ATL 2017

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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Escola na aldeia – do nosso jeito


Termina hoje o 2º Encontro nacional de Educação Escolar Indígena, realizado no Centro de Formação Vicente Canhas, em Luziânia.
Foram quatro dias de reflexões e debates, avaliação e construção de estratégias para a Educação Escolar Indígena no Brasil. Não apenas foram socializadas as experiências, debatidos os desafios e lutas dos professores indígenas nas aldeias, mas também  foi analisada a nova conjuntura e as necessárias lutas para garantir os direitos indígenas, não apenas na lei, mas de fato.
Foi emblemático serem os professores indígenas,  os primeiros a se mobilizarem logo após as eleições.
Professores de 52 povos de todo o país  seguiram em passeata até a praça dos Tês Poderes para reivindicar respeito aos direitos  de uma educação escolar indígena própria de cada povo , dentro do marco de um estado plurinacional e intercultural,  a partir dos territórios indígenas. Protocolaram documentos no Palácio do Planalto e Supremos Tribunal Federal, dialogaram com autoridades ,  manifestaram sua indignação e esperança.
Uma longa caminhada
Nos últimos 50 anos  desencadeou-se um importante processo de descolonização da educação escolar indígena, em todo o continente. Das precárias e simples escolas de palha em aldeias,  ou mesmo ao céu aberto ou debaixo de árvores, foi se forjando um movimento de construção de escolas transformadoras, de formação de guerreiros na luta pelos seus direitos, especialmente seus territórios, recursos naturais, modos de ser e projetos de vida. Começa a nascer a “escola própria de cada povo,  “do nosso jeito”. Os direitos foram garantidos em inúmeras leis, infelizmente não cumpridas, pois os estados nacionais se forjaram na contramão da diversidade, ou seja, quando mais homogêneos mais  fortes.  Dessa forma passaram a se transformar em ´maquinas de triturar a enorme diversidade de quase mil povos originários  na Ameríndia, continente americano.
Depois de meio século de lentas mudanças, as escolas indígenas continuam esbarrando nas burocracias estatais, nos preconceitos raciais, na políticas homogeneizantes, na prepotência dos colonizadores, invasores de seus territórios e negadores dos projetos próprios de vida de cada povo.
Foi gratificante e animador ouvir a experiência do povo Shuar, da Amazônia equatoriana. Santiago Utitiaj relatou como foram se construindo as escolas comunitárias no Equador. Ressaltou as dificuldades que enfrentaram e continuam existindo, a partir da decisão política das comunidades de terem suas escolas e educação próprias”. Esse processo começou em 1940. Porém só na Constituição de 2008 , dentro do marco do Estado Plurinacional, se reconheceu o modelo intercultural bilíngue. “Temos muitos direitos garantidos em nossas constituições e legislação internacional. Precisamos conhecê-los para exigi-los, especialmente os direitos coletivos, como  a “educação própria”, desenvolvida nas comunidades, afirma Santiago.   Lamenta que o sistema educativo dominado pelo estado não permita o desenvolvimento da “educação própria. ” O estado não a reconhece. Alegam o medo dos fantasmas de separatismo, de reivindicação de  independência.
Santiago  conclui dizendo “Apenas queremos que respeitem a nossa existência num Estado Plurinacional e Intercultural”.  E esse  processo  de mudanças profundas de ser feito por nós indígenas ou não será feito por ninguém, pois o Estado e o governo não tem interesse em faze-lo.
No manifesto sobre  Educação Escolar Indígena no Brasil – Por uma educação descolonial e libertadora assim está expresso o grande desafio “Transformar a escola em ferramenta de luta não é tarefa fácil. E para isso não basta mudar apenas sua aparência, seus currículo, seus calendários. É preciso modificar toda sua lógica, sua fundamentação, seus objetivos e essência, bem como os conteúdos e práticas vivenciadas pelos alunos no cotidiano”
No documento final exigem respeito e autonomia dos processos próprios e específicos das comunidades Queremos através deste documento dizer aos governantes, que as nossas escolas indígenas sejam reconhecidas e respeitadas, obedecendo os sistemas de educação próprio de cada povo, cada um com suas especificidades, no seu modo de ser, viver, se organizar, de relacionar com o sagrado, reconhecendo nossas bibliotecas que oferecem nossos livros práticos, as nossas disciplinas tradicionais que se encontram dentro dos nossos territórios. Que as esferas federal, estaduais e municipais reconheçam a autonomia das escolas indígenas. 
Educação escolar indígena descolonial e libertadora. Sonho ou pesadelo. Uma luta de quase cinco décadas de desconstrução da escola do invasor. Da educação de súditos à formação de guerreiros. Um longo caminho, em construção.
Egon Heck

Cimi – Secretariado - Brasilia, 31 de outubro 2014