ATL 2017

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segunda-feira, 21 de março de 2016

Povos e Comunidades tradicionais: violências, temores e caminhos


“Nossos líderes não são mortos, mas plantados, e nós somos os frutos, continuando a luta”, afirmou uma das lideranças indígenas presente no  “Encontro  de articulação das Pastorais e Povos do Campo”, realizado na semana passada no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia.  Vários depoimentos de outras lideranças expressaram os mesmos sentimentos. “Estamos rodeados de jagunços...vivemos ameaçados...a qualquer momento podemos ser mortos”.




Num momento de  profunda crise e incertezas, foi muito importante  refletir e traçar estratégias de luta para evitar retrocessos  nos direitos das comunidades e povos tradicionais, como os povos indígenas, quilombolas, pescadores, migrantes, dentre outros.

Ao analisar a conjuntura, a partir de cada segmento social e do conjunto das populações no campo,  percebeu-se a importância de  uma manifestação conjunta. No documento  foram expressos os temores e compromissos  dos membros das Pastorais do Campo e representantes dos povos e comunidades que vivem e lutam na terra e pela terra.  “não podemos permitir que as conquistas democráticas e que os direitos civis, políticos e sociais sejam mais uma vez afrontados pela forca da intolerância, do conservadorismo e da violência, física e/ou institucional...gerando um  clima de instabilidade, violência e medo”. (Carta Aberta e Defesa da Democracia Brasileira)

Apesar  das apreensões que vinham das ruas e dos corações de milhões de brasileiros, os trabalhos fluíram cm a serenidade e indignação necessárias,  para fazer avançar a construção de um novo projeto para o país, onde sejam respeitadas e valorizadas as diversidades culturais, as sabedorias seculares,  as formas de viver e conviver com a natureza e todas as formas de vida, com justiça social e dignidade.

Nesta caminhada são fundamentais os processos formativos de militantes e lutadores , animados e impulsionados por uma espiritualidade e mística que ajude a enfrentar  os interesses e poderes responsáveis por tanto sofrimento e violência.  Os povos e comunidades tradicionais tem sido permanentemente espoliados  de seus direitos de viver na e da terra, em paz e harmonia. Foram e continuam sendo pressionados e expulsos da terra pelo avanço do agronegócio e dos grandes projetos  de mineração, hidrelétricas rodovias, hidrovias e outros tantos projetos do grande capital.


Xô Matopiba


Um dos temas analisados foi o ameaçador Plano de Desenvolvimento Matopiba o qual se insere na lógica desenvolvimentista e que põem em risco o que resta do bioma Cerrado, pois é o carro chefe da política do agronegócio  implementado pela atual ministra do Agricultura, Katia Abreu. É considerada a última fronteira agrícola do país.  É neste bioma em que vivem mais de 20 milhões de pessoas, sendo uma das regiões de proporcionalmente  maior população vivendo no interior. Portanto toda essa população, e com maior intensidade as populações tradicionais, povos indígenas, quilombolas, pescadores, camponeses e todos os que vivem da terra estarão fatalmente impactados e sua sobrevivência no cerrado ameaçada.
Estudos mostram que “se toda essa devastação continuar no Cerrado, terá o fim o bioma e as principais fontes de água do Brasil e da América do Sul” (Manifesto dos Povos do Cerrado no Dia Mundial da Água”.  No mesmo documento os povos do cerrado exigem o “reconhecimento do Cerrado como Patrimônio Nacional, com aprovação da Lei 504/2010...é importante que o governo federal garanta a demarcação dos Territórios Indígenas, regularização e titulação das terras dos  Quilombolas, Geraizeiros, Retireiros, Ribeirinhos, Pescadores, Vazanteiros e o assentamento dos Sem Terra”.


