ATL 2017

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sexta-feira, 23 de junho de 2017

Terra Ronca não é mais aquela



Mudou. Mudaram os viventes. A terra já não ronca. Geme. O capim avançou levando de roldão as matas do cerrado, mexendo nas veias das águas puras e límpidas, filtradas pelas montanhas de calcário. 


A água, ainda abundante, que serve para saciar não apenas os animais, mas
também a nós, os mais ferozes predadores, arvorados de humanos, também está ameaçada pelo veneno jogado em abundância no planalto. As águas dos rios que servem para afogar a nossa sede e afagar os nossos corpos, correm o risco de se transformarem em veias de venenos, mortos e amordaçados.
Seu Marcelino, seu Nego, nascido e criado na região confidenciou que, o ria das Pedras que corre a poucos metros de nossa casa, hoje talvez tenha apenas a metade da água que tinha em tempos idos
   Nas garras do agronegócio:  veneno e  destruição
Nos últimos anos houve um avanço assustador do maior predador, o humano ser.


         
  “Os gaúchos” como são genericamente conhecidos na região, avançam que        gafanhotos sobre as terras planas do planalto e suas plantações nativas. Rasgam os ventre da terra como se elas fossem criaturas suas. Sem dó nem piedade suas enorme máquinas vão semeando o colhendo milhares de toneladas de soja e algodão.
Se bebíamos a água do Rio das Pedras,  por exemplo, despreocupadamente, em certos períodos do ano, especialmente quando acontecem as pulverizações das lavouras,  já nos preocupamos com as possibilidades de estar sendo atingido pelo veneno.
Atraídos para a Bahia
A população de Terra Ronca vai sendo atraída  para a Bahia,  atrás do ronco ensurdecedor dos dentes de ferro que se alastram sobre aquela região. O boi sob cujas patas a região foi ocupada, já não segura mais ninguém. Passando um boi, passa a boiada. Os jovens, ávidos pelos bens anunciados pela sociedade de consumo, correm para os braços dos novos bandeirantes atraídos pelo imã desenvolvimentista do agronegócio. Resta resisitir.  Rezar, talvez. Mas acima de tudo sonhar. Não perder a esperança de que é possível construirmos um Brasil diferente. 

O Parque Estadual de Terra Ronca

E suas contradições e incompreensões.  Criado dentro da política de preservação, o parque revela suas ambiguidades uma vez que não conseguiu apresentar alternativas de sobrevivência com dignidade, para a população mais pobre, que vive como peões ou pequenos criadores de gado.



 Por esta razão o Parque é considerado por parte dos ativos como um retrocesso na política de desenvolvimento da, região, baseado na pecuária. Esse fato tem propiciado um expressivo êxodo para as cidades.
Como na maioria dos parques e unidades de conservação os estados e governo federal não conseguem implantar uma efetiva política de proteção ambiental. Inúmeras fazendas continuam suas atividades dentro do parque por não terem sido ainda indenizados, para se retirarem da área.


Mas Terra Ronca continua tendo seu charme, beleza e mistério. As belezas naturais de suas grutas com enormes salões divinamente ornamentados com estalagmites e estalactites continuam acessíveis aos comuns dos mortais. Ainda não caíram nas garras do turismo emp


resarial. Continuam como presente de Deus a todos os amantes da natureza.

Egon Heck e Laila Menezes
Brasília, 20 de junho de 2017


quarta-feira, 14 de junho de 2017

Índio Sou aonde estou



Após meio século de intensas lutas pelos seus direitos, especialmente pela reconquista de suas terras e territórios, os povos indígenas se deparam com uma realidade que passou um tanto invisibilizada durante décadas: as populações originárias em contexto urbano. Para refletir os desafios que envolvem essa temática nos reunimos durante os dias 4 e 5 de junho no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), onde partilhamos iniciativas que surgem de norte ao sul do país. Estiveram presentes missionários do Cimi e lideranças indígenas dos povos Kokama, Sateré Mawé, Guarasugwe, Karajá Ixybiowa, Xavante, Payayá, Terena, Pataxó, Kaigang, Potiguara, Guarani, Jaminawa, Chiquitano, Tariano e Kujubim.

