ATL 2017

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quinta-feira, 9 de julho de 2015

Brasil campeão



Jogos Mundiais dos Povos Indígenas

“A presidenta Dilma Rousseff participou da cerimônia e garantiu presença na abertura, em outubro. Para o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, os jogos ajudam a projetar o Brasil no cenário internacional. "Os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas são mais um gesto nosso no sentido de se abrir para o mundo, mostrando a nossa capacidade de oferecer oportunidades a todos de crescer, se desenvolver e se alegrar", afirmou Alves. Segundo ele, o evento ressalta características positivas do país. "Mostramos um Brasil democrático, que respeita a própria história e as diferenças", afirmou. É a primeira vez que um evento esportivo-cultural reúne uma diversidade tão grande de etnias.”(Jornal do Turismo 24/06/15)
Depois de muitos revezes, finalmente um  chance de ser campeão. Acrescente violência contra os povos indígenas, com centenas de assassinatos de lideranças, nos últimos anos;  a tentativa de suprimir direitos indígenas da Constituição; as leituras e decisões reducionistas a partir do “marco temporal”; as condicionantes da Raposa Serra do Sol, sendo estendidas para demais processos de regularização de terras indígenas; as inúmeras iniciativas no Congresso (quase um centena de projetos contra os direitos indígenas), visando impedir o reconhecimento dos direitos constitucionais dos povos indígenas; poderíamos continuar perfilando um rosário de ações e omissões do Estado brasileiro, que o habilitam a ser campeão de violências e violações dos direitos indígenas.
Como dantes, em dois tempos/momentos o país assumiu o reconhecimento e regularização de todas as terras indígenas (Estatuto do Índio/1973 e Constituição federal/1988), prazos esses olimpicamente descumpridos, e mais recentemente o próprio presidente Lula se comprometeu realizar todas as demarcações de terras indígenas  e não fez quase nada neste sentido. Chegou a vez da presidente Dilma fazer um gol. Ao que tudo indica, será um gol contra.
Mas ainda é tempo. Restam quase três meses para que uma força tarefa, como jamais vista neste país,  como jamais vista neste país, mobilizando toda a sociedade e o Estado brasileiro para o pagamento da dívida eterna, através da demarcação de todas as terras indígenas, possibilitando uma vida digna com autonomia e respeito aos projetos históricos desses povos. Só assim poderemos dizer que somos “ um Brasil democrático, que respeita a própria história e as diferenças”. Quem viver verá!

Povos Indígenas da Bahia exigem seus direitos

Com a mesma perplexidade da invasão primeira, há 515 anos, os Pataxó, Pataxó Hã-hã-hai, Tupinambá, dentre outros, estão agora no Brasil central, mais precisamente nas praças e palácios dos poderes em Brasília, para identificar os invasores, suas motivações e estratégias, para combate-los com maior eficácia e exigir seus direitos.
Movidos por uma grande força histórica de resistência e espiritualidade, seus rituais estarão inundando os diversos espaços do poder e seus braços de dominação e corrupção. Sua pauta principal é a regularização de seus territórios e uma saúde de qualidade, diante do descalabro em que a Sesai transformou o atendimento a esses povos.

Egydio, com ou sem título, cidadão amazonense

È um dos guerreiros destacados desse país, Egydio ,talvez mais do que qualquer outro cidadão desse Brasil, ´foi e é um aguerrido lutador pela vida, um intrépido e incansável defensor dos povos indígenas,  inflexível e radical defensor da natureza, em especial da Amazônia. Mais do que merecedor de cidadão de uma região, é cidadão do Brasil e do mundo.

Batalhador e um dos articuladores da OPAN e do Cimi, Egydio sempre buscou se inserir na radicalidade dos processos de transformação dentro do Igreja e na sociedade. Foi e é um dos críticos ferrenhos das políticas do Estado brasileiro e sua nefasta política indigenista.  Com a mesma dedicação e radicalidade defende a importância das abelhas para a continuidade da vida no planeta Terra. Com Egydio partilhei, caminhos, sonhos e sofrimentos nestas veias abertas da América latina e em especial no Brasil. A ele nós do Cimi  temos muita gratidão e carinho pelo que já fez e continua fazendo pelos povos indígenas deste Pais e dessa Ameríndia, ainda na paixão. Com especial destaque para os Kiña-Waimiri Atroari, a quem dedicou momentos especiais de sua vida.


