ATL 2017

ATL 2017

sábado, 31 de maio de 2014

Nos caminhos do poder – repressão e medo




 

Brasília amanheceu em tom acinzentado. Para os quase 600 representantes indígenas de todo país reunidos no décimo acampamento Terra Livre era um dia de intensa mobilização e manifestações na capital federal.

Parece que procuraram testar o esquema de segurança e repressão com os povos indígenas. O local do acampamento foi permanentemente  vigiado  e tentaram  intimidar as lideranças  parando os ônibus  na BR  040, rumo aos três poderes.

Nada mais simbólico do que ocupar, com rituais, danças, flechas , maracás e bordunas, a praça dos três poderes. Ecoou forte o grito de “estamos vivos! E estamos aqui!. Na praça já estavam manifestantes dos atingidos por barragens – MAB.

A parte da manhã desse memorável dia 27 de maio terminou com os indígenas protocolando uma queixa crime contra os parlamentares Luiz Carlos Heinze e Alceu Moreira por declarações racistas e criminoso incitamento à violência contra os índios. A bancada ruralista está aproveitando a Comissão Especial da PEC 215 como palanque anti-indígena e ataques aos direitos constitucionais desses povos.

Sob um Sol escaldante , com o refrigério de algumas nuvens densas, os indígenas deram sequencia às manifestações dirigindo-se em passeata até à frente do palácio do planalto. Forte esquema de segurança já estava armado. Os índios deram seu recado em frente à rampa do palácio e seguiram em direção do Congresso.  De repente irromperam para a plataforma que envolve os plenários da Câmara dos deputados e do Senado. Ali fizeram rituais e danças, à semelhança de 1988 quando da conquista dos direitos indígenas na Carta Magna. Esse “espaço público especial,  foi fechado ao povo. Porém assim como visitaram o plenário por dentro, em abril do ano passado, desta vez o visitaram, pelo lado de fora. Os povos primeiros visitam os lugares proibidos!

A manifestação seguiu, acompanhado de veementes falas das lideranças, até o Ministério da in-justiça. De maneira incisiva e dura, cobraram do ministro Cardozo a retomada das demarcações das terras indígenas e garantia dos direitos desses povos. Foi também o momento de um bom grupo se refrescar nas cachoeiras do ministério.


Nos caminhos da Copa, a repressão



O dia já avançava para seu final, com um agradável clima para os manifestantes que se dirigiram para o Estádio Internacional Mané Garrincha. Como brasileiros tinham o direito de  ver a taça ali exposta. Porém, no caminho, já próximo ao estádio a marcha foi brutalmente interrompida com cavalaria, gás lacrimogêneo e de efeito moral, balas de borracha e spray de pimenta. Seis índios foram feridos com balas de borracha.  A caminhada havia sido convocada pelo Comitê Popular da Copa – DF, numa caminhada pacífica até o Estádio mais caro do país, que mostra o encastelamento do poder da FIFA.

A articulação dos Povos Indígenas do Brasil, distribuiu nota de repúdio contra mais essa violência contra os povos indígenas. Repetiu-se a repressão cometida em Coroa Vermelha no ano 2000..

Egon Heck
 Secretariado do Cimi

Brasília, 28 de maio de 2014

O ajuste do Ministro da Justiça


 “Para nós indígenas o único gol que interessa é a demarcação de nossas terras”. Essa foi a afirmação de Sonia Guajajara, após o encontro com os presidentes da Câmara e do Senado. Deles as lideranças receberam mais uma vez a promessa de que a PEC 215 só irá a votação se houver “consenso”, conforme Henrique Alves  ou “convergência” para aprovar a PEC 208 no Senado, segundo  Renan Calheiros.
Não é a primeira vez que se tenta tirar direitos e terras dos índios. Essa é uma prática  colonialista de cinco séculos. Mudam apenas os atores e nomes: sesmarias, coronéis, latifundiários, governos, militares, direita e esquerda. Sem escrúpulos ou preocupações com direitos humanos, justiça, opinião pública, reações dos índios. A força prevalece. Se impõem o estado da injustiça.

