ATL 2017

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sábado, 19 de agosto de 2017

Vitória dos Povos indígenas, da espiritualidade





No final do dia 16 de agosto mais uma data importante na histórica resistência dos povos originários do Brasil. A instância máxima da justiça, o Supremos Tribunal Federal STF diz não às pretensões do Estado do Mato Grosso, de indenização pelo reconhecimento de terras indígenas do Parque do Xingu, dos Nambikuara, dos Pareci e dos Enê Nauwê.  Foi a vitória do direito dos povos indígena às suas terras tradicionais. Foi um não à pretensão dos inimigos dos índios de impor a leitura inconstitucional do “Marco Temporal”.


 Lágrimas de alegria


Ao ser proferido o último voto dos 8 Ministros do Supremo os mais de cem indígenas presentes no plenário  deixaram o local envoltos em revoadas de esperança,  de rituais e gritos pela vitória. Rejeição unânime. Vitória de séculos de resistências, de dias de intensos rituais e a certeza da vitória. Quantas já foram  a lágrimas derramadas ao verem suas lideranças e guerreiros assassinados,  seus filhos chorando de fome ou terem suas vidas ceifadas pela total desassistência do Estado, pela omissão da justiça, pelas mortíferas leis forjadas na calada da noite pelo poder legislativo ou executivo.


Vários indígenas, especialmente Kaiowá Guarani, do Mato Grosso do Sul, não conseguiram conter as lágrimas que regaram os corações dos Ministros do STF. “Entramos na cabeça deles” afirmou um dos Nhanderu (rezador) ao se referir  às intensas horas de rituais e rezas para amolecer a consciência e os corações dos Ministros.  Ou como afirmou um Nhanderu (líder religioso Kaiowá Guarani. “Nosso ritual Purahei é para limpar os pensamentos e corações dos Ministros. Para fazer justiça e reconhecer os direitos históricos constitucionais, consuetudinários e sagrados dos povos indígenas, às suas terras. “Nós não somos apenas da terras. Somos a terra. E sem ela não vivemos”, declarou uma das lideranças presentes na praça dos Três poderes, durante a semana passada. Foi  uma vitória mais do que política, foi uma vitória da nossa espiritualidade, da força da resistência dos nossos lideres religiosos.


Vitória da vida, da união





 Indígenas, quilombolas e das populações excluídas desse país.  Foi uma sinalização de que é possível construirmos um outro país, com as vozes e jeitos plurais, com a união da sabedoria e resistência secular ao projeto invasor e colonizador.  Fomos oxigenados em nossa esperança e desafiados a ampliar a nossa luta permanente com todas as formas de opressão e exclusão. Que os Projetos de Bem Viver iluminem nossos horizontes e alimentem nossas estratégias de um outro país e mundo são possíveis e urgentes.
Anciões e crianças, jovens e mulheres, guerreiros(as)  todos contribuíram com essa importante batalha nessa guerra sem trégua, na qual essa vitória foi importante, porém já num horizonte bem próximo são visíveis  duros embates.  É a PEC 215 que está engatilhada. É a portaria 001/2017 que o presidente Temer acabou de assinar e impor . O PL 1610, tentando escancarar as terras indígenas à ganância da mineração e assim por diante.  É fundamental continuar mobilizados e estar atentos às manobras dos inimigos, que sempre procuraram nos dividir para dominar.

 “Agora  posso morrer em paz”

Com essa  expressão a anciã  Terena, de 86 anos,  quis manifestar a importância de ainda conseguir participar dessa importante vitória indígena nesse momento histórico da resistência e afirmação de direitos dos povos originários.




Com muito esforço, com auxílio de sua bengala e mãos amigas ela conseguiu estar nesses dias na praça dos três poderes e no plenário do Supremo Tribunal Federal. No final do mês de julho dona Esther enviou um documento à Ministra presidente do STF, Carmem Lucia, ao Ministro da Justiça e ao Papa Francisco denunciando as barbaridades que os povos indígenas estão sendo vítimas, e pedindo socorro ! “A terra é nossa vida, nossa liberdade, o mais sagrado para nós indígenas, e estão tentando nos tratar como animais, nos deixando encurralados em minifúndios, para favorecer grandes agricultores....Lutamos por algo que não deveria existi luta por ser direito natural. No entanto, até nos dias de hoje estamos sobrevivendo  a COLONIZAÇÃO CONTÍNUA”, para não dizer, GENOCIDIA INDIRETO!”