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes ao censo de 2000 revelaram uma realidade surpreendente: 52% dos 745 mil indígenas autodeclarados na pesquisa estavam em contextos urbanos. Apesar da fragilidade dos números, eles apontam uma realidade complexa e desafiadora. Os indígenas nos cenários urbanos são frutos de três movimentos: o expressivo aumento dos indígenas que se autodeclararam; o avanço das cidades sobre espaços tradicionais; as migrações de populações originárias para as cidades, basicamente pela desassistência nas aldeias, as péssimas políticas públicas para os povos indígenas e a busca por melhores condições de vida.

O cego e omisso Estado brasileiro



Diante da permanente negativa do Estado em reconhecer os direitos dos povos indígenas, aqueles que vivem em realidades urbanas são marcados pelo abandono, já característico quando o assunto envolve os povos da terra. A política da transitoriedade que leva a presença expressiva dos indígenas em contexto citadino é desconsiderada, de maneira que, além de serem invisibilizados, enfrentam também o descaso que fatalmente os deseja extintos. O Estado brasileiro nega a esses povos qualquer atenção ou política específica referente aos direitos à moradia, terra, escola, saúde específica, trabalhou ou renda.

Os povos indígenas vêm exigindo seus direitos e desmontam, com suas lutas, a atual conjuntura política hipócrita. Eles gritam a afirmativa de que não deixam de ser índios por estarem nas cidades. “Somos índios onde estivermos”, afirmam incansavelmente. “Temos o direito de estarmos em qualquer lugar desse país sem deixarmos de ter nossa identidade, cultura e vivência de povos originários. Sem deixarmos de ter reconhecidos nossos direitos”, expressou um líder Kaingang presente no encontro.

“O Estado é uma máquina de moer índio”, garantiu outra liderança. É uma verdade porque o “Estado” não reconhece a pluralidade dos povos, sua transitoriedade acelerada pelo crescente deslocamento dos indígenas para as cidades, que devido a inexistência de políticas públicas específicas, têm suas identidades sequestradas e suas culturas oprimidas. Os depoimentos apresentaram a luta contra as diversas e continuadas formas de discriminação e preconceitos, violências e exclusão social.





A dura realidade e os difíceis direitos


Indígenas em contexto urbano é um tema que não ficou ignorada ou despercebido pelo movimento indígena e seus aliados. Não é de hoje que a realidade dos indígenas nas cidades se apresenta como um grande desafio. É difícil pensar as perspectivas devido à complexidade do assunto. Contudo, mediante as necessidades e como exemplo de iniciativas, o Cimi mantém uma equipe de atuação junto aos indígenas em Manaus (AM) desde os anos 80. Há 30 anos atrás era estimado que aproximadamente 100 mil indígenas, de dezenas de povos da Amazônia, viviam na capital manauara.

Foi dessas experiências que nasceram as primeiras organizações de indígenas em Manaus, como a Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (AMARN). Elas eram, em sua grande maioria, domésticas trazidas a capital do Amazonas pelo processo de ocupação e presença não indígena na Amazônia, marcado principalmente pelo forte acompanhamento militar e o processo de escolarização. A presença dos povos tradicionais nos mais diversos espaços urbanos contribui com processos de humanização dessas realidades. Os valores e as formas de vida dos povos indígenas propõem as cidades uma outra forma de existir. São inciativas que germinam esperanças a partir dos desafios.

 A caminhada e a luta continuam



A experiência do I Encontro de Povos Indígenas em Contexto Urbano reafirmou a importância da união dos povos indígenas em situação urbana. É preciso incentivar que essas sejam práticas que ocorram nos diversos níveis, desde as realidades das aldeias e cidades, nos regionais, para que continuem os encontros nacionais. São maneiras de dar visibilidade às lutas, mas principalmente, de definir em conjunto estratégias que busquem fortalecer as alianças do movimento indígena. Para avançar na conquista de direitos será importante socializar e sistematizar as experiências de resistências nas diversas realidades do país. Continuaremos, enquanto Cimi, a apoiar as lutas pelos direitos dessas populações ajudando a construir alianças que ecoam as vozes, os sofrimentos e as esperanças que animam os povos indígenas.