ATL 2017

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quarta-feira, 20 de julho de 2016

Guarani-Kaiowá: o grito de socorro na Romaria dos Mártires



Os quase cinco mil romeiros, participantes das celebrações da vida e da esperança – Profetas do Reino - ouviram estarrecidos e indignados a denúncia da bárbara situação de violência contra os Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul. Representantes desse povo, participantes da Romaria, narraram o rosário de violências que estão passando na incansável luta por seus direitos, por suas terras tradicionais (tekoha).
Em tom dramático, mostraram as marcas da violência. Pedro mostrou onde penetrou a bala que se encontra alojada perto de seu coração. Leila, de Yvy Katu, na fronteira com o Paraguai, expressou a dramaticidade da luta que enfrentam na reconquista de seus territórios. Clamou por socorro, por solidariedade.
Na roda de conversa sobre a defesa do cerrado, contra o uso dos agrotóxicos e transgênicos na produção de alimentos, foi aprovada uma nota de repúdio e moção de solidariedade ao povo Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul (veja íntegra da nota/moção). Foi feito um minuto de silêncio em homenagem aos que tombaram, aos que se tornaram sementes do futuro.

A doce rebeldia e a sagrada teimosia


Momento de memória, amor e compromisso. A noite foi chegando na dança dos estandartes dos mártires presentes, ao clarão da lua e o tom suave do “luar do sertão”. Melodia conectando os corações no fogo da memória perigosa dos mártires da caminhada. Chega Pedro, chega Maria, chega a multidão de lutadores e guerreiros na suave brisa da utopia.
Com os corações incendiados pelos desmandos, corrupção e opressão, foram inevitáveis os gritos incontidos de “Fora Temer”. Em sintonia profunda com os profetas e profetizas, a multidão marchou ao som de hinos de libertação e esperança, transformação, luta, fé e união.
Muito canto, muita esperança na esquina de cada abraço, de emocionados reencontros, de históricos e novos lutadores. Nas pegadas de João Bosco e Pedro, os passos da vida e dos profetas, a esperança dá o compasso da semente lançada ao chão, do “Fica Pedro” no coração grande e se expande ao infinito do novo dia de luta.








6ª Romaria dos Mártires da Caminhada
Ribeirão Cascalheira- MT – Prelazia de São Felix do Araguaia
Egon Heck
Fotos Laila/Cimi
Secretariado Nacional do Cimi

Íntegra da nota de moção


NOTA DE REPÚDIO E MOÇÃO DE SOLIDARIEDADE
Os participantes da 6ª Romaria dos Mártires, vindos de todas as regiões do Brasil e de três continentes, a Ribeirão Cascalheira-MT, queremos denunciar o genocídio contra os índios Guarani-Kaiowá no estado do Mato Grosso do Sul, proporcionado pelos jagunços do agronegócio, acobertados pelas autoridades estaduais e federais.
O mais grave é que isso acontece na total impunidade estimulando uma verdadeira guerra contra esse povo.
Exigimos a punição dos responsáveis por esse extermínio e a demarcação imediata de suas terras.
Ribeirão Cascalheira, 17 de julho de 2016.


quarta-feira, 13 de julho de 2016

Viva o “Brasil profundo”




  
O país das raízes, da pluralidade, dos diferentes matizes, culturas, organização social, da economia coletiva e solidária, do uso coletivo do território, da convivência harmônica com a natureza e todas as formas de vida, da não acumulação, da sobriedade e simplicidade.

No Centro de Formação Vicente Cañas, estiveram reunidos 60 professores indígenas e aliados de todo o país, para avaliar a caminhada dos movimentos de articulação dos professores indígenas, preparar o 2º Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena. Foi também um momento de manter diálogo com representantes de instituições dos poderes Executivo e Legislativo, além de participar de mobilização de lideranças dos povos Pataxó, Tupinambá e Guarani-Kaiowá, denunciando as violências e tentativas de subtrair direitos constitucionais dos povos indígenas.




Participaram de atos públicos e caminhadas, de entrega de documentos nas embaixadas, chamando a atenção destas sobre as origens de muitos produtos do agronegócio produzidos em terras indígenas.
Conforme Gersen Baniwa, um dos coordenadores do Fórum de Educação Escolar Indígena, “é momento de somar e unir as forças do movimento indígena, ainda bastante fragmentado, e   dar visibilidade às raízes profundas e plurais do nosso país, através de um processo intensivo de interação e valorização da diversidade cultural, espiritual, ritual e de luta articulada pelos territórios e direitos dos povos indígenas, sofrendo pressões e ameaças de retrocessos”.