O grito das águas

Foto Fernando Lopes – Utiariti - MT
 
Recentemente ouvi o clamor dramático de aldeias indígenas passando sede ou sendo obrigados a ingerir águas contaminadas pelas monoculturas do agronegócio. É cruel assistirmos cenas de sede num dos países de maior volume de água doce do planeta. O que parecia inimaginável até pouco tempo, já estamos presenciando.

“O Cerrado, berço das águas, não só está ameaçado, como tem sido assassinado dia após dia. E se ele for extinto levará consigo a água que chega às torneiras, usada para beber, banhar, cozinhar, molhar as plantações, dar de beber aos animais...” No manifesto dos Povos do Cerrado propõem que “a proteção das águas tinha que ser questão de segurança nacional, por que se o Cerrado for extinto, leva ao fim dos rios e dos reservatórios de água”(Altair Sales)

Tempos de mobilizar a esperança, articular sonhos, ampliar a união e alianças, indignar-se invocar nossos mártires e guerreiros para a grande luta pela Vida.

Egon Heck    fotos Laila/Cimi
Cimi, Secretariado Nacional
Brasilia, 21 de março de 2016




domingo, 28 de fevereiro de 2016

A volta às aldeias Tupinambá e Pataxó




Depois do grito de socorro, de denúncia e solidariedade, a volta às aldeias dos guerreiros, lideranças e caciques. Valeu a luta. Avançaremos. Muito toré, muito ritual. A companhia dos encantados nos deu forças.



“Voltaremos para as nossas bases, mais encorajados e mais conscientes de nossas responsabilidades, como povos indígenas, quanto a gravidade da crise no país e nossa responsabilidade em contribuir com a construção de alternativas que passem por maior justiça social, desconcentração da renda e novas formas de exercício de poder, que evitem a vergonhosa corrupção e malversação do dinheiro público”.

Conforme a Federação das Nações Indígenas Pataxó e Tupinambá – FINPAT,  articuladora da presença da delegação indígena em Brasília, “esperamos ter dado nossa contribuição com a luta dos povos indígenas pelos nossos direitos. Nesse momento crítico da história do nosso país,  estaremos mobilizados e dando nossa contribuição com as transformações necessárias, para que esse seja de fato um país para todos. Esperamos ampliar nossas alianças e solidariedade com as populações tradicionais e setores que lutam pelas mudanças profundas e urgentes. Voltamos para nossas comunidades e aldeias com o coração esperançoso e a certeza de que as nossas ações, contatos, debates, diálogos, pressões e enfrentamentos tornaram esse primeiro momento de mobilização nacional dos povos indígenas, neste novo ano. Lutar sempre, essa  é a nossa disposição”.

Voltam para casa um pouco decepcionados com a burocracia e a falta de posições políticas claras e decisões efetivas diante das situações dramáticas de violências e desrespeito aos seus direitos constitucionais e originários, especialmente com relação aos seus territórios. É lamentável que funcionários de diversos órgãos fiquem uns jogando as responsabilidades para outros, resultando em omissões criminosas e violências estruturais: “Funai, Incra, Ibama, ICMBio e Sesai deveriam ter, no mínimo, o bom senso de dialogar sobre as suas posturas com relação aos nossos direitos e agirem de forma convergente e coerente”.

Terras Indígenas e a sobreposição de Unidades de Conservação




Uma das denúncias que vieram fazer, mais uma vez, foi relacionada ao Parque Nacional do Descobrimento (PND) e o Parque Nacional do Monte Pascoal. Dois espaços históricos e para os indígenas Pataxó, simbólicos e sagrados.

Em documentos entregues durante os últimos anos reafirmaram as denúncias: “Os crimes que sofremos com as irregularidades permitidas pelo órgão fiscalizador, estão atingindo diretamente nossos direitos originais em nossa terra e ao nosso sangue. Crimes como a garimpagem dentro da reserva, contrabando de animais silvestres, fazendas que não tem limite e desmatam tanto na reserva como nas áreas clandestinas das fazendas; serrarias ilegais operam à luz do dia sem nenhuma fiscalização do ICMBio atual;  a mineradora  Monte Pascoal está em atividade degradatória extraindo o caulim e afetando os lençóis freáticos de nossas bacias hidrográficas; o eucalipto que ate lei municipal existe e a justiça não acontece; onde está a monocultura está secando todas as nossas nascentes de nossa região e novos plantios estão sendo feitos e nenhuma providência tem sido tomada para mudar essas ações criminosas”.

