ATL 2017

ATL 2017

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Povos Indígenas no Brasil: gritos da violência


Há mais de duas décadas se repete um ritual que ecoa como um grito ensurdecedor pelo país e mundo afora. É o lançamento do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, organizado pelo Cimi, com informações recolhidas na imprensa, com as comunidades indígenas, os missionários do Cimi e instituições públicas e privadas, relacionadas com a questão indígena. É um recolher criterioso dos gritos de mais de 300 povos indígenas e em torno de 100 comunidades/grupos de povos isolados, em situação de isolamento voluntário, na Amazônia brasileira. Apesar de não conseguir ser revelador da totalidade do sofrimento, dor e crueldades e violências contra os povos indígenas, é sem dúvida uma denúncia inequívoca de que continuamos sendo um país contra os seus povos originários.
O desejo seria que esse relatório fosse diminuindo a cada ano, com o crescimento da consciência do povo brasileiro com relação ao respeito aos direitos, vida e dignidade desses povos e a ação enérgica do Estado na defesa constitucional dos direitos indígenas e punição dos infratores. Lamentavelmente está ocorrendo o contrário. A cada ano vemos e sentimos que as violências vêm aumentando. De chofre surge, como uma flecha no coração do sistema e do poder, a interrogação fatal: até quando? Ao ultrapassar o umbral dessa vergonha nacional nos sentimos todos, de alguma forma, cúmplices dessa secular e atual violência, etnocídio e genocídio.

Esse relatório deveria ser livro de cabeceira dos responsáveis por essa situação. Que o sangue derramado, as vidas ceifadas, a natureza destruída, as culturas e religiões indígenas vilipendiadas, soassem diuturnamente na cabeça e consciência dos responsáveis por esse sistema e situação iníqua a clamar por justiça e reparação.

O lançamento do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil com os dados de 2014, contou com a presença do Secretário Geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner. Ele enfatizou que a violência contra os povos indígenas exige de todos nós uma conversão em nosso modo de nos relacionarmos com esses povos e que atinja nossos corações. O presidente do Cimi, Dom Erwin Kraütler, que vem há anos fazendo pronunciamentos e manifestações contundentes em defesa dos direitos dos povos indígenas, exorta uma vez mais a ações concretas e urgentes que acabem com as violências impetradas contra os povos indígenas em nosso país.

Lúcia Rangel, antropóloga, que nos últimos anos vem coordenando a pesquisa e elaboração dos dados do relatório, lembrou que a publicação é dedicada a um dos esteios das lutas contra as violências que vitimaram os povos indígenas nas últimas décadas. Pe. Antônio Iasi, que faleceu no início deste ano, foi um bravo lutador e um exemplo de compromisso radical com a vida e os direitos dos povos indígenas.  A antropóloga destacou o grande aumento das violências durante o ano de 2014. Lembrou que as violências atingem principalmente os jovens indígenas: “Essa é uma realidade latino-americana”.

Tito Vilhalva, Kaiowá Guarani, do Mato Grosso do Sul, veio com muita disposição para denunciar que continuam matando seu povo de diversas maneiras. Ele é liderança de Guyraroká, terra indígena já reconhecida, mas cujo processo foi recentemente anulado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Fato esse, como outros do mesmo teor, considerados extremamente graves e preocupantes. De certa forma essa decisão sinaliza para a total insegurança de qualquer terra indígena no país.

Cleber Buzatto, secretário do Cimi, chamou atenção para a intensa campanha anti indígena registrada nos Três Poderes no ano que passou. A intenção dessas articulações é destruir os projetos de vida dos povos indígenas. A causa principal das violências continua sendo o não reconhecimento, demarcação e respeito às terras e territórios indígenas.

 A voz do Papa pela vida dos povos aborígenes/indígenas e o respeito à criação, à natureza

“A encíclica sobre ecologia é uma declaração de amor à humanidade e aos povos indígenas”, expressou o deputado Edmilson, no final do lançamento do relatório de Violência. E concluiu dizendo que “não existe dignidade da sociedade brasileira se não houver a dignidade dos povos indígenas”.


Dom Erwin também fez referência às citações do Papa Francisco em sua recente encíclica sobre ecologia. Disse estar feliz por terem sido contempladas as questões às quais fez menção pessoalmente no encontro com o Papa: a questão indígena e a Amazônia.
No próximo mês o Papa Francisco irá se encontrar com os movimentos sociais da América Latina, na Bolívia. Quem sabe os relatórios e relatos de violências contra os povos indígenas e seus projetos de vida possam aos poucos diminuir e emergir um novo cenário em nosso continente marcado por tantas contradições e violações de direitos.