Ao ministro da Educação expuseram suas preocupações e exigiram “respeito aos direitos dos povos indígenas na gestão dos territórios etno-educacionais” e a realização da 2ª Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, no próximo ano. Houve a promessa de que não haverá descontinuidade nos programas e atividades em andamento, bem como não haverá a extinção, conforme rumores, de instituições que representaram um avanço, como a SECADI.


Mobilização e visibilidade


O 2º Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena se propõe a ser um amplo espaço com mais de 500 indígenas de todo o país, propiciando intensa relação da população com o diversidade de culturas e povos. O encontro será na UnB, em Brasília, nos dias 24 e 28 de outubro. Será uma oportunidade de mobilizar a opinião pública mediante apresentações e mostras culturais de jovens e crianças indígenas, oferecendo às crianças e jovens estudantes da educação básica e universitários, a oportunidade de interagir com a diversidade cultural indígena brasileira. O processo se dará através da realização de diversas oficinas (pintura corporal, fotografia, literatura indígena, rituais, cerimoniais em diversos espaços. Também estão propostos quatro seminários temáticos, com o intuito de aprofundar determinados temas relacionados aos direitos indígenas, valorização da diversidade cultural, educação diferenciada e de qualidade.


Curso de histórias e culturas indígenas


Teve início no dia de ontem, um sonho alimentado há três décadas pelo Cimi: propiciar a compreensão da pluralidade dos povos indígenas no país, suas lutas de resistência e afirmação de seus projetos de bem viver.  Mais de 50 participantes de todo o país, de várias áreas do conhecimento e atuação, particularmente de movimentos e pastorais sociais, professores de educação básica, pedagogos. O curso, com duração de 20 dias, tem como finalidade formar multiplicadores na qualificação para a abordagem das temáticas das culturas e das histórias dos povos.

O curso é realizado pelo Cimi, em parceria com a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), que tem sede em Foz do Iguaçu, criada em 2011 no governo Lula, em resposta aos questionamentos de que o Brasil estaria virado de costas para a América Latina. Conforme o professor Clóvis Briguenti, que conduziu o processo de aprovação do curso pela UNILA, essa é uma experiência muito importante de integração latino-americana, mas que está seriamente ameaçada com recentes atitudes do governo brasileiro, especialmente no campo financeiro (corte de recursos).

Na apresentação dos participantes, ficou evidenciada uma grande expectativa e até ansiedade em ter um momento privilegiado de troca de experiências e saberes, na perspectiva de contribuir com a luta dos povos indígenas pelos seus direitos, num processo de transformação de nossa sociedade.
Diante da constatação de que ainda somos uma sociedade altamente preconceituosa e racista para com os povos originários do nosso país, este curso será mais uma ferramenta para sensibilizar a sociedade com relação às realidades, lutas e direitos indígenas, dando visibilidade a essa realidade.

Brasília, 13 de julho de 2016.

Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional

Fotos: Laila/Cimi

quarta-feira, 6 de julho de 2016

A possível volta dos militares à Funai




Não é nenhuma casualidade a proposta de um general no comando da Funai. Alguém poderia pensar: é o começo do fim da Funai! Semelhante afirmativa vem ao encontro de um desejo arduamente acalentado por grupos reacionários no Congresso Nacional. Não é preciso fazer muito esforço para perceber que atitudes do governo com relação ao órgão indigenista caminham nesta direção. Ou alguém ainda duvida que o decreto de morte da Funai já não está na mesa sem nenhum temor ou temer? As últimas iniciativas da política indigenista são o aviso prévio. Nada mais coerente do que ter um general no comando da Funai para anunciar o seu fim. Foi o que ocorreu quando da extinção do SPI, que tinha à sua frente o major-aviador Luis Vinhas Neves.

A bem da verdade, o indigenismo do Estado brasileiro nunca se distanciou daquilo que se desenhou como seu projeto histórico, ou mais precisamente, do projeto colonial de um Brasil sem índios. Quase mil povos foram reduzidos a um pouco mais de 300. Mas os massacres, extermínios, o genocídio, a legislação pombalina e dezenas de decretos de morte, não conseguiram consolidar as políticas e práticas assimilacionistas e integracionistas. Erraram quando anunciaram de forma triunfal que o Brasil chegaria ao ano 2.000 sem índios.