No documento entregue às autoridades os Pataxó pedem que sejam punidas as violências e difamações cometidas por agentes do órgão ambiental, “que durante todo o processo que discute a terra indígena, dupla afetação e uma suposta gestão partilhada da Área do Parque Nacional do Descobrimento, vem nos ignorando e criando situações para expor a nossa imagem como se nós fossemos os destruidores e não eles”.

Essa situação de sobreposição de unidades de conservação em terras indígenas se dá em várias regiões do país. Infelizmente, uma mentalidade muitas vezes preconceituosa impede de se fazer um processo de diálogo igualitário e respeitoso, com a valorização do conhecimento e sabedoria com relação à preservação ambiental.
Ficou agendado com o ministro da Casa Civil um encontro para o dia 4 de março,  com a presença de uma delegação Pataxó e responsáveis pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação Biológica).


O drama da falta de água nas aldeias


A situação é calamitosa em algumas aldeias Pataxó e Tupinambá por falta de água para consumo da população. Quando tem é poluída, sem condições de ser aproveitada. As denúncias e soluções urgentes foram exigidas dos órgãos responsáveis pelo saneamento básico nas aldeias e mais precisamente a SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena). A ineficácia desse órgão diante dos clamores por soluções imediatas deixou os índios revoltados
.
Ficou mais uma vez a promessa da coordenação da SESAI de visitar as aldeias para perceber a gravidade da situação, e propor medidas urgentes, pois “a população não sobrevive sem água”.
Uma das medidas estruturais sugeridas é a recuperação ambiental como única saída para que se volte a ter água de boa qualidade, de forma permanente.

Egon Heck  fotos: Laila Menezes/Cimi

Cimi Secretariado Nacional
Centro de Formação Vicente Canhas, 26 de fevereiro de 2016






quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Povos indígenas do Brasil: situação cada vez pior!

Povos indígenas do Brasil: situação cada vez pior!



O dia começa com a sessão de pinturas, muito lindas e harmônicas fazendo com que seus rostos e corpos sejam ressaltados pela beleza de seus cocares e colares.




Vários compromissos na agenda: contato com lideranças de partidos, diálogos com ministros, passeata no eixo monumental até a Praça dos Três Poderes, entrega de documentos e participação de sessão do pleno no Supremo Tribunal Federal (STF), e no final do dia um duro diálogo e debate com os coordenadores da Secretaria Especial da Saúde Indígena (SESAI).

Não precisou muito tempo para que os povos originários da região por onde começou a invasão, se dessem conta de que a situação é mais grave do que imaginavam.  Trouxeram a denúncia das violências que as comunidades Pataxó e Tupinambá do sul da Bahia estão sofrendo: queima de casas, prisões políticas, incêndio de ônibus escolar, agressões de agentes ambientais, desmatamento, poluição das águas, assassinato de lideranças (mais de 30 Tupinambá assassinados nos últimos quatro anos), poluição das águas, avanço desmedido da plantação de eucaliptos e outras monoculturas. Sofrem violência até daqueles que deveriam ser seus parceiros, como os agentes ambientais do ICMBio.
Depois dos dois primeiros dias de presença nas diversas instâncias dos três poderes, a avaliação da quase totalidade da delegação Pataxó e Tupinambá, é de que tudo leva a crer, que a realidade, desafios, violências e negação de direitos, levarão a uma piora da situação de vida e sobrevivência dos povos indígenas do país.

