoeiro e aos Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul, na luta por seus territórios e vida digna. 

Em audiência pública na Assembleia Legislativa os parlamentares presentes se comprometeram em criar um grupo para fazer a visita a todas as terras indígenas a fim de averiguar e sentir a agressão e violência do agronegócio que está se expandindo com rastros de veneno e destruição, atingindo a maioria das terras indígenas. Também assumiram a criação de uma CPI sobre o descaso com a saúde indígena por parte dos governos federal e estadual.


Jogos Mundiais Indígenas: “nossa participação será nas ruas”




Na mesa sobre os Jogos Mundiais Indígenas participou o coordenador da Comissão Especial dos Jogos, sr. Ector Blanco que foi duramente questionado e cobrado. Ele destacou o caráter celebrativo do evento, de paz, alegria e festa. Porém, admitiu que a grande beneficiada será a cidade de Palmas que terá seu nome projetado mundialmente e se beneficiará com aspectos da infraestrutura que será construída. Falou da complexidade da questão indígena em todo o mundo. Questionado sobre as decisões dos povos e delegações escolhidas, disse que essa decisão cabe unicamente aos irmãos Terena, Marcos e Carlos. Confirmou que a quase totalidade dos recursos que serão gastos vem da iniciativa privada, ou seja, do agronegócio e empreendimentos que poluem as águas, destroem a mata e exploram os territórios indígenas.

Os participantes foram unânimes em afirmar sua postura crítica diante dos Jogos, afirmando que a participação será nas ruas e que dão total apoio à decisão do povo Krahô e Apinajé que já manifestaram sua decisão de não participar. “Como podemos participar de uma festa quando os promotores são os mesmos que estão matando nossos parentes Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul e em outras regiões do país?”.

Egon Heck – Fotos: Laila Menezes.
Cimi Secretariado Nacional
Brasília, 26 de setembro de 2015.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Povos Indígenas do Tocantins: Palmas para eles




Um calor de rachar, característica de uma das cidades mais quentes do país, vai amenizando no final desse dia 22 de setembro. Aos poucos  representantes da maioria dos povos indígenas  do Estado vão chegando ao simpático espaço  Krãnipi Casa do estudante Indígena de Palmas
 “Essa é uma conquista de todos nós. Mais um espaço de apoio às nossas lutas”, afirmou Wagner Krahô Kanela, presidente da organização indígena  UNEIT (União dos Estudantes Indígenas do Tocantins). Antonio Apinajé complementou dizendo aos estudantes indígenas “Lembrem-se de que o estudo que vocês vêm buscar aqui na Universidade só tem sentido se vocês continuarem ligados à luta e conhecimentos tradicionais dos nossos povos. Não esqueçam e deixem de buscar os conhecimentos e sabedoria dos anciões. Essa Casa do Estudante só terá sentido e cumprirá seus objetivos se vocês fizerem dela um espaço de apoio aos direitos dos  povos indígenas deste Estado”.

O Reitor da Universidade Federal do Tocantins, Márcio Antônio da Silveira,  de forma muito espontânea foi recebendo as delegações indígenas que foram chegando.  Ao se referir a esse gesto, Adelar Cupinsk, da assessoria jurídica do Cimi comentou “Alguma coisa está mudando. Quando se via um reitor ir ao encontro e receber dessa forma os povos e estudantes indígenas?”  A equipe do regional do Cimi Goiás Tocantins nutria um sentimento de alegria ao ver finalmente um sonho dos estudantes indígenas realizado. Eles não mediram esforços para que esse momento acontecesse. Buscaram aliados para a construção da obra e realizaram todo o processo  de forma participativa e em diálogo permanente  com as comunidades, povos e organizações indígenas. Após cantos, rituais e falas indígenas, foi  descerrada a placa de inauguração do espaço onde 48 estudantes indígenas estarão  hospedados durante o  período  de seus cursos universitários. A Universidade Federal do Tocantins assumiu o espaço e sua administração. Lembrou o Reitor que existem atualmente 200 estudantes indígenas e que buscarão ampliar esse número através do sistema de cotas, assumido por esta Universidade.