O gesto mais forte que me lembra nesse dia, o Egydio guerreiro, é seu gesto emblemático de queimar em praça pública, em Presidente Figueiredo, seu título de eleitor. Foi a expressão máxima que encontrou para externar sua revolta e indignação com o descalabro , malvadezas e acintes escabrosos da política local. Com ou sem título de eleitor e cidadão amazonense em seus 80 anos de vida, tens nosso total reconhecimento, admiração e apoio.
 Certamente essa nossa homenagem se estende com todo carinho a Dorothy, que igualmente deu a sua vida por essa causa.

Egon Heck
Cimi Secretariado nacional
Brasília 7 de julho de 2015






segunda-feira, 22 de junho de 2015

Povos Indígenas no Brasil: gritos da violência


Há mais de duas décadas se repete um ritual que ecoa como um grito ensurdecedor pelo país e mundo afora. É o lançamento do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, organizado pelo Cimi, com informações recolhidas na imprensa, com as comunidades indígenas, os missionários do Cimi e instituições públicas e privadas, relacionadas com a questão indígena. É um recolher criterioso dos gritos de mais de 300 povos indígenas e em torno de 100 comunidades/grupos de povos isolados, em situação de isolamento voluntário, na Amazônia brasileira. Apesar de não conseguir ser revelador da totalidade do sofrimento, dor e crueldades e violências contra os povos indígenas, é sem dúvida uma denúncia inequívoca de que continuamos sendo um país contra os seus povos originários.
O desejo seria que esse relatório fosse diminuindo a cada ano, com o crescimento da consciência do povo brasileiro com relação ao respeito aos direitos, vida e dignidade desses povos e a ação enérgica do Estado na defesa constitucional dos direitos indígenas e punição dos infratores. Lamentavelmente está ocorrendo o contrário. A cada ano vemos e sentimos que as violências vêm aumentando. De chofre surge, como uma flecha no coração do sistema e do poder, a interrogação fatal: até quando? Ao ultrapassar o umbral dessa vergonha nacional nos sentimos todos, de alguma forma, cúmplices dessa secular e atual violência, etnocídio e genocídio.

Esse relatório deveria ser livro de cabeceira dos responsáveis por essa situação. Que o sangue derramado, as vidas ceifadas, a natureza destruída, as culturas e religiões indígenas vilipendiadas, soassem diuturnamente na cabeça e consciência dos responsáveis por esse sistema e situação iníqua a clamar por justiça e reparação.

O lançamento do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil com os dados de 2014, contou com a presença do Secretário Geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner. Ele enfatizou que a violência contra os povos indígenas exige de todos nós uma conversão em nosso modo de nos relacionarmos com esses povos e que atinja nossos corações. O presidente do Cimi, Dom Erwin Kraütler, que vem há anos fazendo pronunciamentos e manifestações contundentes em defesa dos direitos dos povos indígenas, exorta uma vez mais a ações concretas e urgentes que acabem com as violências impetradas contra os povos indígenas em nosso país.

Lúcia Rangel, antropóloga, que nos últimos anos vem coordenando a pesquisa e elaboração dos dados do relatório, lembrou que a publicação é dedicada a um dos esteios das lutas contra as violências que vitimaram os povos indígenas nas últimas décadas. Pe. Antônio Iasi, que faleceu no início deste ano, foi um bravo lutador e um exemplo de compromisso radical com a vida e os direitos dos povos indígenas.  A antropóloga destacou o grande aumento das violências durante o ano de 2014. Lembrou que as violências atingem principalmente os jovens indígenas: “Essa é uma realidade latino-americana”.

Tito Vilhalva, Kaiowá Guarani, do Mato Grosso do Sul, veio com muita disposição para denunciar que continuam matando seu povo de diversas maneiras. Ele é liderança de Guyraroká, terra indígena já reconhecida, mas cujo processo foi recentemente anulado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Fato esse, como outros do mesmo teor, considerados extremamente graves e preocupantes. De certa forma essa decisão sinaliza para a total insegurança de qualquer terra indígena no país.

Cleber Buzatto, secretário do Cimi, chamou atenção para a intensa campanha anti indígena registrada nos Três Poderes no ano que passou. A intenção dessas articulações é destruir os projetos de vida dos povos indígenas. A causa principal das violências continua sendo o não reconhecimento, demarcação e respeito às terras e territórios indígenas.