Porém, apesar desse quadro aterrorizador, longe de desanimá-los, se transforma num veemente apelo à sociedade brasileira e seus aliados.


Barrados novamente


Os Pataxó e Tupinambá ficaram estarrecidos e indignados ao serem barrados na portaria da Câmara dos Deputados. “Casa do povo só no nome. Nós, primeiros habitantes dessas terras, continuamos sendo barrados como se fôssemos terroristas. Isso é inaceitável”, disse o cacique José Ailton Pataxó.
Parlamentares que participaram de audiência sobre a UNPO (Organização das Nações e Povos Não Representados, sediada em Bruxelas), presidida pela deputada Janete Capiberibe, e da CPI da Funai e do Incra, lamentaram o ocorrido: “É uma situação lamentável, contra a qual não apenas nos insurgimos, mas que esperamos em breve poder reverter”.

Em carta entregue aos ministros do STF, expressaram suas preocupações e fizeram apelos: “Estamos passando por um período de forte e violento ataque aos nossos direitos (...) Não aceitamos o marco temporal e não aceitamos a PEC 215. Não aceitamos também que o STF anule as demarcações já feitas e nem aquelas em curso, pois assim estarão nos matando, eliminando com o que sobrou de nós. Não somos nada sem a terra e o agronegócio quer nos eliminar e acabar com nossas florestas e nossos rios (...) Somos povos desta terra e dela não podemos sair. Por isso, pedimos ao Srs. Ministros e Sras. Ministras que não apliquem o marco temporal e que não anule a demarcação das nossas terras. Ela é nossa mãe e mãe não se vende. Nós queremos nossa mãe terra viva e para isso ela não pode ser tomada de nós povos indígenas” (Brasília, 24/02/2016).
Funai sucateada,  devastada e agonizante




A delegação indígena divulgou ainda documento em que expressam seu repúdio ao processo de sucateamento e total falta de condições da Funai para cumprir suas obrigações de demarcar as terras indígenas e protege-las conforme determina a Constituição:

Não se trata de defendermos apenas a Funai, e sim de defendermos os nossos direitos conquistados a duras lutas. Sentimos um grande retrocesso de nossos direitos, não podemos nos calar e deixar que nos arranquem mais essa conquista”.

“E onde está todo o debate da Conferência Nacional Indígena, momento em que foi reforçado por várias vezes, inclusive pela Presidente da República, a necessidade do fortalecimento da Funai?”


A esperança não morre


Por fim, os Pataxó e Tupinambá convocam os mais de 300 povos indígenas e a sociedade brasileira para que, unidos e solidários, possam enfrentar mais esse momento difícil na luta e garantia dos direitos dos povos originários dessa país.
Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional

Brasília, 25 de fevereiro de 2016.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Pataxó e Tupinambá em Brasília: continuando a luta






Tudo começou  há mais de cinco séculos. Quando o ávido Cabral já estava meio desanimado de chegar às Índias, foi surpreendido por um monte. Não se conteve e gritou: Terra à vista!” Lá em terra, do alto do Monte Pascal, os índios Pataxó também gritaram: “invasores à vista”. Depois daquele instante fatídico, não tiveram mais sossego. A invasão se consolidou e a violência só aumentou! Os Tupinambá forma exterminados aos milhares. Só a resistência, sabedoria e espírito guerreiro é que possibilitou a  sobrevivência.

Hoje, uma delegação de 44 caciques e guerreiros estão novamente em Brasília. A capital federal, no planalto central, ainda meio sonolenta, com as pernas bambas, depois de um longo recesso que se prolongou até depois do carnaval, aos poucos vai retomando suas lutas e disputas políticas. Os índios não poderiam estar ausentes. E simbolicamente refazendo os caminhos da resistência, os Pataxó e Tupinambá são a primeira delegação neste início de ano a chegar em Brasília. Além de algumas agendas e denúncias sofridas nos últimos dias e anos, também estarão lutando contra a PEC 215, o PL 1610, o sucateamento da Funai, a portaria 303 da AGU e outros projetos anti-indígenas em pauta no Congresso e no Executivo.