Resistir para existir, na luta e na esperança


No dia 23 teve início, no Colégio Marista de Palmas,  um importante seminário sobre a luta dos Povos Indígenas e populações tradicionais em defesa de seus direitos e territórios. Com a participação dos povos indígenas do Estado de Tocantins, do Maranhão, Pernambuco e Bahia, e dos movimentos sociais e aliados dessas causas,  ecoou o grito das vítimas de um sistema perverso de avanço do agronegócio,  desrespeitando os  povos indígenas e comunidades tradicionais, gerando destruição brutal da natureza e  lágrimas. A natureza chora, seus filhos clamam, pedem socorro.

Diante desse processo de violência e  desrespeito dos direitos e da vida, os participantes debateram  e definiram suas estratégias de luta e resistência.  Só existe um caminho de enfrentamento: a união de todos os atingidos por esse avanço do agronegócio  e seus rastros de destruição e morte.

Durante todo o dia foram realizadas mesas de exposição e debates em que  foram expostos os sofrimentos e o clamor da mãe terra e seus filhos. Nailton Pataxó relatou o processo de luta de seu povo para a reconquista de seu território. “Esperamos 30 anos pela justiça, depois formei guerreiros que foram retomando nossas terras.  Terra não se ganha, se reconquista” expressou sua alegria e felicidade por terem suas terras de volta e poderem cuidar da mãe natureza e viver de seu jeito, em paz e harmonia. “A luta não acabou. Me sinto em missão, enquanto todos os povos indígenas não tiveram suas terras demarcadas estaremos com eles apoiando esse sagrado e constitucional direito às suas terras. O índio sem terra  não tem vida” Diante da  decisão do governo de total paralisação da demarcação das terras,  acredita que o caminho será o das autodemarcações. Fez relatos emocionados das lutas de conquista dos direitos indígenas na Constituição.

Gercília Krahô após reiterar as denúncias das graves conseqüências do avanço dos grandes projetos sobre o território de seu povo demonstrou a confiança de que enfrentarão esses grandes interesses  que não conseguirão destruir os filhos da terra pois “somos o broto e a semente da terra e por ela vamos lutar até morrer”.


Palmas palco de polêmica


A cidade está  envolta  nos preparativos dos jogos mundiais indígenas, que são alvo de muitas críticas e contestações por vários segmentos da sociedade. Neste primeiro dia do seminário foram feitas críticas contundentes a esse evento, por lideranças de vários povos. Uma liderança do povo Karajá chamou atenção para as várias formas que o atual governo vem utilizando para matar os índios, com ações e omissões. Lembrou que enquanto estavam reunidos, em Brasília estavam tentando aprovar o relatório da PEC 215. E asseverou “ Ninguém do Estado de Tocantins deveria participar dos jogos mundiais indígenas”.
Enquanto o seminário ia debatendo os graves problemas que envolvem os povos indígenas , repercutiam as recentes manifestações do Povo Krahô de não participar dos Jogos Mundiais Indígenas e igual posicionamento dos Apinajé em recente Assembléia.

À noite foi feito o lançamento do Relatório de Violência Contra os  Povos Indígenas com os dados de 2014.  Se lembrou a importância de dar visibilidade  às violências, agressões e genocídio contra os povos indígenas no Brasil. Foi mencionado  a grave situação dos Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul, ressaltando a importância dos povos indígenas do Brasil pensarem ações concretas de apoio  à luta pelos territórios e vida desse povo submetido a um verdadeiro quadro de guerra e genocídio.

Foi igualmente descrito detalhadamente a terrível trajetória dos Avá Canoeiro do Araguaia, submetidos a uma guerra de extermínio nas últimas décadas. Revelando os planos e ações de extermínio a que foram submetidos, a antropóloga Patrícia, narrou a trajetória desse povo hoje reduzido a 25 pessoas, e com o processo de regularização de suas terras paralisadas no Ministério da Justiça.

Hoje continuam as atividades do Seminário, promovido do Cimi regional Goiás  Tocantins, com debate sobre conjuntura indigenista – desconstrução de direitos indígenas e  uma mesa sobre os Jogos Mundiais Indígenas. À tarde haverá uma audiência pública na Assembléia Legislativa.