Egon Heck,   fotos: Laila
Cimi Secretariado Nacional
Brasília, 21 de junho de 2015.





sexta-feira, 19 de junho de 2015

Governo-PT tentam retomar Funai

Tudo se passa no compasso de um grande silêncio. Em tempos idos haveria uma gritaria geral ou intensa movimentação de bastidores. Como diriam os críticos, a Funai como moeda de troca estaria rolando de um canto para outro nos desencantos de sua tortuosa existência. Umas poucas vozes se ergueram pedindo a efetivação do atual presidente interino Flavio. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, diante da solicitação dos índios, se limitou a dizer: “Esse ou outro”. Prevaleceu o outro. Sua missão é alinhar novamente a questão indígena com a política de desenvolvimento do governo Dilma, buscando contornar conflitos e harmonizar interesses e direitos, antagônicos, de modo a não arranhar a imagem do país. Trata-se, como dizia a imprensa, de um dos “ mais complicados cargos do governo federal”. Concretamente é fazer coro à falida e falaciosa política das “mesas de negociação ou diálogo”, como única ação concebível na concepção do ministro da Justiça . E com a benção da presidente Dilma, evitar qualquer movimento na perspectiva de regularização de terras indígenas.  Tudo deverá ficar absolutamente parado.

A tortuosa política indigenista de Lula e Dilma

No início do governo Lula, a temática indígena era uma questão de honra para o partido. Afinal de contas havia sido elaborado, com o movimento indígena, entidades indigenista e instâncias do PT, um plano de política indigenista, no qual constavam, como prioridades, a realização de uma Conferência Nacional de Política Indigenista, que deveria ocorrer ainda no primeiro ano do primeiro mandato de Lula. Lá já se foram inúmeros carnavais e só para este ano está previsto a realização da mesma.  Também constava nesse programa a criação urgente do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). Até hoje não se concretizou, ficando restringido à esquálida figura da Comissão. Também constava como urgente a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, o que só aconteceu no segundo mandato. E dentre os compromissos assumidos por Lula, um deles era demarcar todas as terras indígenas até o final do primeiro mandato.
O que vimos de lá para cá foi um festival de violência e impunidade, criminalização de lideranças e comunidades indígenas, redução de terras indígenas, invasões e esbulho dos recursos naturais e uma pífia atuação da Funai ou total omissão do governo.

A carcaça da Funai e seus presidentes

O jornalista Eduardo Almeida, um dos articuladores do programa de política indigenista do governo Lula, permaneceu poucos meses no cargo, sendo derrubado por pressões, como noticiou a imprensa à época: “Pressões dos fazendeiros, políticos , ruralistas e o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi... O governador e os ruralistas querem mais áreas para derrubar cerrado e mata pré-amazônica para ampliar a fronteira agrícola, aumentar os lucros... E as terras indígenas, assim como unidades de conservação, representam um entrave para esse modelo de desenvolvimento a qualquer custo” (Via Ecológica  14/08/2003). O curto mandato de Eduardo foi conturbado, a ponto de ficar 75 dias sem poder entrar em seu gabinete.  Ao ser exonerado, desabafou: “Nunca pensei que seria perseguido na era Lula” (ESP 5/08/2003). Afirmou que o indigenismo brasileiro (governo) estava na UTI e que as instituições do Estado  são herdeiras da tradição colonialista excludente. Grande parte de seu tempo foi dedicado à preparação da Conferência Nacional de Política Indigenista.
Eduardo foi substituído pelo antropólogo Mércio Gomes, sob fortes contestações do movimento indígena e indigenistas. Sua nomeação para o cargo foi considerado um desprezo aos povos indígenas. Diante de uma Funai sucateada e sem dinheiro,  ressuscitou a teoria de que “os índios dever produzir excedente para  que possam vender e não precisem mais pedir ajuda. Não temos dinheiro nem para  a assistência indígena e nem para a demarcação”. E nesse embalo ressurgiram as propostas da municipalização e estadualização da questão indígena.
Sua permanência na presidência do órgão foi tumultuada e cheia de tensões e contradições.  Condenou os povos indígenas à invisibilidade política, insignificância na agenda, e destituída dos recursos mínimos necessários.
Da Funai de generais a antropólogos,  de apadrinhados políticos a indigenistas militantes, o que caberá a João Pedro, ex Senador, como 36º presidente do órgão indigenista do governo? Em um momento de investida massiva contra os direitos dos povos indígenas, um mínimo que os povos esperam é um diálogo permanente e decisão firme de lutar pelo não retrocesso ou retirada de direitos e reinício imediato do processo de regularização das terras indígenas. Os povos indígenas e seus aliados estão mobilizados para exigir, no mínimo, o cumprimento da Constituição e os direitos inscritos na legislação internacional, como a Convenção 169 da OIT e a Declaração dos Direitos Indígenas, da ONU. Não acreditarão mais em promessas, exigem ação imediata.
Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional
Brasília 17 de junho de 2015



sábado, 13 de junho de 2015

Awa Guajá em Brasília – A escola que queremos


Apesar da desintruzão da Terra Indígena Awa, no início do ano passado, continua a pressão de políticos, fazendeiros e madeireiros. Como exemplo citaram a estrada de Paragominas(PA) que vai até Zé Doca no Maranhão e que atravessa a terra indígena. Essa situação requer uma vigilância permanente, para impedir novamente invasões. 