Neste início de 2016, eles foram vítimas de contínuas violências ligadas particularmente às suas lutas pela terra, retorno a territórios tradicionais (retomadas) e questões de terras que vão se arrastando por anos e décadas.  É um longo e secular calvário

.
De cabeça erguida




Diante da conjuntura agressivamente anti-indígena, as reações nos debates não foram desanimadoras, pelo contrário, quanto maiores os desafios, mais cresce a união e a resistência. “Não podemos esmorecer, baixar a cabeça. Pois é isso que nossos inimigos querem. A situação não está brincadeira. Somos vigiados 24 horas por dia. O governo quer acabar com nós índios. Somos povos resistentes e nos reforçamos com Deus, presente em nossas lutas. A batalha vai  ser grande. Mas não vamos baixar a cabeça. Espancaram guerreiros nossos, prenderam e nos ameaçam permanentemente. Estamos em luta pelos nossos direitos”,  afirmou com firmeza e convicção um dos caciques.
Com grande confiança e autoestima, os 44 Pataxó e Tupinambá, representantes de 45 comunidades indígenas do sul da Bahia, estão em Brasília com para dar continuidade às lutas pelos direitos dos povos indígenas e de suas comunidades. “Enquanto tiver fôlego de vida, estaremos lutando. Se estava ruim, pior vai ficar. Isso nos leva a uma união maior para os enfrentamentos desse ano que começa”, expressou uma das lideranças.

Desta vez veio um número expressivo de jovens, que, segundo os caciques, têm que ir assumindo a luta, pois os velhos caciques já estão com menos forças. “A juventude não é o amanhã, é o agora”.


A mãe terra está gritando


“Os povos indígenas estamos gritando pela mãe terra. Temos uma preocupação grande com a mãe terra. Ela está gritando. Os rios estão secando, as matas sendo derrubadas, as fontes envenenadas. Não estamos sendo ouvidos. É uma tristeza”, lamentou um dos caciques.
Eles reconhecem que o aumento da confecção de artesanato está levando comunidades indígenas a também pressionarem e destruírem a floresta. Precisam discutir alternativas econômicas menos agressivas à natureza.
 “Sendo que, a Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá [FINPAT] está mobilizando uma comitiva de 44 caciques e lideranças das etnias Pataxó e Tupinambá, em viagem a Brasília, com objetivo de dialogar com autoridades do Governo Federal, na perspectiva de soluções nos processos de regularização fundiária das Terras Indígenas da região. Assim como, lutar pela defesa dos Direitos Indígenas, fortalecimento do órgão indigenista brasileiro e políticas de ações de desenvolvimento social”.
Em carta aberta à população, o movimento de articulação do povo Pataxó manifesta ”esperança de termos nosso direito territorial reconhecido após a publicação do estudo para demarcação no diário oficial da União no final de julho, [que] deu lugar ao medo e temor constante. Estamos sendo vítimas de agressões verbais, físicas, constrangimentos diariamente, e principalmente sentindo um completo abandono dos órgãos do Estado que tem o dever de garantir a ordem e a paz”.

Texto: Egon Heck

Fotos:Laila Menezes/Cimi
Cimi Secretariado Nacional
Centro de Formação Vicente Canhas, 22 de fevereiro de 2016


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Via Campesina: caminhos e lutas no campo
A coordenação nacional da Via Campesina esteve reunida em Luziânia, no Centro de Formação Vicente Canhas, nos dias 11 e 12 deste mês.





Analisando o momento histórico e fazendo a memória da caminhada e das lutas no campo nesses últimos anos, viu-se que o tempo é propício para avançar na garantia dos direitos, na desconcentração da terra, na distribuição das riquezas.  Sonhos, bandeiras e utopias mobilizando a esperança de mudanças profundas, urgentes e necessárias neste momento de crise sistêmica, tempo favorável de lançar sementes nas brechas dos muros.