Egon Heck
Cimi – regional Goiás Tocantins

Palmas, 24 de setembro de 2015

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Povo Krahô e os Jogos Mundiais Indígenas: “Estamos fora”






Enquanto busco entender um pouco melhor todo o processo em que está envolvido esse megaevento, vejo o reloginho no sítio eletrônico dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMI) marcar que faltam 38 dias, 22 horas, 26 minutos e 53 segundos para o início desse evento. No ofício 03/2015, encaminhado pelos 28 caciques do povo Krahô, do estado do Tocantins, encaminhado no dia 10 de setembro aos organizadores do Jogos, eles exigem que os “organizadores do evento retirem as imagens e o nome Krahô de qualquer meio de comunicação que sirva de promoção aos Jogos Mundiais Indígenas”.

Nas razões de sua decisão perguntam “Como podemos participar de um evento financiado por um governo que está promovendo o genocídio de nossos parentes Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul, e em várias outras regiões do país? Como podemos participar de um evento promovido pela  senadora Katia Abreu, uma das principais  responsáveis pelo avanço do movimento anti-indígena no nosso país?”

No mesmo documento os caciques Krahô denunciam a forma como é conduzido o processo dos JMI, que serve muito mais para promover sua própria imagem, do que efetivamente apoiar a causa indígena.

Em função desses procedimentos, os caciques  afirmam categoricamente que o povo Krahô não participará dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas.


Outras lideranças se manifestam
Em seu “Manifesto crítico sobre os jogos mundiais indígenas”, a liderança Antônio Apinajé afirma que “é por causa da luta pela terra que muitas lideranças indígenas estão sendo criminalizadas, presas,  espancadas ou assassinadas a mando de fazendeiros e políticos”.

Antonio Apinajé ainda faz várias perguntas que, certamente, devem estar martelando a consciência dos promotores desses Jogos. Chama atenção para a difícil e até dramática situação pela qual passam vários povos indígenas no país, em particular no Mato Grosso do Sul. Afirma que “a melhor atitude pela paz é também demarcar  e respeitar os territórios indígenas, que são sagrado para nossos povos e necessários para o equilíbrio e a sustentação do clima no planeta terra.”

No final do 1º dia da 21ª Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com mais de 160 participantes de todo o país, foi feito o lançamento de várias publicações do Cimi e de entidades de apoio à causa indígena. Dentre as publicações está um folder que traz importantes elementos para entender quem  ganha e quem perde com a realização dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. Procura, principalmente, trazer elementos da conjuntura em que se realizarão os jogos.


Alguns problemas levantados pelos povos indígenas com relação a este mega evento dizem respeito aos custos. De acordo com a própria Secretaria Extraordinária dos Jogos Mundiais Indígenas, mais de R$ 100 milhões foram disponibilizados para a realização deste evento, enquanto o governo tem um orçamente pífio para a demarcação das terras e dos territórios tradicionais indígenas. Também fazem alusão à baixa participação dos povos indígenas do Brasil (dos 305 povos no Brasil, apenas 24 participarão; dos dez povos do estado de Tocantins, apenas três participarão); aos riscos da folclorização; à distorção  da realidade, no sentido de camuflar a verdadeira situação de extrema vulnerabilidade de diversos povos, assim como de tirar o foco da atual crise política e econômica; distorcer o significado profundo e sagrado dos rituais em seus contextos e propósitos originais, colocando-os em um ambiente de competição e comercialização.

Lindomar Terena, liderança  indígena do Mato Grosso do Sul, denuncia: “Estes jogos escondem a verdadeira face do governo no massacre dos povos indígenas, elevando a imagem governamental e de alguns indivíduos, enquanto continua negando aos povos o direito sagrado à terra, à cultura e ao modo de vida originário. Enquanto governo e aproveitadores sonham com uma 'FIFA indígena', os desmontes, suspensões e ataques aos nossos territórios demonstram que logo todas as terras indígenas não caberão nem ao menos no espaço de um campo de futebol.”


Egon Heck
Cimi Secretariado
Brasília, 16 de setembro de 2015






sábado, 12 de setembro de 2015

Assassinato de Simeão Kaiowá: punição já

“Lembramos que quando não conseguiram ocultar o corpo ensanguentado de Simeão, fazendeiros e políticos espalharam a vergonhosa mentira de que os índios estavam fabricando um cadáver para incriminar os fazendeiros e o agronegócio. Diziam eles que o corpo já estava em estado enrijecido, portanto, morto já antes do conflito. Caluniadores infames vejam o vídeo que e deixem de querer enganar a opinião pública. Assistam o vídeo feito pelos jovens Guarani-Kaiowá e Terena, produzido por Ascuri e Aty Guasu” desabafou uma liderança Kaiowá Guarani repercutindo na imprensa regional




Enquanto escrevia essa missiva, este apelo já alcançava 35.468 visualizações.
Não é possível deixar de mencionar a impunidade que crassa neste país, em que os assassinos dos povos indígenas matam na total certeza da impunidade. Assim foi com a ignominiosa morte de Marçal. Mal chegaram as informações em Campo Grande e as autoridades, desde o governador até o secretário de segurança, passaram a espalhar a versão de que se tratava de um crime passional.