Diante do fracasso das chamadas “meses de negociação ou diálogo” o ministro Cardozo encontrou uma pérola jurídico/política que é o “ajuste de direitos” ou seja você reduz a terra de sua comunidade Guarani de Mato Preto, de 4.000 para 600 hectares, ou fica sem terra ad infinitum.  Vocês escolhem. O que é mesmo terrorismo na legislação internacional e para o ministro da Justiça? Os Guarani de Mato Preto e mais trezentos e poucos povos sabem em suas vidas o que isso significa.

A delegação de lideranças indígenas que participaram da audiência com o Ministro da Justiça ficaram revoltadas ao ouvir dele as afirmações de que pretende sim mudar os critérios de regularização das terras indígenas e de que os processos de demarcação continuarão paralisados, sendo o único caminho o das “mesas de negociação”.  Afirmações que demonstram claramente a subordinação do atual governo à república ruralista e interesses eleitoreiros.
A paralização da demarcação das terras indígenas e as armadilhas das negociações e ajustes de direitos, que joga na vala da insegurança centenas de terras indígenas, foram denunciadas no 10º Acampamento Terra Livre.



A terra mãe, no caminho do Bem Viver

 “A nós povos indígenas resta o caminho da denúncia sistemática, em nível nacional e internacional, da violação dos nossos direitos, a pressão sobre os responsáveis pelos crimes, criminalização e assassinato de nossas lideranças e ações  de retomadas de nossas terras”, afirmou Lindomar Terena, ao participar de mais uma mobilização nacional dos povos indígenas.  Ele acabava de fazer a denúncia da violação dos direitos dos povos indígenas do Brasil, na União das Nações Unidas – ONU. “Ao contestar a bela imagem de harmonia que o governo brasileiro tenta impor internacionalmente, nós povos indígenas estamos passando por um dos piores momentos de nossa história. Estamos submetidos a violências diárias,  sendo nossas lideranças criminalizadas, presas e assassinadas.  Em consequência disso a gente percebe o desespero cada vez maior. Só entre os Kaiowá Guarani houve 73 suicídios em 2013,, um dos índices mais altos do mundo. E a demarcação das terras paradas. Não querem a nossa sobrevivência. Mas apesar de tudo isso nós continuaremos resistindo e apresentando o caminho dos nossos projetos do “Bem Viver”, para a sociedade brasileira”, afirma Lindomar.

Concluiu dizendo que “apesar de toda perseguição e morte, temos a certeza da vitória”.


Ao retornarem às suas aldeias levam a certeza de que valeu a pena. Valeu enfrentarem a polícia e as bombas da repressão, como na Marcha e Conferência 2.000 em Porto Seguro. Valeu dançar e fazer ritual na plataforma do Congresso, como na conquista da Constituição em 1988. Valeu  o encontro entre parentes de todo o país, para oxigenar a esperança e traçar os rumos das flechas incendiárias e os sonhos de um novo amanhecer. Valeu externar toda a indignação e revoltas represadas, em longos rituais e falas cortantes.Valeu

ocupar o ministério da (in) Justiça por um dia, para gritarmos a uma só voz – basta de sangue derramado e toda tipo de violência. Valeu conclamar todos os guerreiros e antepassados, para junto com nossos deuses tornar nossas lutas vitoriosas e construir com nosso sangue e saber, o Brasil plural e justo pelo que tanto lutamos.


Egon Heck, Cimi
Secretariado Nacional
Brasilia31 de maio de 2014

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Memória e mobilização indígena







Mobilizar a memória perigosa.  Lutar sabia e tenazmente contra todas as tentativas de suprimir direitos constitucionais. Dizer um enfático basta às violências e violações  dos direitos dos povos indígenas e outras populações oprimidas.
Nesse contexto  realizou-se em Brasília a reunião da Comissão Indígena da Verdade e Justiça. Esse é um dos espaços de luta do movimento indígena e aliados para fazer frente à avalanche de iniciativas que visam retirar direitos constitucionais e consuetudinários desses povos, articulados pelas ruralistas e o agronegócio  com a complacência e anuência tácita do governo.
O objetivo maior da Comissão Indígena é que se faça justiça através da reparação coletiva e individual  pelos crimes perpetrados contra os povos indígenas com a participação direta de entes do Estado ou pela omissão do mesmo. O Ministério Público Federal, que participou da reunião, constituiu um  grupo de trabalho que já está trabalhando em alguns casos.