Egon Heck    fotos Laila/Cimi
Cimi Secretariado Nacional
Brasília, 18 de agosto de 2017







quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Dia Internacional dos Povos Indígenas: passa o tempo, persiste o genocídio



A impressão que temos é que a história se repete. Para os povos indígenas, o que os fatos narram é um constante genocídio. Desde a usurpação da América, o que contam as ocorrências é uma realidade de perseguição e mortandade. Ano após ano. Século após século. Hoje deveria ser diferente, mas infelizmente não é. Depois das perseguições e escravismo, do aldeamento, da tutela, trazem para debate marcos teporais para os direitos que são originários, que precedem inclusive o Estado. Novamente, são teses analisadas e aplicadas em nome dos dominantes.
“Nós estamos voltando na Ditadura Militar, meus avós contam como é que os indígenas eram tratados na história. Hoje é a história que se repete. Volta o genocídio dos povos indígenas”, professa Eliseu Kaiowa Guarani.

Num contexto de retirada de direitos, como sinal de resistência, germinam feitos de esperança. Dia internacional dos povos indígenas: a presente semana é tempo de intensificar as lutas. Indígenas em todo o Brasil mobilizam-se contra o Marco Temporal. Junto a eles, entidades e parceiros escancaram as violações dos direitos indígenas em debates e conversas. Na segunda-feira (07), a Comissão de Justiça e Paz de Brasília (DF) reuniu aos fundos da Catedral Metropolitana de Brasília (DF) mulheres e homens para uma “Conversa Justa”. Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi, e Elizeu Kaiowá Guarani, secretário da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), conduziram o momento.  


Cleber Buzatto trouxe a análise sobre a conjuntura. Apresentou as realidades de forma crua e violenta, realismo do que é vida dos povos indígenas na “pátria amada, Brasil”. Casas de lonas em retomadas de territórios sagrados. Crianças indígenas que vivem em espaços que são alagados, que sofrem com o frio a beira de BRs por não contarem com uma política efetiva de demarcações das terras. Massacres regidos por pistoleiros. Na realidade, essas não são ausência do estado, mas presença de um poder que negocia somente com os colonizadores, como lembra Cleber:

“O atual governo não tem qualquer tentativa de conversação com os povos indígenas. Todas as ações dos governos têm sido acertadas entre Michel Temer e os ruralistas. E diante a conjuntura, onde Temer precisa se blindar para não ser investigado, tudo o que a bancada ruralista tem pedido o governo tem atendido. A cada semana tem uma nova ação nociva contra os povos indígenas, quilombolas, campesinos, trabalhadores sem terras”.  – Cleber Buzatto



Elizeu Lopes Guarani Kaiowa retoma a narração da história – e confirma que ela é cíclica. “Não temos mais para onde correr. Antigamente quando éramos atacados nos refugiávamos na mata. Agora no Mato Grosso do Sul só tem boi e braquiária, cana, soja e eucalipto. Temos que enfrentar os jagunços e fazendeiros”. A liderança indígena confirma as imagens apresentadas por Buzatto. “O que vocês viram em vídeo, é o que eu vivo diariamente. Essa é a nossa vida por não podermos contar com um Estado que se diz Nacional”.


Na manhã de ontem, terça-feira (09), outro pingo de esperança. A Audiência Pública realizada no Senado Federal, organizada pela Comissão de Direitos Humanos, integrou a série de iniciativas que debatem e solidarizam-se aos Direitos dos Povos Indígenas. Nos dois eventos - Catedral e Senado - foram feitas denúncias contundentes sobre as violências contra os povos indígenas em todo o país. Não há dúvida: o atual cenário é de violação e tentativa de supressão de direitos. Mesmo que as hostilidades com a vida dos povos indígenas sejam “atemporal”, vivemos o tempo considerado o mais grave das últimas décadas, inclusive mais agressiva do que o período dos anos de chumbo. Elizeu Guarani Kaiowa estava certo.
  



“O que podemos fazer?”, questionou uma senhora na Conversa de Justiça e Paz. Como ações concretas, estendeu-se o convite para que digamos juntos: Não ao Marco Temporal. A sociedade civil foi convidada a somar-se nos atos previstos para esta semana de mobilização. Centenas de indígenas e quilombolas de várias regiões do país estão em Brasília nos próximos dias. No mesmo tempo, estão previstas manifestações dos povos indígenas, quilombolas e outras populações e povos tradicionais em todo o pais. De norte a sul criaremos uma grande corrente de solidariedade e energia para que os povos indígenas tenham seus direitos tradicionais – sem marcos temporais – assegurados pela decisão do Supremo Tribunal Federal. Rituais e rezas conduzirão a peleja que nunca cessa.

Violência e violações

Foram relatados inúmeras situação de massacre e genocídio nos encontros que aconteceram nos últimos dias. A presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Lia Zanotta, ressaltou a perseguição daqueles que trabalham para denunciar as violações dos direitos indígenas. “Se criminaliza antropólogos e aliados dos povos originários para atingir e suprimir direitos indígenas”.