A insurgência e a revolta indígenas consolidaram um processo de resistência que nenhum cientista social se aventurou a prever. Nas últimas décadas os povos indígenas se transformaram num dos atores políticos mais contestadores da ditadura e do desenvolvimentismo em prática até hoje. Infelizmente o país ainda não garantiu aos índios espaço de futuro de paz e igualdade. Mas é exatamente com sua sabedoria milenar e resistência secular que se propõem a contribuir com a construção de um novo projeto de Brasil.
E nesta semana, povos onde a invasão começou, os Pataxó e Tupinambá do extremo sul da Bahia, estão aqui para dizer em alto e bom som, que nada tem a temer, que já aguentaram e enfrentaram muitos generais e que estão cansados do cinismo da política indigenista do Estado brasileiro. Fazem leis bonitas, mas continuam com práticas genocidas.
Qual será o futuro dos mais de 100 grupos isolados que vivem basicamente na região da Amazônia? Que será dos milhares de indígenas expulsos de suas terras e empurrados para as cidades? Que será das centenas de indígenas cujos territórios serão inundados por barragens ou atravessados por estradas e outros megaprojetos a serviço das mineradoras, madeireiras, agronegócio e inúmeros outros interesses do grande capital?
Estamos num momento delicado da história do nosso país. Vamos pensar o novo a partir da raiz, da resistência, da revolta.
No que depender dos povos indígenas e seus aliados, o balão de ensaio furou. Não aceitarão um militar de volta à Funai nos dias atuais. O que o Estado brasileiro terá que fazer sem temor, será uma profunda mudança nos rumos da política indigenista, mas em diálogo respeitoso e igualitário com os povos indígenas, com vistas a um processo de descolonização da política indigenista, de suas ações e de suas instâncias.
Da escola da retomada, à retomada da escola
Um grupo de professores indígenas de várias regiões do país também está em Brasília se unindo às vozes e movimentos dos povos originários para dizer não ao retrocesso e fazer avançar na articulação dos projetos de vida, teko porã, bem viver dos povos indígenas. Também estarão manifestando sua total solidariedade aos povos indígenas em luta por seus territórios, em especial os Guarani-Kaiowá e Terena do Mato Grosso do Sul.
Os  Tupinambá que ontem entregaram documentos em várias embaixadas assim se manifestaram: "Nós povo Tupinambá da região Sul da Bahia queremos mostrar o nosso apoio e solidariedade ao povo Guarani e Kaiowá, e nossa total comoção, revolta e indignação com os recentes e constantes ataques contra nossos parentes. Nós povos indígenas sofremos quase diariamente com ataques, criminalização e perseguições. Não bestasse o sangue que nossos antepassados derramaram por essa terra com o genocídio sofrido pelo povo indígena brasileiro. Terminam a carta dizendo"Querem nos exterminar, mas cada vez que morre um indio, serve como semente e brotam novos guerreiros, pois enquanto houver índio, haverá luta pelo que é nosso por direito, que é a terra".

Egon Heck
Fotos Laila Menezes
Cimi Secretariado Nacional
Brasília, 5 de julho de 2016.



sexta-feira, 1 de julho de 2016

MATOPIBA É MORTE QUEREMOS A VIDA







Um forte vento  se uniu ás vozes, gritos e clamores contra o projeto de morte, o PDA  MATOPIBA( Plano de Desenvolvimento Agrícola)  no segundo dia da 3ª Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins. Palmas- TO está sendo o palco desse histórico evento onde os povos originários se unem aos quilombolas, camponeses, acadêmicos, para juntos traçarem estratégias para o enfrentamento desse modelo de desenvolvimento, predador, destruidor, criminoso e genocida, que está sendo implantado com euforia e aval do governo e apoiado com recursos públicos.

“Nós não vamos deixar o MATOPIBA passar” exclama a liderança Kraho, Gercília “O Rio Vermelho está morrendo. Eu protejo o rio sagrado. Não vamos deixar roubar nossas terras e matar os rios e as matas. Falo  do que está dentro do meu coração, não sei falar bonito em português, mas quero dizer a vocês que o  MATOPIBA não vai vingar”

Antonio Apinajé destacou a gravidade do momento de sérias ameaças à vida e ao futuro das comunidades e aldeias “A gente fica atordoado, perturbado com esses projetos como o MATOPIBA. Estamos construindo união com os quilombolas, camponeses na defesa da Mãe Terra. Precisamos lutar juntos, fortalecer a cultura, nossas raízes para ter mais força no enfrentamento com esses poderosos”.

O secretário do Cimi, Cleber Buzatto,  chamou atenção para a agressividade com que os setores antiniindígenas estão  procurando desconstruir direitos e conquistas dos povos indígenas nas últimas décadas. “É preciso dar continuidade à mobilização permanente dos povos indígenas, ampliando suas alianças com as populações do campo”.