 A voz do Papa pela vida dos povos aborígenes/indígenas e o respeito à criação, à natureza

“A encíclica sobre ecologia é uma declaração de amor à humanidade e aos povos indígenas”, expressou o deputado Edmilson, no final do lançamento do relatório de Violência. E concluiu dizendo que “não existe dignidade da sociedade brasileira se não houver a dignidade dos povos indígenas”.


Dom Erwin também fez referência às citações do Papa Francisco em sua recente encíclica sobre ecologia. Disse estar feliz por terem sido contempladas as questões às quais fez menção pessoalmente no encontro com o Papa: a questão indígena e a Amazônia.
No próximo mês o Papa Francisco irá se encontrar com os movimentos sociais da América Latina, na Bolívia. Quem sabe os relatórios e relatos de violências contra os povos indígenas e seus projetos de vida possam aos poucos diminuir e emergir um novo cenário em nosso continente marcado por tantas contradições e violações de direitos.

Egon Heck,   fotos: Laila
Cimi Secretariado Nacional
Brasília, 21 de junho de 2015.





sexta-feira, 19 de junho de 2015

Governo-PT tentam retomar Funai

Tudo se passa no compasso de um grande silêncio. Em tempos idos haveria uma gritaria geral ou intensa movimentação de bastidores. Como diriam os críticos, a Funai como moeda de troca estaria rolando de um canto para outro nos desencantos de sua tortuosa existência. Umas poucas vozes se ergueram pedindo a efetivação do atual presidente interino Flavio. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, diante da solicitação dos índios, se limitou a dizer: “Esse ou outro”. Prevaleceu o outro. Sua missão é alinhar novamente a questão indígena com a política de desenvolvimento do governo Dilma, buscando contornar conflitos e harmonizar interesses e direitos, antagônicos, de modo a não arranhar a imagem do país. Trata-se, como dizia a imprensa, de um dos “ mais complicados cargos do governo federal”. Concretamente é fazer coro à falida e falaciosa política das “mesas de negociação ou diálogo”, como única ação concebível na concepção do ministro da Justiça . E com a benção da presidente Dilma, evitar qualquer movimento na perspectiva de regularização de terras indígenas.  Tudo deverá ficar absolutamente parado.

A tortuosa política indigenista de Lula e Dilma

No início do governo Lula, a temática indígena era uma questão de honra para o partido. Afinal de contas havia sido elaborado, com o movimento indígena, entidades indigenista e instâncias do PT, um plano de política indigenista, no qual constavam, como prioridades, a realização de uma Conferência Nacional de Política Indigenista, que deveria ocorrer ainda no primeiro ano do primeiro mandato de Lula. Lá já se foram inúmeros carnavais e só para este ano está previsto a realização da mesma.  Também constava nesse programa a criação urgente do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). Até hoje não se concretizou, ficando restringido à esquálida figura da Comissão. Também constava como urgente a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, o que só aconteceu no segundo mandato. E dentre os compromissos assumidos por Lula, um deles era demarcar todas as terras indígenas até o final do primeiro mandato.
O que vimos de lá para cá foi um festival de violência e impunidade, criminalização de lideranças e comunidades indígenas, redução de terras indígenas, invasões e esbulho dos recursos naturais e uma pífia atuação da Funai ou total omissão do governo.