Velhos desafios e novas barreiras tentam obstaculizar as lutas dos diversos atores sociais no campo. O governo tem sua opção clara pelo agronegócio, pelas sementes transgênicas, pelos agrotóxicos, pela acumulação do capital. Ele não vai mudar em nada sua posição. Resta, portanto, aos movimentos e lutas no campo fortalecer suas bandeiras pela ruptura desse sistema, construir alianças, lançar as sementes de um novo modelo de produção, baseado na pequena propriedade, na concepção de territorialidade e relação respeitosa da mãe terra.

Diante dessa realidade, os integrantes de mais de 10 organizações de atuação em nível nacional no campo, definiram as estratégias de avançar na garantia e efetivação dos direitos das populações do campo, no Brasil, no continente e no mundo. A Via Campesina é hoje a maior articulação de trabalhadores do mundo, com articulações em 70 países de todos os continentes. Dessa forma, as populações do campo buscam construir a solidariedade internacional, a partir das lutas e articulações de base.

O desafio maior é construir caminhos de unidade e unificação das lutas a partir da pluralidade de povos, culturas, cosmovisões, sonhos e utopias.  

Uma das questões ressaltadas é a necessidade de ampliar a formação política a partir de cada organização e de instâncias mais amplas dos movimentos e organizações no campo. É fundamental construir um calendário de formação e mobilizações. É preciso retomar nossa capacidade de se insurgir e indignar diante da violência e criminalização no campo, com requintes de crueldade e barbárie.


Dentre as principais bandeiras de luta levantadas estão: terra/território, luta pela demarcação das terras indígenas, quilombolas e populações tradicionais, juntamente com acento na reforma agrária ampla e popular; luta pela soberania alimentar e alimentação saudável, sem agrotóxicos e sementes transgênicas; além disso, estarão em pauta questões mais conjunturais como a defasa da Previdência, do petróleo e contra a violência.

Os povos indígenas terão pela frente duras batalhas para garantir seus direitos. Já está sendo anunciada a votação da PEC 215 no plenário da Câmara dos Deputados. E assim estão outros projetos como a mineração em terras indígenas.

No campo nasce uma flor, uma flor traz os seus frutos.

Egon Heck   fotos Laila Menezes/Cimi
Cimi Secretariado Nacional
Brasília, 15 de fevereiro de 2016






Semear é somar
O tempo é propício
O campo espera
Com carinho a semente,
Não violada
Em sua natureza original,
Em seu desejo de explodir
Em nova vida,
Sem que a mãe terra
E seus filhos
Sejam envenenados!
Bendito seja
O solo fecundo
Prenhe de sonhos
Alimentando as utopias,
Na luta de cada dia,
Pela liberdade, justiça e paz,
Terra mãe repartida
Em territórios de vida.
Os caminhos são plurais,
E vão se encontrando
Nas buscas dos caminhantes
Na mobilização da esperança,
Na aliança e unidade necessária
Para transformações profundas,
Libertarias e construtoras
Do novo amanhã,
Da nova sociedade,
Solidária além fronteiras
Do bem viver,
Da pluri nacionalidade
E da democracia comunitária
participativa
Egon – fevereiro de 2015


                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Presidente do Cimi no Curso de Formação


Há quase quaro décadas, quando começa um novo ano, reúnem-se missionários para aprimorar seus conhecimentos sobre os povos indígenas, partilhar experiências e obter informações que ajudam a aprimorar sua solidariedade e compromisso com os povos indígenas em luta pela vida e seus direitos.
Equivoca-se quem acha que o Curso de Formação Básica é apenas para jovens missionários, religiosos e leigos. Em 2016 são 37 os participantes do curso, com idade entre 25 e 82 anos, e de nove países da América do Sul, Europa e África.