Luciano Maia, da 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), repartição destinada a assuntos referentes a povos indígenas e comunidades tradicionais, apontou na Audiência Pública do Senado o descaso do atual governo para políticas de promoção a vida dos povos. “Os povos indígenas sabem que nada podem esperar do governo, por isso ainda tem alguma confiança na justiça”, afirmou ao retratar a difícil conjuntura. “Estado brasileiro vem incrementando uma política de extermínio dos índios. Isso se dá especialmente pela não demarcação e respeito das terras indígenas”, relatou.

Muito além de 1988

Apesar desse cenário tétrico, em momento algum os povos indígenas têm desistido de lutar por seus direitos ou de desenvolver suas estratégias de enfrentamento para a garantia de sua vida/território. Juntamente com seus aliados, estão articulando campanhas, visitas, debates e realizam muitos rituais. Sabem que não estão sozinhos nesses embates. Contam com a sabedoria milenar e a força dos espíritos de seus ancestrais que viveram e vivem nessas terras de Abya Yala, a Ameríndia. A pergunta: qual a herança para as crianças? Eles são herdeiros da luta.

Nas andanças e enfrentamentos às políticas de morte, permanece a certeza: o direito dos povos indígenas é originário. Essa é uma garantia presente na Constituição Federal de 1988, mas que se estende pela história das comunidades e povos tradicionais. Por isso, a campanha “Nossa história não começa em 1988” lembra a todas instâncias de poder do Brasil que tradicionalidade não se negocia. 

Não ao Marco Temporal
Demarcação Já

Por Hegon Heck, do secretariado nacional- agosto 2017
Fotos Laila Menezes


Alerta máximo



Graves ameaças pairam sobre os povos indígenas.  E não é apenas a desconstrução de direitos constitucionais, mas são também projetos de saque dos recursos naturais, principalmente minérios e madeira.
Estão em curso negociações envolvendo ministérios e órgãos federais, como a Funai.
Essas ameaças se materializam em  iniciativas anti indígenas  nos três poderes do Estado

Três minutos com o general presidente da Funai

Apesar de estar agendada audiência com uma delegação de lideranças estes  foram recebidos por funcionários do órgão. Após insistência dos indígenas para falarem com o presidente da Funai, este foi logo dizendo que  poderia recebe-los apenas por alguns minutos, pois já tinha agenda com o Ministro da Justiça. Pediu às lideranças que fossem objetivos em suas manifestações. E ao receber um documento com as principais questões a serem debatidos, foi logo avisando “ Deixa passar logo uma informação.  Há poucos dias recebi uma delegação de liderança indígenas de Rondônia acompanhados de três procuradores federais da República. Todos foram unânimes em pedir a regularização da exploração mineral em terras indígenas. Esse mesmo pleito já havia sido feito pelos indígenas do Alto Rio Negro-AM. Diante da imediata reação dos indígenas manifestando sua  firma postura contra semelhante iniciativa, o general foi logo tentando acalmas as lideranças “Mas não precisam se preocupar, pois a mineração só acontecerá   onde for solicitada, não será para todos os índios”. Informou que na próxima semana estará indo para Rondônia.

A soma genocida



Em vários momentos foi alertado na imprensa,  pelo movimento indígena e aliados,  as consequências etnocida e genocidas da desconstrução e retirada de direitos constitucionais dos povos indígenas, articuladas pelas bancadas dos 3 B – Boi, Bala e Bíblia.(setores evangélicos). Essas iniciativas estão sendo reforçadas por 3 M – Mineradoras, Madeireiras e Militares ( alguns setores). Quem presenciou  o saque feito pelo setor madeireiro nas terras indígenas do sul do país, principalmente das araucárias e madeiras de lei, pode imaginar o que acontecerá na maioria das terras indígenas da Amazônia. Não menos assustador é prever as chacinas dos povos indígenas que ocorrerão em função da insaciável sanha do setor mineral, nacional e internacional. Basta lembrar  a tragédia ocorrida na década de 80 quando se estimou a morte de 1.500 Yanomami em função da invasão de seu território por aproximadamente  40 mil garimpeiros ( mantidos por empresários do garimpo).
O plano de Geopolítica implantado a partir do Projeto Calha Norte em meados da década de 80, previa uma política indigenista especial, que dentre outras coisas previa a transformação das terras indígenas em ilhas e colônias, Impedir a criação de áreas extensa, que poderiam comprometer a segurança nacional, alé dos planos de “fronteiras vivas”, ou seja estimular e fixar na faixa de fronteira “brasileiros” e não indígenas, que não tem nacionalidade, conforme afirmou, em  janeiro de  1980, o brigadeiro Protásio.
  

