“Um povo que não sabe de onde vem,
jamais saberá para onde ir.
Um povo sem consciência histórica,
jamais terá consciência ideológica”
(Conselho Mundial dos Povos Indígenas, 1980)
Quando começa a baixar a poeira das urnas eletrônicas, digitais
ou não, é hora de um lento e atento olhar para os rumos e roncos das urnas.
Nesse turbilhão de olhares, talvez em sua maioria descrentes ou decepcionados
no caminho, emergem os povos indígenas.
Como nas últimas décadas, não foi difícil contar o número
dos indígenas eleitos, prefeitos ou vereadores. A percentagem é pequena. Porém,
podemos garimpar alguns números e resultados expressivos. Os
Terena, do Mato Grosso do Sul comemoraram o fato de passarem de um para cinco vereadores.
No Acre, pela primeira vez na história, os povos indígenas elegeram um prefeito.
Os povos indígenas do Alto Rio Negro elegeram parentes para ocupar os cargos de
prefeito e vice-prefeito em São Gabriel da Cachoeira. Eles já haviam eleito
Pedro Tariano no final do século passado. Os Xakriabá, em Minas Gerais, reelegeram o
prefeito de São João das Missões. E assim poderíamos continuar pontuando alguns
resultados positivos para os povos indígenas.
Nas redes sociais, os
indígenas eleitos agradecem os eleitores ou são gratificados pelos resultados
obtidos. Outros manifestam seu desejo de
continuar suas lutas pelos seus direitos nesses novos espaços. Neste sentido,
vale lembrar a articulação dos parlamentares (vereadores indígenas) do Mato
Grosso do Sul, por iniciativa do indigenista, professor Antonio Brand (in memoriam), através de encontros e
debates sobre as possibilidades e limites de cada um em seus municípios e em
conjunto enquanto indígenas.
O grande desafio colocado, não apenas aos vereadores e
prefeitos, mas ao movimento indígena é conseguir efetivamente fazer um bom
trabalho numa conjuntura que é cada vez mais adversa aos direitos dos povos
originários. Por outro lado, temos uma política partidária confusa, marcada
pela forte corrupção gerando um descrédito e descontentamento cada vez maior na
sociedade e movimentos sociais e populares, bem como nos povos e comunidades
tradicionais.
Nos três poderes vemos avançar iniciativas contrárias aos
direitos dos povos indígenas, com ênfase no Legislativo com a tropa de choque
antiindígena encastelada na bancada ruralista. Já reconstituíram a CPI da Funai
e do Incra e deixaram a PEC 215 na marca do pênalti. E nessas investidas contra
os direitos indígenas certamente estarão contando com o novo governo que deixou
a Funai sem norte, e ainda mais pobre e subserviente. Ao movimento indígena e seus representantes
eleitos, só resta a continuidade da mobilização permanente, desde as aldeias
até Brasília. O importante é consolidar o movimento indígena, ampliar as
alianças e fortalecer a resistência. Só assim talvez consigam se livrar das
armadilhas e das trilhas da corrupção e cooptação a que estarão permanentemente
submetidos
Nas trilhas do Bem
Viver
Nessa conjuntura de retrocessos no país e no continente, são
preciosas as lutas vitoriosas e as conquistas de reconhecimento de direitos e
os avanços constitucionais e na prática em países como Equador e Bolívia. O
reconhecimento da plurinacionalidade, dos direitos da Mãe Terra, do Bem Viver, da
interculturalidade e da justiça indígena, são indiscutivelmente avanços e
referências para os movimentos indígenas no continente e no mundo.
“O bem Viver é eminentemente subversivo. Propõem saídas
descolonizadoras em todos os âmbitos da vida Humana. O Bem Viver não é um
simples conceito. É uma vivência” (Alberto Acosta).
O Bem Viver, a partir das lutas dos povos por seus
territórios, é a alma da resistência e o novo horizonte a nos iluminar o
caminho. É antes de mais nada a contestação cabal do sistema capitalista, onde
não há espaço para os povos indígenas, nem para aqueles que sonham e lutam por
um país melhor para todos.
Egon Heck
Cimi – Secretariado Nacional
Brasília, primavera de 2016
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