A carcaça da Funai e seus presidentes

O jornalista Eduardo Almeida, um dos articuladores do programa de política indigenista do governo Lula, permaneceu poucos meses no cargo, sendo derrubado por pressões, como noticiou a imprensa à época: “Pressões dos fazendeiros, políticos , ruralistas e o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi... O governador e os ruralistas querem mais áreas para derrubar cerrado e mata pré-amazônica para ampliar a fronteira agrícola, aumentar os lucros... E as terras indígenas, assim como unidades de conservação, representam um entrave para esse modelo de desenvolvimento a qualquer custo” (Via Ecológica  14/08/2003). O curto mandato de Eduardo foi conturbado, a ponto de ficar 75 dias sem poder entrar em seu gabinete.  Ao ser exonerado, desabafou: “Nunca pensei que seria perseguido na era Lula” (ESP 5/08/2003). Afirmou que o indigenismo brasileiro (governo) estava na UTI e que as instituições do Estado  são herdeiras da tradição colonialista excludente. Grande parte de seu tempo foi dedicado à preparação da Conferência Nacional de Política Indigenista.
Eduardo foi substituído pelo antropólogo Mércio Gomes, sob fortes contestações do movimento indígena e indigenistas. Sua nomeação para o cargo foi considerado um desprezo aos povos indígenas. Diante de uma Funai sucateada e sem dinheiro,  ressuscitou a teoria de que “os índios dever produzir excedente para  que possam vender e não precisem mais pedir ajuda. Não temos dinheiro nem para  a assistência indígena e nem para a demarcação”. E nesse embalo ressurgiram as propostas da municipalização e estadualização da questão indígena.
Sua permanência na presidência do órgão foi tumultuada e cheia de tensões e contradições.  Condenou os povos indígenas à invisibilidade política, insignificância na agenda, e destituída dos recursos mínimos necessários.
Da Funai de generais a antropólogos,  de apadrinhados políticos a indigenistas militantes, o que caberá a João Pedro, ex Senador, como 36º presidente do órgão indigenista do governo? Em um momento de investida massiva contra os direitos dos povos indígenas, um mínimo que os povos esperam é um diálogo permanente e decisão firme de lutar pelo não retrocesso ou retirada de direitos e reinício imediato do processo de regularização das terras indígenas. Os povos indígenas e seus aliados estão mobilizados para exigir, no mínimo, o cumprimento da Constituição e os direitos inscritos na legislação internacional, como a Convenção 169 da OIT e a Declaração dos Direitos Indígenas, da ONU. Não acreditarão mais em promessas, exigem ação imediata.
Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional
Brasília 17 de junho de 2015



sábado, 13 de junho de 2015

Awa Guajá em Brasília – A escola que queremos


Apesar da desintruzão da Terra Indígena Awa, no início do ano passado, continua a pressão de políticos, fazendeiros e madeireiros. Como exemplo citaram a estrada de Paragominas(PA) que vai até Zé Doca no Maranhão e que atravessa a terra indígena. Essa situação requer uma vigilância permanente, para impedir novamente invasões. 

Existe muita pressão de reinvasão especialmente na região do igarapé Mão de Onça, onde vivem vários grupos de índios isolados. Há pouco tempo foi vista uma família de isolados  próximo à aldeia Juriti.

Figura 1. Foto: Cimi-MA: Comissão Awa e membros do CNE. Junho de 2015

Três lideranças do povo Awa do Maranhão estão em Brasília para falar das ameaças de reinvasão e da escola que querem para se defender dos (brancos-não indígenas). Apesar da complexidade da questão e da ambígua relação do Estado brasileiro e sua burocracia com relação à educação escolar indígena, existe aí desenvolvida uma experiência de 15 anos por uma equipe do Cimi, inspirada nos ensinamentos de Paulo Freire, em Bartomeu Meliá, entre outros, que inspiram processos de educação escolar indígena,  autônomos   e de descolonização. A aldeia Awa está exigindo a construção de uma escola onde possam desenvolver a educação escolar que querem e que lentamente foi sendo construída em mais de uma década de convivência, e apoio à comunidade. Querem que a escola seja reconhecida como escola comunitária. Com seu Plano Político Pedagógico, baseado em suas pedagogias e valores educativos, orientada pelo tempo e pedagogia Awa. É esse tipo de escola que os Awa querem que seja reconhecida e apoiada, financeiramente pelo MEC.


Amiri, Majakatӯ e Warixa’a, com assessoria do Cimi, apesar de certa dificuldade de entender e se expressar  em português , tiveram reunião no CNE pela manhã e reunião  na Funai à tarde.
As reuniões/debates tiveram inicio em 2013, no reunião no Ministério Público Federal (Ma), com a presença de representantes de várias instituições, dentre as quais o Conselho Estadual de Educação do Maranhão, Universidade Federal do Maranhão, Ministério Público de São Luiz e da 6ª Câmara, Comissão de Direitos Humanos da OAB, FUNAI,MEC  e Cimi.


Deixaram claro que vieram para exigir o reconhecimento e apoio  à escola como eles vem fazendo e como eles querem levar adiante.  Mas querem  uma escola que ajude os Awa a se defender contra as permanentes ameaças, sem perder sua cultura. No debate ficou claro que não querem a escola do invasor, mas uma escola que possa fortalecer sua cultura para um enfrentamento tão desigual.
“Não viemos passear em Brasília. Viemos atrás de escola.  Funai diz que Awa vai perder cultura. Nos queremos aprender dois língua: materna e português. Queremos nos defender”, expressou uma das lideranças. Existe um debate desafiador  a ser continuado e um emaranhado de empecilhos burocráticos a serem superados.  Com essa viagem a Brasília esperam desobstruir alguns canais que lhes permitam, dentro dos direitos constitucionais conquistados, avançar no processo que eles entendem melhor para sua auto defesa e autonomia.