É bom lembrar que em 1987 o então presidente da Funai, Romero Jucá, atualmente senador, já havia concedido autorização para empresas madeireiras explorarem madeira em terras indígenas de Rondônia.

Agosto indígena

Diante desse quadro aterrorizante os povos e o movimento indígena tem organizado uma intensa pauta de mobilizações e manifestações nas regiões e em Brasília. Em a certeza de que poderão contar com o efetivo apoio da sociedade nacional que também estará levando adiante suas lutas contra o golpe e as ameaças de retrocessos. A Apib – articulação dos Povos Indígenas do Brasil, está fazendo uma convocatória a todas as pessoas de boa vontade e lutadores por um Brasil  onde todos possas  viver em paz com justiça e o Bem viver como horizonte estratégico para um novo país.
O agosto indígena, quando no dia 9 se comemorará o dia internacional dos Povos Indígenas, será mais um momento importante da secular resistência  dos povos originários.


Egon Heck
Fotos Laila Menezes
Cimi – Secretariado Nacional -  agosto de 2017







Povos Indígenas: agosto de duras batalhas



Este será certamente o mês de maiores ameaças e violência contra os povos indígenas e seus direitos. Basta olhar para as agendas e decisões anti-indígenas dos últimos meses para vislumbrar um céu cinzento, águas turvas e agitadas. Os inimigos dos povos indígenas tem pressa e presas em vista. Não admitem que os povos originários tenham terra e paz. Por esta razão intensificam a guerra, aceleram os projetos genocidas, nos três poderes.


Na década de 70 os inimigos encastelados no poder da ditadura eram mais fáceis de serem identificados. Tinham muitas armas e poucos argumentos. Os índios eram acusados de atravancarem o progresso, mas não representavam uma ameaça à ditadura. Precisavam ser eliminados sim. Mas sumiriam no horizonte da integração com o projeto de emancipação. O caminho mais seguro era a militarização da questão indígena e da Funai. Colocar tudo sob controle. As Assembleias Indígenas nacionais romperam esse odioso silêncio imposto sobre os povos nativos.

O desenvolvimentismo, integração e emancipação

O tripé sucumbiu à resistência indígena. A caserna queria fazer das terras indígenas e das aldeias uma extensão de seu poder de controle, a ferro e fogo. Mas os generais que estiveram na presidência da Funai não obtiveram êxito em seus intentos. Meio século depois parece que, com outras fardas, voltam generais à presidência da Funai,  com apoio de um batalhão poderoso nas fardas do agronegócio.

Em dezembro de  1978, O cacique Aniceto Xavante, como porta voz de representante dos povos indígenas, que tinham acabado de realizar uma grande Assembleia de caciques  conseguiu uma audiência com o general Geisel na qual pediu ao presidente para rasgar e enterrar o projeto de emancipação.  E assim aconteceu.  Mas a burguesia e elite que  domina o Estado brasileiro nunca desistiu de suas genocidas intensões de ter um Brasil sem índios.
Prova disto é a intensa artilharia ameaçando a desconstrução dos direitos indígenas conquistados, finalmente, na Carta Magna. Direitos esses,  aliás, que antecedem a formação do Estado Brasileiro, pois são originários e sagrados, nacional e internacionalmente reconhecidos.

Artilharia pesada

Neste mês de agosto tudo indica que   os  poderosos  interesses contrários aos direitos dos povos indígenas voltem ao campo de batalha  com armas pesadas como o Marco Temporal, a Pec 215 e 1610, A Portaria 303 da AGU, dentre outras armas  menos pesadas mas não menos mortíferas.

Mas não é apenas sobre as terras indígenas que pairam essas graves ameaças. Estão entre as principais vítimas tudo e todos que contrariam a voracidade dos ruralistas e outros interesses como a mineração, indústria madeireira, entre outros.  Também estão sob a mira os povos quilombolas e comunidades tradicionais, bem como a questão ambiental,  áreas de preservação.  A mãe terra será vítima desses processos de destruição.


Resistência, rituais e esperança

As duras batalhas que os povos indígenas tem pela frente fazem parte da secular dominação e das vergonhosas investidas do Estado brasileiro contra os direitos dos povos nativos.
Os povos originários estiveram, nos últimos meses, em permanente mobilização e embates na luta pelos seus direitos. Essa mobilização marcada por intensos rituais e luta política e cultural. Percorreram o Brasil e o mundo em busca de aliados e apoiadores de seus direitos, para evitar retrocesso e mais violência. Mais uma vez terão que dizer em alto o bom  tom que seus direitos são originários e que direito não tem marco e que a historia dos povos indígenas não começa em 1988. Diante desse quadro assustador a sabedoria, as rezas e esperança são as melhores armas nesse enfrentamento.

Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional
Brasília de agosto de 2017