O julgamento do acusado de ser o mandante o crime, o fazendeiro Libero Monteiro de Lima, e do executor, o morador de Antônio João, Romulo Gamarra, deu-se em 1993. Este último chegou a ser preso, mas foi solto por um habeas corpus, evadindo-se para o Paraguai. Desde o início do processo foi solicitado o desaforamento do julgamento para outra região do país, porém, o juri se deu em Ponta Porã. Os réus saíram absolvidos do tribunal. O crime prescreveu em 2003.

Será que se chegará aos executores e mandantes o assassinato de Simeão? O Estado será responsável se uma vez mais trilhar pelos caminhos da impunidade. Para que isso não aconteça, a sociedade brasileira exige rigorosa e ágil investigação e punição dos culpados.  

Lembro-me do assassinato do missionário Vicente Cañas, em maio de 1987. Depois de quase 30 anos, um novo júri está previsto para acontecer nos próximos meses. A determinação veio do TRF da 1ª Região (ver mais).


A lenta justiça humana


Uma das advogadas que atuou na acusação nos primeiros julgamentos do assassinato de Vicente Cañas declarou que “a justiça que tarda, falha”. Porém, ficou para a memória dos nossos mártires. O Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia, Goiás, está, juntamente com os jesuítas e o Cimi, celebrando no próximo ano, os 50 anos da vinda do Irmão Vicente ao Brasil, e, em 2017, os 30 anos de seu martírio.

Dom Dimas, arcebispo de Campo Grande, com aval dos bispos do Regional Centro-Oeste da CNBB, escreveu carta à presidente Dilma, na qual questiona as caluniosas afirmações de uma filha de fazendeira, que chamou de braços demoníacos o Cimi e a CNBB:


“No entanto, Senhora Presidenta, é preciso dizer em alto e bom som, que o verdadeiro culpado não se encontra entre os missionários do Cimi ou na Igreja Católica. Quem está na raiz de todas essas décadas de violência e de desrespeito pelos direitos básicos da pessoa humana é o Poder Público, particularmente o Federal, único competente na matéria, e que parece não demonstrar interesse político para encontrar uma solução efetiva. Afinal, foi o Estado, ainda unificado, do Mato Grosso, que titulou terras indígenas a pecuaristas e agricultores de boa vontade, titulação que o mesmo Estado não tinha direito de efetivar.
A pergunta que não quer calar é: “Até quando? Quantas pessoas ainda terão que morrer, para que se chegue à conclusão de que é preciso fazer algo de concreto para que a paz, o respeito pelos direitos e pela justiça sejam assegurados a todos?”
O movimento indígena e seus aliados continuarão a acompanhar o desenrolar do processo, esperando que dessa vez se faça justiça punindo exemplarmente os responsáveis pelo bárbaro crime.
Brasília, 11 de setembro de 2015.
Egon Heck
Cimi Secretariado


quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Os Jogos Mundiais Indígenas e a violência




Falta um pouco mais de um mês para o início de um evento mundial congregando povos indígenas de 30 países e de 22 povos nativos do Brasil. O país tem se destacado, nos últimos anos, por ser anfitrião de grandes espetáculos esportivos como a Copa do Mundo em 2014 e se aproximam os Jogos Olímpicos Mundiais a se realizarem no Rio de Janeiro em 2016, portanto, há menos de um ano.  

Os Jogos Mundiais Indígenas se transformam em mais um momento projetado com grandiosidade, dentro de um pensamento ufanista, de vender e forjar a imagem de um país plural, democrático, sem racismo, que tenta ser justo e pacífico. Se isso fosse verdade seria o caso de invadirmos a velha Europa e quiçá a América do Norte com nossos projetos de Bem Viver e nossos exemplos de como salvar o Planeta Terra da total destruição. Longe disso. Nossos governantes fazem malabarismos para esconder que somos um dos países mais desiguais do mundo.