Esperam que o empenho  e apoio manifestado pelos representantes do governo se transforme em  realidade, ou seja,  a construção da escola como desejam.

Os Awa e os Kaiowá Guarani

Os Awa lembram dos seus parentes Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul.  Há algum tempo  fizeram uma visita a esse povo. Ficaram impressionados com a situação de sofrimento, falta de terra e invasões das terras indígenas.  Atribuíram essa lamentável situação à falta de flechas. E aos acampamentos visitados entregaram, simbolicamente,  um arco com várias flechas. Estas são até hoje cuidadosamente guardadas e levadas para reuniões, encontros e Aty Guasu.


Na semana passada mais uma Comissão de parlamentares, articulada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara, esteve visitando os Kaiowá Guarani, na fronteira com o Paraguai. Viram, ouviram, se emocionaram. Criaram expectativas. Prometeram apoio a seus direitos. Fizeram contundente pronunciamento na Câmara dos deputados.  O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Paulo Pimentel, externou sua indignação com o que viu e exigiu, por parte do governo federal, medidas urgentes para atacar as causas de tanta violência, assassinatos, suicídios, fome,  genocídio, ou seja, a urgente regularização e demarcação das terras indígenas desse povo.

Que este não seja apenas mais um relatório. Não é a falta de conhecimento da realidade que permite que se chegue a essa situação brutal.  É a conjunção dos três poderes da república que vem permitindo e estimulando esse etnocídio e extermínio.
 



Egon Heck
Cimi Secretariado nacional

Brasília, 12 de junho de 2015

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Kaingang em Brasília: entre trancos e barrancos

Sentados sobre tocos de madeira, sob a sombra de um centenário pinheiro (pinus araucária), lideranças Kaingang, vão desfilando suas dores seculares e traçando as estratégias de luta pela terra, pela vida, pelas florestas e o meio ambiente.  Vão aquecendo seus corpos e corações nas chamas das grimpas, nas quais estão assando os deliciosos pinhões. Não falta a rodada do chimarrão que ajuda a aquecer as ideias e a indignação. Cenas comuns em meados do século passado.

Hoje, em Brasília, rodando pelos espaços dos Três Poderes, os guerreiros Kaingang do Rio Grande do Sul, sentem a aridez, não apenas do clima, mas dos corações endurecidos pela ânsia do poder e dos privilégios.  Os “brancos” que invadiram suas terras, derrubaram as florestas, poluíram os rios e rasgaram o ventre da mãe terra e de seus filhos, vociferam contra os índios acusando-os de terem terra demais, e que são indignos de continuar em cima das terras produtivas cobiçadas pelo agronegócio.




Revoltados, trilham os caminhos do diálogo, da escuta paciente, das falas iradas, da sensibilização e da conquista de solidariedade e alianças. Não é fácil. Como habitantes originários dessas terras brasis, sentem a dor sufocante da secular dominação, do desprezo e racismo, da invasão permanente de seus territórios, da sua cultura e autonomia.

Memória como arma

O povo Kaingang, é um dos povos do tronco linguístico Jê, guerreiros que ocupavam vastos territórios desse Brasil sul e central, que opuseram enérgica resistência à invasão de suas terras, recursos naturais, cultura e alma. Ainda hoje os povos desse tronco linguístico – como os Xavante, Xerente, Krahô, Kayapó dentre outros
.
Com o avanço das frentes de ocupação e colonização, principalmente por alemães, italianos e poloneses, a partir do século 19, os Kaingang foram sendo empurrados para pequenas extensões de terra, verdadeiros confinamentos. Mesmo essas terras Kaingang demarcadas, foram sendo alvos de sucessivos esbulhos, principalmente a partir de meados do século 20.
A situação de invasão dessas reservas indígenas chegou a uma situação dramática na década de 1970, quando áreas como Nonoai estavam ocupadas por dez mil colonos e um mil indígenas Kaingang e uns poucos Guarani. O mesmo fenômeno se deu em praticamente todas as reservas indígenas do sul do país.  As invasões massivas eram estimuladas especialmente por governantes e políticos na certeza de que essas terras seriam tiradas dos índios e repartidas entre os colonos, fazendeiros e latifundiários.