A Formação no Cimi


Um dos aspectos relevantes dessa caminhada de 44 anos do Cimi são o zelo e carinho com que estabeleceu a prioridade da formação dos missionários indigenistas. Seus primeiros quadros foram ainda formados na Operação Anchieta (hoje Operação Amazônia Nativa). Com o tempo o Cimi foi se estruturando a partir dos cursos e encontros de indigenismo, realizados pelo Brasil afora, entre os anos de 1973 a 1977.

No início, os cursos de formação eram realizados em regiões onde havia maior número de missionários, especialmente na Amazônia, e por serem grandes as distâncias até o centro do país. Realizaram-se cursos de formação básica em Manaus e Belém.
Aos poucos o setor de formação da entidade foi traçando estratégias, tanto para a formação dos missionários como para lideranças e comunidades indígenas. Tais estratégias contribuíram para que se consolidasse uma presença solidária e de apoio cada vez mais eficaz à conquista e consolidação dos direitos dos povos indígenas.

Semente na terra é certeza de vida continuada. Vamos estar unidos aos nossos mártires e aos mártires indígenas que nos animam e dão força nas lutas e caminhada.

No início foi tudo muito custoso e difícil. Mas com a estruturação do Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia, foi dado um passo decisivo para a consolidação dos processos formativos e encontros neste espaço.

Hoje o Cimi mantém o Curso de Formação Básica em Indigenismo, etapas 1 e 2, cada uma com 20 dias. Além disso, a entidade mantem um processo de formação permanente, com estudos, encontros diversos por regiões e em nível nacional.


Dom Roque presente


Dom Roque Paloschi, o novo presidente do Cimi, eleito na XXI Assembleia Geral da entidade em setembro do ano passado, partilhou sua experiência missionária, particularmente na Diocese de Roraima, de onde foi bispo por vários anos. Com uma atitude de humildade - “espero não atrapalhar”-, mas com uma firmeza evangélica e política de sua missão como presidente do Cimi. Com certeza também contribuirá com os povos indígenas de Rondônia, para onde foi nomeado arcebispo de Porto Velho.

Nas reflexões que partilhou, enfatizou que “nós somos evangelizados pelos índios”. Chamou a atenção para a gravidade do momento para os povos indígenas, sendo muitas as pedras no caminho. Mas, segundo Dom Roque, isso não provoca em nós um desencantamento. Pelo contrário. Deve nos animar na fé e na esperança. Particularmente o Cimi, submetido a mais uma Comissão Parlamentar de Inquérito, agora no Mato Grosso do Sul, pela defesa intransigente dos direitos indígenas, especialmente seus territórios/terras, sairá fortalecido, na certeza de que está no caminho certo, como aconteceu por ocasião do processo Constituinte (CPMI 1987).

Ressaltou a importância de o nosso processo de solidariedade com esses povos ser cada vez mais profundo e fecundo, nos encarnando nas realidades e lutas desses povos, na gratuidade e na nossa mística militante

Na celebração no final do dia, os participantes da etapa dois, deram seus depoimentos do que estão levando de tudo que partilharam e aprenderam nesses dias, tendo sido realizado o ritual do envio.


Egon Heck fotos Laila Menezes/Cimi

Cimi- Secretariado nacional

Brasília, 29 de janeiro de 2016.

sábado, 23 de janeiro de 2016

Funai vai passar o chapéu


“A Funai (Fundação Nacional do Índio) vai recorrer a países como Estados Unidos, Alemanha e Noruega para reforçar o seu caixa em 2016. A decisão, confirmada pelo presidente da instituição, João Pedro Gonçalves, acontece após cortes no orçamento reduzirem os recursos da Funai ao menor nível em quatro anos” (UOL, 13/01/16).

Por ocasião da criação da Funai, no final de 1967, uma questão central debatida foi que caráter teria o órgão indigenista. Seria um órgão de Estado, que nesse caso garantiria os recursos para funcionamento, ou seria uma fundação, com possibilidade de captação de recursos de diversas fontes, privadas ou públicas, nacionais ou internacionais? Prevaleceu a segunda hipótese, sendo por isso denominada de Fundação Nacional do Índio.