Se olharmos o país com um mínimo de realismo e isenção, a partir do que está acontecendo com os povos indígenas ultimamente, especialmente no Mato Grosso do Sul, teremos que reconhecer o fracasso de nossa pretensa democracia racial e colhermos mais um título, de estarmos entre os países de maior violência e negação dos direitos humanos e de povos à nossa população originária.

Mas nem tudo está perdido. Antônio Apinagé, do estado onde se realizarão os Jogos Indígenas, adverte: “O fato é que as terras dos povos Apinajé, Krahô, Karajá Xambioá e Xerente, já demarcadas, estão sendo invadidas ou encontram-se ameaçadas por hidrelétricas, hidrovias, eucaliptos, soja, mineração e madeireiras. E alguns povos ainda não têm sequer suas terras demarcadas. Por causa da luta pela terra, muitas lideranças indígenas estão sendo criminalizadas, presas, espancadas ou assassinadas a mando de fazendeiros e políticos” (Manifesto Crítico sobre os Jogos Mundiais Indígenas). Afirma ainda que “a melhor atitude pela paz é também demarcar e respeitar os territórios indígenas que são sagrados para nossos povos e necessários para o equilíbrio e a sustentação do clima no planeta terra”.

Lindomar Terena, do Mato Grosso do Sul, estado de maior violência contra os povos indígenas do Brasil, é enfático ao afirmar: “Estes jogos escondem a verdadeira face do Governo no massacre dos povos indígenas, elevando a imagem governamental e de alguns indivíduos enquanto se continua negando aos povos o direito sagrado a terra, a cultura, ao modo de vida originário... Somente a mobilização direta dos povos fará com que rompamos as cercas que nos separa do nosso bem viver. É a única ação que pode mudar esta triste realidade”.

Operação Dourados: Forças Armadas na fronteira com o Paraguai

Num comunicado reproduzido pela imprensa regional (Diário do MS), o Comando Militar do Oeste informa que a operação militar na fronteira estará integrada de 1.200 a 1.500 homens do Exército, que estarão se somando aos já presentes na região, tanto da Força Nacional, como DOF (Destacamento de Operação na Fronteira). O objetivo declarado é de “implantar a Lei e a Ordem”. Se a esses contingentes agregarmos as centenas de fazendeiros, pistoleiros e forças paramilitares fortemente armados veremos que estamos num cenário de guerra. Contra as armas de grosso calibre os mbaracá e as flechas. Se as comunidades indígenas não tiverem seus direitos respeitados, especialmente a sua integridade física, a lei e a ordem que as Forças Armadas irão defender terá lado. Será lastimável se isso vier a ocorrer. Os povos indígenas não terão para onde correr. Já percorreram todos os caminhos da justiça e de seus direitos. A paciência já se esgotou.

Na guerra a esperança avança

O que nos deixa extasiados e esperançosos é a capacidade desse povo de fazer da dor uma flor, uma semente, uma razão para avançar. O sangue derramado se transforma em novos e abundantes guerreiros.

A esperança vai se transformando em gestos concretos de solidariedade e de convocação à luta pela justiça.

Lembro com muita emoção e gratidão, as recepções na comunidade de Guyrá Kamby’i, com rituais e sorrisos. Apesar de seu território tradicional ser dos mais documentados historicamente, conforme declaração do antropólogo do Ministério Público Federal de Dourados, Marco Homero, essa comunidade tem sobrevivido em apenas dois hectares.

Nesta semana, Dom Juventino, do leito do hospital, enviou ao povo de Deus da Diocese de Rondonópolis uma bela mensagem conclamando a solidariedade com aqueles que mais sofrem no mundo de hoje, lembrando a morte de uma criança kurda e dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul: “Povos indígenas do Mato Grosso do Sul, povos nativos, com nosso apoio e solidariedade teus filhos vão ver dias melhores e condições de vida digna”.

Egon Heck
Secretariado Cimi

Brasília, 9 de setembro de 2015.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Chumbo grosso e pressa






Assim poderíamos caracterizar a estratégia do agronegócio, bancada da bala e setores antiindígenas para esse dia 2 de setembro. Na pauta, a aprovação do relatório da Comissão Especial da PEC 215, na Câmara dos Deputados, que Daniel Guarani-Kaiowá chamou de PEC do genocídio. Em Campo Grande, capital do Estado mais violento e antiindígena do país, assinaturas foram coletadas para a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) contra os direitos indígenas, denominada CPI do Cimi.