O grito de revolta e libertação

“Ou nós morremos embaixo dos pés dos invasores, ou colocamos esses intrusos pra fora das nossas terras”. Essa foi a decisão tomada pelos Kaingang na década de 1970. De um conflito dos Guarani com invasores da terra indígena de Guarapuava-PR, em dezembro de 1977, foi a faísca que faltava para deflagrar o movimento de desintrusão das terras indígenas do sul do Brasil. A ação estratégica e guerreira de Nonoai foi emblemática.  Queimando seis escolas de brancos numa mesma noite, praticamente inviabilizaram a resistência dos invasores. O movimento de desintrusão se alastrou como fogo na restinga, em todas as reservas indígenas do Sul do Brasil. Milhares de famílias de não indígenas foram retiradas das áreas como um verdadeiro movimento de retomada das terras e libertação do aguilhão opressor.

Agora os Kaingang do Rio Grande do Sul, estão reorganizando o grito de revolta e luta para garantir seus direitos, especialmente suas terras. Dezenas de acampamentos indígenas clamam por providências urgentes. Diante da inércia e irredutibilidade dos Três Poderes, aos Kaingang resta o retorno às suas terras e a autodemarcação.

Fechando a rodovia em frente ao Palácio do Planalto, conseguiram marcar um encontro com o ministro-Geral da Presidência da República e outros representantes de ministérios. Infelizmente nada de mais concreto poderão levar para suas terras.  As ameaças a seus direitos continuam nos Três Poderes. Porém, a presença é uma forma de dizer em alto e bom tom, “não passarão sobre nossos direitos, a não ser passando sobre nossos cadáveres”.

A presença em Brasília, nessa semana, foi uma vitória importante da mobilização indígena nacional. Foi dada continuidade ao processo de resistência e luta definido pelo movimento indígena. Estiveram nas ruas, nas praças, nos ministérios, no Palácio do Planalto, na Câmara dos Deputados e no Senado, e também no Supremo Tribunal Federal. Pintaram seus corpos com os símbolos das metades Kaimé e Kainrukre, levaram flechas e bordunas, nessa guerra sem trégua, pelos seus direitos. Escreveram cartas, protocolaram documentos, exigiram respeito aos seus direitos e o cumprimento da Constituição e legislação internacional.

Apoiaram a iniciativa dos senadores que conseguiram 42 assinaturas (mais da metade) contra a PEC 215: “A confirmação de direitos de minorias não pode ficar suscetível a maiorias temporárias. A demarcação é um ato técnico e declaratório. É incabível trazer essa matéria para o âmbito do Congresso, um equívoco jurídico e politico, um atentado aos direitos dos povos indígenas”.
Entre trancos e barrancos, barreiras e policiais, burocracias e meias verdades, maldades incrustrados no poder adverso, seguirão lutando, com a força guerreira e a proteção de Topen. Seguirão preocupados para suas aldeias, mas com a certeza de mais um passo importante na conquista de seus direitos a um chão, no Rio Grande do Sul.

Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional

Brasília, 27 de maio de 2015.

sábado, 23 de maio de 2015

Eternamente interinos?


“Declare-se interino o presidente da Funai e se preciso for  o mesmo se repita  nas várias instâncias do órgão...assim estaremos acorrentando um incômodo órgão, cuja missão contraditória, é defender os índios  desde que não atrapalhem os interesses maiores que se encastelaram no Estadobrasileiro...” Um pesadelo. Uma realidade. O começo do fim? 

Num olhar de soslaio para mais de meio século de Funai, certamente poderíamos escrever alguns livros retratando uma trajetória marcada por mil e uma peripécias, nessa sua nobre missão de defender os povos indígenas e seus direitos, garantindo a proteção de suas vidas, sua cultura, seus territórios e bens materiais e imateriais.

Poderíamos começar pelo primeiro dia da Fundação Nacional do Índio. Antes só existiam os escombros do carcomido Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que havia se transformado no maior antro de corrupção e violência da história desse país. A nascente Funai herdou de seu antecessor em torno de 700 funcionários. Destes, no dizer do procurador Jader de Figueiredo, que presidiu a comissão de sindicância do SPI em 1967, talvez uns 10 não estariam incluídos na lista de irregularidades em sua atuação. Naquele primeiro dia, as intensões eram louváveis. Se constituiu um conselho que seria o responsável pela atuação do órgão. As mãos estariam limpas. Mas o jogo de interesses antiindígenas não mudou e não permitiu com que ações efetivamente de proteção aos direitos dos povos indígenas fossem colocadas em prática pelo então governo da ditadura militar. Restou então ao coordenador do Conselho, o jornalista Queiroz Campos, transformar-se no primeiro presidente da Funai.