Existe muita pressão de reinvasão especialmente na região do igarapé Mão de Onça, onde vivem vários grupos de índios isolados. Há pouco tempo foi vista uma família de isolados  próximo à aldeia Juriti.

Figura 1. Foto: Cimi-MA: Comissão Awa e membros do CNE. Junho de 2015

Três lideranças do povo Awa do Maranhão estão em Brasília para falar das ameaças de reinvasão e da escola que querem para se defender dos (brancos-não indígenas). Apesar da complexidade da questão e da ambígua relação do Estado brasileiro e sua burocracia com relação à educação escolar indígena, existe aí desenvolvida uma experiência de 15 anos por uma equipe do Cimi, inspirada nos ensinamentos de Paulo Freire, em Bartomeu Meliá, entre outros, que inspiram processos de educação escolar indígena,  autônomos   e de descolonização. A aldeia Awa está exigindo a construção de uma escola onde possam desenvolver a educação escolar que querem e que lentamente foi sendo construída em mais de uma década de convivência, e apoio à comunidade. Querem que a escola seja reconhecida como escola comunitária. Com seu Plano Político Pedagógico, baseado em suas pedagogias e valores educativos, orientada pelo tempo e pedagogia Awa. É esse tipo de escola que os Awa querem que seja reconhecida e apoiada, financeiramente pelo MEC.


Amiri, Majakatӯ e Warixa’a, com assessoria do Cimi, apesar de certa dificuldade de entender e se expressar  em português , tiveram reunião no CNE pela manhã e reunião  na Funai à tarde.
As reuniões/debates tiveram inicio em 2013, no reunião no Ministério Público Federal (Ma), com a presença de representantes de várias instituições, dentre as quais o Conselho Estadual de Educação do Maranhão, Universidade Federal do Maranhão, Ministério Público de São Luiz e da 6ª Câmara, Comissão de Direitos Humanos da OAB, FUNAI,MEC  e Cimi.


Deixaram claro que vieram para exigir o reconhecimento e apoio  à escola como eles vem fazendo e como eles querem levar adiante.  Mas querem  uma escola que ajude os Awa a se defender contra as permanentes ameaças, sem perder sua cultura. No debate ficou claro que não querem a escola do invasor, mas uma escola que possa fortalecer sua cultura para um enfrentamento tão desigual.
“Não viemos passear em Brasília. Viemos atrás de escola.  Funai diz que Awa vai perder cultura. Nos queremos aprender dois língua: materna e português. Queremos nos defender”, expressou uma das lideranças. Existe um debate desafiador  a ser continuado e um emaranhado de empecilhos burocráticos a serem superados.  Com essa viagem a Brasília esperam desobstruir alguns canais que lhes permitam, dentro dos direitos constitucionais conquistados, avançar no processo que eles entendem melhor para sua auto defesa e autonomia.


Esperam que o empenho  e apoio manifestado pelos representantes do governo se transforme em  realidade, ou seja,  a construção da escola como desejam.

Os Awa e os Kaiowá Guarani

Os Awa lembram dos seus parentes Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul.  Há algum tempo  fizeram uma visita a esse povo. Ficaram impressionados com a situação de sofrimento, falta de terra e invasões das terras indígenas.  Atribuíram essa lamentável situação à falta de flechas. E aos acampamentos visitados entregaram, simbolicamente,  um arco com várias flechas. Estas são até hoje cuidadosamente guardadas e levadas para reuniões, encontros e Aty Guasu.


Na semana passada mais uma Comissão de parlamentares, articulada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara, esteve visitando os Kaiowá Guarani, na fronteira com o Paraguai. Viram, ouviram, se emocionaram. Criaram expectativas. Prometeram apoio a seus direitos. Fizeram contundente pronunciamento na Câmara dos deputados.  O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Paulo Pimentel, externou sua indignação com o que viu e exigiu, por parte do governo federal, medidas urgentes para atacar as causas de tanta violência, assassinatos, suicídios, fome,  genocídio, ou seja, a urgente regularização e demarcação das terras indígenas desse povo.

Que este não seja apenas mais um relatório. Não é a falta de conhecimento da realidade que permite que se chegue a essa situação brutal.  É a conjunção dos três poderes da república que vem permitindo e estimulando esse etnocídio e extermínio.
 



Egon Heck
Cimi Secretariado nacional

Brasília, 12 de junho de 2015