Repete-se a mesma estratégia de 1987, quando, por ocasião da Constituinte se instituiu no parlamento brasileiro a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) com o intuito de impedir a conquista dos direitos indígenas na Constituição. O mecanismo que as mineradoras, políticos, setores militares, madeireiras, latifundiários utilizaram foi exatamente o mesmo: atacar os direitos indígenas atacando seus aliados, particularmente o Cimi.

Naquela ocasião, Dom Luciano Mendes de Almeida, então presidente da CNBB, de forma brilhante fez a defesa dos povos indígenas, da verdade e do Cimi. E a farsa, as mentiras foram desmascaradas e os direitos indígenas conquistados.



Velório nos três poderes





Depois da caminhada com o caixão e muita indignação pelo espaço dos poderes, sob um sol escaldante e abrasador, finalmente lideranças indígenas de vários povos e entidades aliadas de todo o país, chegaram à rampa do Congresso. De pressa as forças de segurança impediram a continuidade da caminhada. “Nós apenas queremos colocar aqui, diante dessa casa onde se encontram cúmplices do assassinato de nossa liderança Simeão Kaiowá Guarani de Nhanderu Marangatu, do Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai. Que venham os parlamentares envolvidos nesse assassinato. Vejam no caixão nosso irmão assassinado...”, desabafou uma das lideranças desse povo, em meio a rituais para espantar os maus espíritos.

O caixão contendo o nome de vários inimigos dos índios no Mato Grosso do Sul, foi abandonado na rampa da casa do povo, causando um constrangimento na segurança que não sabendo como proceder, veio pedir aos índios para retirarem o caixão. Ao que prontamente veio a resposta: “O caixão é de vocês. Ali estão assassinos dos povos indígenas”.

Antes da ida à rampa do Congresso, foi feita uma parada, em frente ao Palácio do Planalto. Lá foi exigida da presidente da República a imediata retomada da demarcação das terras indígenas, como condição fundamental para impedir o derramamento de sangue e mais assassinatos no Mato Grosso do Sul e em todo o país.




Um dos momentos fortes do velório de Simeão Kaiowá Guarani foi diante do Supremo Tribunal Federal. Ali foram feitas falas indignadas pela omissão e inércia do Poder Judiciário, que é ágil contra os índios e moroso quando se trata da garantia dos direitos indígenas. Foi lembrado que fazem dez anos que ali se encontra uma de ação que suspendeu a homologação de 9.300 hectares (dos quais os índios estão confinados em apenas 126 hectares). Houve a promessa de retomada do julgamento desta ação, com a máxima agilidade. As lideranças da área estiveram inúmeras vezes no STF e obtiveram do então relator da ação, ministro Cezar Peluzo, a promessa de que já estava com seu relatório pronto e que agilizaria a decisão. Até hoje nada. A relatoria está atualmente com o ministro Gilmar Mendes!


Celebrando a esperança e indignação


A caminhada do velório iniciou em frente à Catedral, com uma primeira parada no Ministério da Agricultura, de Kátia Abreu, inimiga ferrenha contra os direitos indígenas e pela expansão do agronegócio, numa onda de destruição ambiental, sem precedentes na história desse país.
E foi na Catedral de Brasília que às 20 horas se encerrou a manifestação contra a violência, os assassinatos dos irmãos índios, com um culto ecumênico articulado pelo Conselho Mundial de Igrejas.
Lá estavam lideranças indígenas e aliados. Lá estava a esperança. Nas preces e nas falas o apelo de socorro da Mãe Terra e de seus filhos primeiros, originários, os povos indígenas.
Assim como a ação violenta e apressada dos fazendeiros e seus pistoleiros, dos políticos e seus sequazes, do grande capital nacional e internacional com seus tentáculos insaciáveis de lucro e acumulação, a esperança e a paz avançarão rumo à justiça com igualdade e diversidade respeitada.
Se hoje os ruralistas têm balas e pressa, certamente esse dia passará para a história como mais uma luta extremamente desigual, mas heroica dos habitantes originários desse continente e seus aliados, e todos os batalhadores da vida e sobrevivência do planeta terra.


Egon Heck – fotos Laila Menezes
Secretariado do Cimi
Brasília, 2 de setembro de 2015