Na prática, os governos da ditadura faziam questão de bancar a fundação, pois ela precisava estar sob controle. A Funai, por sua vez, buscaria controlar os índios. E com o máximo de rigor. Foi o que aconteceu. A Funai, que herdara 700 funcionários do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), depois de sete anos estava com sete mil.

Nos primeiros anos os recursos provinham em grande parte da exploração “empresarial” dos recursos naturais em terras indígenas, especialmente a madeira e do arrendamento de terras, que na verdade foi também um dos principais mecanismos para invadir os territórios dos povos nativos. O famigerado Departamento Geral de Patrimônio Indígena (DGPI) da Funai funcionou com a mesma filosofia de uma empresa. Os índios tiveram sorte de não prosperar a “mineradora Funai”, como propôs na década de 1970 o delegado regional de Manaus, “Cazuto Kavamoto”.


Funai: começo ou fim


O Estado brasileiro, desde que definiu sua política de integração e extinção dos índios, no início do século passado, sempre submeteu sua política com relação aos povos nativos e seus direitos, aos interesses das classes e elites dominantes. Portanto, não é de estranhar que o SPI tenha se transformado num antro de corrupção e violência nesse país. É só consultar o Relatório Figueiredo e o relatório da Comissão Nacional da Verdade para confirmar isso.

A Funai, com seus quase 50 anos de existência, com mais de 30 presidentes, foi alvo de severas críticas por parte dos povos e movimento indígena, que muitas vezes a qualificaram como “Funerária Nacional do Índio”. O deputado Mario Juruna, do povo Xavante, num de seus arroubos de indignação declarou que a Funai deveria se chamar “Fundação Nacional dos Coronéis”.

Hoje a Funai encontra-se esquelética e sucateada, sob o fogo cruzado de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Câmara dos Deputados, vendo seus orçamentos sendo reduzidos numa inequívoca prova de que  para o  governo nem de  longe a questão indígena é prioridade.

É também notório que a escolha de um político do PT, o ex-senador João Pedro, enquadrou a Funai no estreito corredor de aprovadora de projetos de interesse do atual governo e normalmente contrários aos  direitos dos povos indígenas.  A recente e apressada aprovação pelo presidente da Funai, da passagem do linhão de Tucuruí até Boa Vista, em pleno território Waimiri Atroari e contra a decisão dos mesmos, é mais um exemplo da nociva função política da Funai.


Ministério dos Povos Indígenas


No Chile, a presidente Bachelet, ao criar o Ministério dos Povos Indígenas afirmou que o ministério “colaborará com a criação e a coordenação de políticas e programas para fortalecer os povos indígenas, sua cultura, seus interesses, sua participação em debates importantes, como o da reforma constitucional, e assim evitar toda forma de discriminação arbitrária”. Criou também o Conselho Nacional dos Povos Indígenas, que deverá trabalhar junto com o ministério, e contará com participação de representantes das nove etnias indígenas reconhecidas pelo Estado – aymara, quechua, atacameña, diaguita, kolla, rapa nui, kawésqar, yagán e mapuche. Cada uma terá também seus conselhos específicos que trabalharão como instâncias regionais do Conselho Nacional
.
É claro que criar estruturas que teoricamente são um gesto de valorização dos povos nativos, não necessariamente significa um passo incisivo para a autonomia e autodeterminação dos povos indígenas. Por essa razão os Mapuche, por exemplo, veem com certo ceticismo a criação do ministério. Caso a lei antiterrorismo seja acionada mais uma vez contra esses povos, haverá ministério que se contraponha a essas iniciativas de criminalização por parte do estado chileno?


Egon Heck
Cimi- Secretariado Nacional

Brasília, 02 de janeiro de 2016.