A memoria e a
verdade mais do que resultados, produtos, relatórios, são processos coletivos e
individuais, de lutas por direitos históricos, por reparação
e justiça. Com essa percepção e
dentro de um momento conjuntural
propícia a iniciativas nesta perspectiva, que foi criada, em agosto de
2013 a Comissão Indígena da Verdade e Justiça.
E tempo
favorável à emergência de verdades ocultadas por décadas e séculos. É a insurgente memória perigosa, que aflora e
busca seu espaço nos processos de mudanças e transformações sociais, na
construção de novas sociedades.
A Comissão Nacional da Verdade, criada por pressão da
sociedade civil, em 2012, ensejou a criação de inúmeras comissões país afora, à
semelhança do que ocorreu em outros países da América do Sul, como Argentina e
Chile. Foi nesse bojo que se constituiu a Comissão Indígena da Verdade e Justiça,
criada pelo movimento indígena e aliados. São ferramentas para dar vazão a urgente
necessidade de passar a história colonialista a limpo e dar a voz e a vez às
vítimas, aos oprimidos, em especial os que sempre foram preteridos e relegados
a segundo plano e discriminados, como no caso dos povos indígenas.
A Comissão Indígena
da Verdade e Justiça esteve reunida em Brasília para avaliar o andamento dos
trabalhos e traçar rumos e definir
estratégias. Participaram lideranças indígenas, pela Articulação dos
Povos Indígenas do Brasil – APIB, Coiab, Apoime, Atyguasu, Arpinsul e entidades
aliadas, dentre as quais o Cimi, Armazém da Memória, Universidade
Federal da Grande Dourados dentre outros.
Num rápido
relance da caminhada foram levantados principais desafios e perspectivas.
Todos manifestaram seu desejo de
contribuir para que esse instrumento de luta pelos direitos indígenas se
consolide e desperte a consciência nacional quanto às violências e genocídio a
que foram submetidas as populações indígenas, especialmente pela ditadura
militar. Mais do que um bom relatório a Comissão Indígena alimenta a esperança
de que se dê visibilidade a fatos marcantes que causaram a morte de
aproximadamente 10 mil indígenas durante os 20 anos de ditadura militar. Em
consequência de chacinas, transferências forçadas, epidemias,
pacificações apressadas, torturas, assassinatos, milhares de indígenas,
centenas de aldeias foram destruídas.
Um dos objetivos
da Comissão Indígena da Verdade e Justiça é dar visibilidade a esses fatos, através
de depoimentos e revelação de documentação histórica. Dessa forma também
esperam contribuir com o relatório da
Comissão Nacional da Verdade, previsto para ser concluído até o final deste
ano. Porém o mais importante é que a revelação desse processo de negação de
direitos, violências e genocídio não se repita e perpetue em nosso país.
Otoniel Kaiowá observou
que é importante trazer os velhos pra falar porque eles conhecem toda história.
Diz que devemos demonstrar que não existem fronteiras e essas pesquisas vão
ajudar a fortalecer a dimensão territorial. Foi dado muita ênfase aos cuidados
indispensáveis para a realização dos relatos e depoimentos nas aldeias, sendo
isso fundamentalmente uma atividade dos próprios acadêmicos e professores indígenas.
Com isso se estará respeitando o espaço, o tempo e a cultura de cada povo, a
situação concreta de cada comunidade e a compreensão de cada depoente. Já
existem atividades em curso, dentro desses princípios, conforme relatou o
professor Neimar, da UFGD. Dia 21 foi realizado um passo importante com
audiência-depoimentos de representantes de 5 aldeias/tekohá, em Dourados.
Outra dimensão importante do trabalho é que se chegue a
fazer reparação coletiva aos povos indígenas, dentro das perspectivas que está
trabalhando o Ministério Publico Federal. Uma das ações que está sendo movida é
pelo MPF do Amazonas, com relação aos Tenharim.
Foram elencados quase duas dezenas de povos que tiveram
inúmeras mortes diretamente cometidas por agentes do Estado brasileiro ou em
decorrências de suas políticas desenvolvimentistas, para que esses fatos sejam
levantados em depoimentos e documentos para serem revelados à opinião pública.
Também foi visto e discutida uma proposta de publicação em
mais de uma dezena de tomos, relatando extensamente todo esse processo de
violência e mortandade sofridas pelos povos indígenas em nosso país.
Com muita determinação e realismo, sem ilusões quanto as
dificuldades a serem enfrentadas, os membros da Comissão Indígena da Verdade e
Justiça estará se empenhando cada vez mais para que mais pessoas, aliados e
voluntários da causa se empenhem na luta pela verdade, sem medo e justiça sem
subterfúgios.
Egon Heck
Cimi-secretariado
Brasilia, 22 de fevereiro de 2014
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