Hoje como ontem

Também foi insistido na importância de se reescrever a história desse país com os povos nativos para que aflore a verdade desses 500 anos de invasão, em que em cada século se exterminou mais de m milhão de indígenas, conforme afirmação de Orlando Vilas Boas. Essa história não pode continuar sendo jogada embaixo do tapete.  A memória militante e permanente contada por cada ancião dará visibilidade a essa resistência combativa e insurgente dos povos massacrados, porém não vencidos.
Há poucos dias o governo brasileiro foi denunciado na Organização das Nações Unidas – ONU pela violação dos direitos dos povos indígenas, pela repressão e prisões arbitrárias, pela paralisação da demarcação das terras indígenas, que estão na origem de situações clamorosas como o suicídio de 73 Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul, em 2013. Situação semelhante às denuncias feitas por Lindomar Terena, ocorreu em 1980, quando Daniel Pareci denunciou na Assembleia Geral  do Conselho Mundial dos povos indígenas – CMPI, as arbitrariedades e violências  contra os povos indígenas praticadas pelos governos da ditadura militar. Nesta ocasião foi aprovado resolução de encaminhar essas denúncias à ONU e ao Vaticano. Neste mesmo ano Juruna foi impedido de ir ao Tribunal Russel, na Holanda, onde foram analisadas as violações dos direitos dos povos indígenas nas Américas. Só após intensa batalha judicial ele conseguiu viajar, presidindo o último dia dos trabalhos.  O Brasil foi condenado por violação dos direitos indígenas e genocídio. Do tribunal também participaram Darcy Ribeiro, Alvaro Tucano, Dom Tomás Balduino, Marcio Souza e Egydio Schwade.  Os governantes de então temiam que as denuncias  graves maculassem a imagem do país.


 

Mobilizando a luta e a esperança


Inicia nesta segunda feira mais uma semana de mobilização nacional dos povos indígenas, promovida anualmente  pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil  - APIB, com apoio dos aliados da causa.. A pauta principal é a garantia das terras e territórios indígenas, que estão sob intensa pressão por parte do Estado brasileiro, especialmente o poder Legislativo, através da bancada ruralista e o agronegócio. Estão em curso inúmeras iniciativas para suprimir direitos indígenas da Constituição.  As mineradoras também voltaram  com sua artilharia e máquinas pesadas, postadas diante das terras  indígenas.

Gol da terra

A Copa do Mundo está à porta. O governo propala e se ufana de que entregou ingressos a alguns indígenas. A mobilização indígena está interessada em saber quando vão ser demarcadas as terras indígenas e reparados os danos ambientais e massacres cometidos contra esses povos.
A mãe terra clama pelos seus primeiros habitantes, juntando-se a eles
Nesta semana de mobilização pela vida e os direitos dos povos originários.
Só haverá gol com a demarcação e garantia das terras, respeito à natureza e justiça. Estamos todos convocados parra essa mobilização

Egon Heck
Cimi – Secretariado nacional

Brasília, 26 de maio 2014

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Espiritualidade Indígena – a força que vem de dentro





O  que move povos tão distintos como os Aymara e Quechua dos Andes do Chile e Bolivia a se encontrar com os guerreiros Xavantes ou os resistente Kayowá, Guarani   ou Pay do Paraguai
 Talvez só o sonho e o compromisso com os povos indígenas das Irmãs Lauritas, as irmãs dos índios, e  a intensa busca de união e harmonia dos  
povos indígenas nesses quatro países foram  construindo  esse encontro continental de espiritualidade indígena,  em consonância com os encontros continentais de Teologia India e outras iniciativas que buscam o intercambio e reflexão dessa temática.
O que ficou evidenciado nesses dois primeiros dias do encontro é a centralidade que tem a espiritualidade nos processos de resistência e luta dos povos indígenas por seus direitos, particularmente pelos seus territórios. Daí decorre  uma espécie de espiritualidade da terra, da mãe terra, da Pacha Mama.  Um momento importante  é de harmonizar e trazer aqueles que já partiram para a celebração. Os espíritos dos antepassados se fazem presente nos rituais.
Essa harmonia e integração com a natureza, a comunidade, os parentes, ficou ressaltada nos rituais e exposições da delegação andina.  A religiosidade e espiritualidade, após mais de 500 anos de intensa relação com outras religiões, especialmente as cristãs, construíram uma espiritualidade muito própria, nas raízes profundas de suas espiritualidades com elementos do cristianismo.
Evidencia-se  os aspectos festivos e alegres dos rituais e celebrações, da partilha, da reciprocidade, dos presentes, da cura,da gratidão à Pacha Mama. A reverência ao sol e a folha da coca  tem uma função simbólica sagrada na relação dos povos  originários e a mãe terra