Mais de meio século depois, outros 35 presidentes do órgão iriam capitanear o sucateamento da instituição, até transformá-la num esquálido ente com a missão permanente de ser e não ser a executora de deploráveis políticas antiindígenas, ou a falta das mesmas. Na melhor das hipóteses, tímidos bocejos de defesa dos direitos indígenas.
Nos caminhos e descaminhos do órgão indigenista do governo passaram generais, capitães e coronéis, bem como padrinhos e apadrinhados políticos como Romero Jucá.

Nesse breve história, teve de tudo. Presidente da Funai que foi derrubado pelos índios antes mesmo de assumir, outro teve apenas um dia de presidência. Juruna e os Xavantes tiveram uma incidência marcante sobre a direção do órgão.  Os militares impuseram seu bastão e suas armas a serviço do controle dos índios, seus territórios e saque dos recursos naturais. Apadrinhados políticos houve vários. Alguns chegaram a afirmar que para ser presidente da Funai não precisava entender de índios, mas somente de administração. Teve os arautos de novas políticas indigenistas, que morreram na praia com toda sua boa vontade. Entidades indigenistas tentaram dar novos rumos ao órgão, em vão! Alguns arautos de boa vontade chegaram a fazer exigências, nobres e urgentes, para assumir a presidência do órgão.

A última estratégia deste festival de incongruências está sendo o da eterna interinidade, sinalizando que os direitos indígenas também sejam interinos. Mas essa cilada não passará incólume. A delegação dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, cobrou do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Miguel Rosseto, uma resposta urgente sobre a efetivação do atual interino na presidência do órgão. “Exigimos do Poder Executivo respeito ao órgão indigenista, a Funai, consolidando o hoje presidente interino, pois é um cargo que demanda habilidade técnica e não política”. Porém, deixaram claro que é preciso mudar a relação do Estado brasileiro com os povos indígenas, e não simplesmente a efetivação de alguém na presidência da Funai.

Apesar de não terem nenhuma ilusão de que isso irá mudar substancialmente as políticas efetivas do órgão, acreditam que assim poderá ter um pouco de oxigênio na defesa dos direitos dos povos indígenas na atualidade.

Pelo fim da Funai

Ruralistas, membros da Comissão Especial da PEC 215, um tanto constrangidos com a presença de indígenas do Mato Grosso do Sul, não contiveram sua sanha contra esses povos  apontando sua artilharia pesada e fúria contra a Funai. “Se é para acabar com a Funai assino embaixo. Ela está com seu prazo de validade vencido”.  E perguntavam com malícia e ironia: “Onde a Funai quer chegar? Dizem que os índios já ocupam 12% do território brasileiro e a Funai com as terras indígenas desse tamanho quer chegar a 22%?” E passaram a desfilar números enganosos e inverídicos numa clara intenção de reforçar seus pelotões antiindígenas. 
Não é novidade o pedido de extinção da Funai, que a rigor é um desejo de extinção dos índios. Isso aconteceu diversas vezes nas últimas décadas. Diversas comissões parlamentares de inquérito foram criadas ou propostas: CPI do Índio ou CPI da Funai, CPI contra o Cimi, CPI da Amazônia. Todas com objetivo claro de impedir que os direitos constitucionais dos povos indígenas fossem respeitados.

Em vários momentos, diante das acusações e arroubos conta os direitos indígenas, a plateia manifestou sua repulsa e indignação gritando: “Nos respeitem... Não falem mentiras... Chega de enganação”.

A sessão pela demarcação das terras indígenas, solicitada e coordenada pela deputada Janete Capiberibe, teve a grande maioria das intervenções favoráveis aos indígenas e seus direitos. Vale destacar a exposição de Marcelo Zelic que pontuou a ação desastrosa das políticas do Estado brasileiro com relação dos povos indígenas, conclamando para uma efetiva reparação aos povos nativos, o mínimo a ser feito para começar uma pagar a dívida histórica.

Além da urgente demarcação das terras indígenas, foi também pedido o “fim da interinidade falaciosa” que tem sido imposta aos últimos presidentes da Funai.