Rituais de vida e resistência

Ivo Poletto, que há décadas vem acompanhando e denunciando a destruição do cerrado lembrou que na verdade o MATOPIBA é a reedição de projetos como o PRODECER, implantado pelo ditador Geisel, em 1978, com a entrega de grande parte do cerrado a multinacionais japonesas. Agora vemos a mesma lógica se repetindo. “E uma loucura o que está sendo feito” e conclamou todos “seja profetas da Vida. Tenham amor e respeito sagrado pela terra. O cerrado diz seu não desesperado a esse desastre total Deem a vossa mensagem do Bem Viver”.


Para o procurador da República Felício Pontes, “o MATOPIBA é o projeto final de destruição do cerrado”. Destacou que a voracidade com que o atual modelo capitalista busca sugar os recursos naturais está baseada em quatro pilares: madeira, pecuária, monocultura e mineração” Esse modelo caminha celeremente  para o esgotamento deixando em seu caminho os rastros de morte e destruição.” Alertou para as gravíssimas consequências de semelhantes projetos, não apenas para o cerrado, mas com fortes impactos sobre praticamente  todos os biomas, em especial para a  Amazônia, que tem os berços de seus mananciais de água no bioma do cerrado. Destacou que é obrigação constitucional do Ministério Público a defesa das populações que vão sendo atingidas por esses projetos e sugeriu  ações e debates que deem visibilidade a esse grave situação e que se realize uma audiência pública em Brasília, sobre o MATOPIBA.  Mostrou com números como os governos vem destinando recursos públicos para promover a destruição. É contra esses monstros que temos que lutar.

O Procurador Alvaro Manzano, de Palmas, mostrou a continuidade do modelo desenvolvimentista gerando grave desagregação social nas populações do cerrado.

Alfredo Wagner professor da Universidade Federal do Amazonas,  mostrou o descalabro do momento atual, onde sequer existe uma definição clara sobre o lugar institucional para resolver a questão da demarcação das terras indígenas e quilombolas. E neste quadro caótico de desconstrução de direitos, o agronegócio avança incontrolavelmente. Mostrou com números o importante espaço de terras coletivas, garantidas ou reivindicadas, e que poderiam configurar uma  esperançosa garantia de vida de populações e da natureza. Mas que infelizmente, apesar das garantias legais e constitucionais, não estão seguras diante da voracidade do atual modelo de desenvolvimento. Todos os direitos estão ameaçados. “Estamos numa encruzilhada. Temos que admitir nossas fraquezas, contradições  e esfacelamentos. É preciso unir as forças e escolher um novo caminho. Estivemos imobilizados por muito tempo. É hora de  fazer os enfrentamentos locais, somar as resistências locais e ir somando forças.


Luta comum


Os debates mostraram que é urgente avançar na unificação das lutas. É preciso enfrentar sem medo.
Na parte da tarde foi feito uma importante passeata pelo centro da cidade, conclamando a população para se unir aos povos indígenas, quilombolas, populações e comunidades tradicionais, camponeses e todos os lutadores pela vida, para “defender nossos rios, nossa água, nossa casa comum.
Quase 500 cruzes simbolizando o longo processo de extermínio e destruição, foram fincadas numa das praças centrais da cidade. No folheto que foi distribuído  à população trazia importantes informações sobre as graves consequências de destruição da vida pelo atual modelo de desenvolvimento. “Vocês estão percebendo que o Rio Tocantins está morrendo? Ele está cada da mais estreito e está pedindo socorro. É pelo desmatamento que, em média, desaparecem 10 pequenos rios no Cerrado, por ano...
Território livres, florestas sagradas, fontes de águas puras! Vamos somar, unir forças na defesa da nossa Mãe Terra. Se a Casa  é Comum, a luta também é Comum.

O final da manifestação foi na Assembleia Legislativa, onde foi entregue um documento e um questionamento de projetos aprovados pelos deputados:” Queremos também dizer o nosso não ao projeto MATOPIBA  que com os correntões da morte, ameaça destruir  o cerrado  no qual apenas restam  menos de30% da vegetação nativa. Caso esse projeto for implementado, em poucos anos  não restará quase nada do cerrado e estaremos sujeitos a una catastrófica falta de água. E a que restar estará cada vez mais contaminada e escassa, pois as nascentes secarão e nossos rios serão mortos.”

Egon Heck
Cimi GOTO
Palmas,  junho de 2016