A espiritualidade guerreira dos Xavante ecoou forte. Quirino fez questão de ressaltar “Somos um povo guerreiro, mas somos alegres”. Essa alegria e energia não é apenas ressaltada nos corpos robustos cobertos de urucum mas também nos rituais e danças de expressão forte, ritmada.
O ritual da cura, com uma complexa interação com o universo e com Deus, foi detalhada por Quirino e lideranças desse povo.
O que mais está marcando o encontro é a interação, o intercambio, a celebração da vida na pluralidade de rituais e simbolismos.
Uma das manifestações importantes foi o desejo de construir e reconstruir caminhos e formas de solidariedade entre os povos como tem acontecido com frequência nas lutas das décadas de 70 e 80.  Foi expresso pelos Xavante seu desejo de apoiar concretamente a luta dos parentes Kaiowá Guarani e Terena.
Os Kaiowá Guarani com sua intensa espiritualidade marcaram desde o início o encontro, dando o tom celebrativo e o desejo de união não apenas dos Guarani do Brasil, Paraguai, mas de todos os povos originários do continente.
Para melhor compreensão todas as intervenções e colocações são feitas em três línguas – português, espanhol e guarani.
Mais do que belas palavras, frases de efeito, raciocínios lógicos, o que se vivenciou nesses dois dias foram intensos rituais e manifestações religiosas na pluralidade originária deste continente, a partir da força que vem de dentro.
Egon Heck e Laila Menezes
Secretariado Cimi
Campo Grande, 13 de maio 2014


Na memória dos lutadores e guerreiros, Dom Moreira e Dom Tomás e todos os que deram sua vida nesta causa

domingo, 11 de maio de 2014

A Deus Dom Tomás de lutas tantas


Em  Posse nasceu
O menino Paulo,
Da família Balduino,
Marcado com grande sina,
Em Formosa cresceu,
Tornando-se Tomás dominicano
Missionário destemido
Junto aos  índios Xikrin
E tantos povos indígenas
Que amou intensamente
Por quase um século
Neste continente,
Ainda na paixão.
Como bispo  prelado
Em Conceição do Araguaia
Sentiu de perto
As feridas abertas
Pelo milagre da ditadura,
Com  sua fúria devastadora,
Destruindo a terra e seus filhos,
Do latifúndio iníquo e voraz,
Que mais intensamente
Enfrentou como bispo de Goias,
Como presidente e membro fundante
Do  Cimi e da CPT
Acolheu de braços
E coração cheios de ternura
Os sem terra,os camponeses,
Os povos indígenas,
As populações tradicional
E os empobrecidos da terra.
Com eles selou um pacto profético
Pela vida, justiça e autodeterminação.
Fazer memória de Dom Tomás
É fazer história,
É revisitar os porões da liberdade
As sendas da resistência,
As fendas nos muros da opressão,
É unir-se no evangelho subversivo
No combate aos decretos de morte,
É chegar ao coração do mundo
E gritar um basta aos projetos de morte
Um outro mundo é possível!
A melhor forma de honrarmos teu nome
Tomás da terra. Da mãe terra, da terra sem males
É continuarmos teus sonhos e projetos
De libertação, justiça, vida!

Egon Heck
Secretariado do Cimi
Goiania, maio, dia das mães de 2014


Os missionários do Cimi e povos indígenas em eterna gratidão pela vida, luta e testemunho do irmão Dom Tomás