A maratona contra a PEC 215 e todas as iniciativas dos Três Poderes visando tirar ou limitar os direitos indígenas, continuam. Muita reza e o fim da paciência e da impunidade: “Reforçamos que não aceitaremos estes ataques, denunciamos que as ações neste sentido são inconstitucionais e criminosas. Aqui estamos, resistiremos e dizemos que se o Governo e Estado Brasileiro seguir com estes desmontes não nos restará alternativa se não retomarmos nossos territórios e buscar a justiça que nos cabe com as nossas próprias mãos. Nós, povos do Mato Grosso do Sul, estamos unidos neste sentido com todos os povos do Brasil para parar estes projetos de morte ou morrer pela vida de nosso povo” (Moção dos Povos Indígenas do Mato Grosso do Sul l à sociedade e Estado brasileira).

Egon Heck
Cimi – Secretariado Nacional
Brasília 20 de maio de 2015 


Indios dizem não à “mesa de negociação”




A delegação de 53 lideranças indígenas do Mato Grosso do Sul tiveram nessa quarta-feira (20) um encontro com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Esperavam respostas concretas com relação à assinatura das 12 portarias declaratórias que estão sob sua mesa.  Queriam também saber o porquê da paralisação total dos procedimentos de regularização das terras indígenas. Além disso, queriam saber quais são as iniciativas para dar segurança às comunidades e suas lideranças, que estão sendo diariamente ameaçados de morte. Grassa na região total impunidade em que matadores de índios viram heróis. Pediram também que o atual presidente interino da Fundação Nacional do Índio (Funai) seja efetivado no cargo.

O ministro Cardozo, escutado atrás das falaciosas “mesas de diálogo”, repetiu em exaustão que o clima não está bom, e que não vê nenhuma ação viável a não ser essas mesas, que os índios qualificam como enganação: “ Para nós a vida é um sonho rápido que fica em algum lugar entre a fome e a bala do fazendeiro. Até quando, senhor ministro? Quando na história deste país tivemos uma “conjuntura” favorável a nós? Tudo que temos são nosso direitos, e exigimos seu cumprimento”, insistiram as lideranças em documento entregue ao Ministério da Justiça na manhã desta quinta-feira (21).

Mensalão do diálogo

As aludidas mesas de diálogo são, pelos povos indígenas, comparados às mesadas dos invasores, ou a um mensalão de lucros fáceis e abundantes, com a exploração das terras e recursos naturais das terras indígenas há décadas. “Os latifundiários e os poderosos, senhor ministro, não querem diálogo, mas a nossa morte. Basta lembrar os inúmeros massacres e extermínio de nossos povos, caracterizando um genocídio e holocausto dos povos nativos e originários deste continente e do nosso país”.
Estarrecidos e indignados, os povos indígenas do Mato Grosso do Sul afirmam na carta: “Ao descumprir com suas obrigações e com as atribuições do órgão que representa, negando-se a dar continuidade aos procedimentos demarcatórios, o senhor não nos deixa outra escolha se não partirmos para a retomada de nossos territórios, questão que tentamos impedir deixando nossas famílias e nossos afazeres e vindo até Brasília buscar o diálogo com o senhor”.



Retornaremos


Em tom indignado, a liderança do Ypoy desabafou dizendo ao ministro que talvez não volte, pois poderá ter sido assassinado, mas virão outros lutadores, até que a terra seja demarcada. Na carta ao ministro reiteram: “Até lá saibam que não aceitaremos as mesas de diálogo, não seremos enganados de novo. Desta nossa reunião não ficamos com nada se não a certeza de que para nós não existe a possibilidade no momento de termos respeitados nossos direitos previstos na Constituição Federal de 1988. Infelizmente é isso que temos para levar a nosso povo em nosso retorno”.
Ao final das duas horas de exposição da dramática situação dos povos, aldeias e acampamentos indígenas no estado, campeão de violência contra os povos indígenas, e da irredutibilidade do ministro da Justiça de fazer avançar os processos de demarcação das terras e outras providências, o encontro terminou em mais uma frustração: “É uma pena que sintamos que em nome das “mesas de diálogo” a possibilidade de diálogo com o Executivo está acabando, senhor ministro, e como dissemos para o senhor, a inércia nas demarcações só

os deixam uma escolha, retomar nossas terras por meio da única força que temos. Se isso acontecer morreremos.”

Na carta protocolada nesta manhã no Ministério da Justiça, os índios manifestam sua revolta, mas acreditam nas forças de seus guerreiros e ancestrais, para continuarem a luta até a vitória final.

Egon Heck
Secretariado nacional do Cimi
Brasília, 22 de maio de 2015