ATL 2017

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segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Basta de violência e Genocídio








Povos indígenas do Mato Grosso do Sul tiveram mais uma semana de intensas manifestações, denúncias, indignação e exigências, em Brasília e no Estado. Enquanto aqui cumpriam uma intensa agenda, juntamente com seus parentes de várias regiões do país, em especial de Goiás, Tocantins e Rondônia, divulgaram suas lutas, especialmente pela terra, e conquistaram ampla solidariedade dos povos indígenas do país e seus aliados.

Na carta da Aty Guasu (Grande Assembleia Kaiowá Guarani) exigem o fim do genocídio e a urgente demarcação das terras/territórios originários, como única maneira de por fim às violências, assassinatos e criminalização. “Nós, rezadores, rezadoras e demais lideranças indígenas Guarani e Kaiowá, representando nossa Grande Assembleia da Aty Guasu, somados a lideranças do Povo Terena e Kinikinau viemos a Brasília exigir o fim do Genocídio que está em curso contra os nossos povos. Genocídio conhecido e reconhecido internacionalmente e causado pela inércia do Estado no cumprimento da Constituição brasileira e na demarcação de nossas terras; pela perseguição do Estado que hoje mais uma vez almeja retirar nossos direitos da Carta Magna e diminuir nossos poucos territórios (em especial pela ação do Marco Temporal) e pelos ataques diretos de grupos paramilitares, fazendeiros (mais de 33 ataques entre 2015 e 2016), que nos últimos dez anos assassinaram mais de 16 de nossas lideranças e deixaram dezenas de indígenas feridos”.



Enquanto em Brasília levavam suas denúncias aos diversos órgãos dos três poderes da República, foram surpreendidos por mais uma ação nefasta do agronegócio com a conivência do governo. Para administrador da Funai em Campo Grande foi nomeado um proprietário de terras, o Coronel do Exército, Renato Sant’ana. Imediatamente se posicionaram contrários a esse processo de militarização do órgão protetor de seus direitos.
 
 Na carta entregue às autoridades, deixam um claro recado ao governo Temer: “Queremos dizer ao Governo Temer, que caso continuem tentando reduzir nossos direitos vocês irão conhecer a força da reza e do Mbaraka dos Guarani e Kaiowá e dos demais povos do MS, assim como muitos outros governos que passaram por Brasília conheceram e aprenderam a respeitar a força dos povos originários deste país. Nós, povos indígenas unidos e em marcha, conquistamos os direitos constitucionais que hoje os senhores insistem em desrespeitar. Para os povos indígenas todo governo será sempre provisório frente a nossos direitos que serão eternamente originários”. 



Também manifestaram sua decisão de continuar lutando pelas suas terras e direitos, mesmo que isso custe suas vidas:
 
“Não iremos calar e nem desistir de nossas retomadas, se esta for, infelizmente, a única possibilidade que temos de voltar para nossos lares, retomaremos uma por uma de nossas terras. Podem até matar nossa geração de agora, mas prometemos e garantimos que as novas gerações já nascem seguindo os passos de nossa marcha”.

“Queremos denunciar os últimos e atuais Presidente da Funai e os Ministros da Justiça por não cumprirem com suas atribuições constitucionais. Prevaricam e são coniventes, omitindo-se diante da morte de nosso povo e a importância da terra para nossa sobrevivência. Queremos responsabilizá-los 

por todos os males que a falta de nossas terras tem causado aos nossos povos”.



No documento protocolado em vários órgãos dos três poderes, expressam sua confiança de que “as recomendações da Relatora especial da ONU para questões indígenas, são um motivo de esperança para nossos povos. Queremos renovar nosso total apoio a elas e exigir do Estado seu imediato cumprimento. Ao MPF pedimos que monitore sua implementação através de um cronograma acordado com o governo”.

Brasília, 13 de novembro de 2016


Egon Heck
Fotos Laila/Cimi
Secretariado Nacional do Cimi



sexta-feira, 11 de novembro de 2016

FUNAI- militarização não






Os ônibus já estão com seus motores ligados. As mentes e os corações de mais de 150 indígenas de 23 povos estão voando  entre muros e espaços do poder, em Brasília. Estão ansiosos para concluir mais uma semana de intensa mobilização e luta por seus direitos. Clamores, revoltas e indignação foram povoando os céus de Brasília e ecoando entre a selva de pedra, povoada de interesses anti-indígenas e direitos das populações originárias e tradicionais do nosso país.


O auditório da 6ª Câmara, lotado, com mais de 500 indígenas e seus aliados, foi durante mais de 8 horas a caixa de ressonância dos gritos de revolta e indignação.
Estava acontecendo um dos momentos mais expressivos de rebeldia e denúncia dos povos originários deste país, no últimos anos. Dentre as denúncias mais contundentes, estava a expulsão/despejo de mais uma comunidade Pataxó na região de Coroa Vermelha, no litoral da invasão primeira   


.O Começo do fim?


Já houve, recentemente, a tentativa de impor generais para a presidência da Funai. Seria o começo do fim do órgão, conforme ardente desejo dos ruralistas, capitaneados na CPI da Funai e Incra. Não bastasse a triste e cruel memória de total militarização do órgão durante os 20 anos da ditadura militar, e lá vem novamente essa ignomínia da re-militarização.




Mas os povos indígenas têm memória, consciência política e secular experiência de luta e resistência.
No período da Ditadura Militar houve a nomeação de um presidente da Funai, que foi questionado sobre a sua total ignorância com relação aos povos indígenas, tendo ele respondido: “Para ser presidente da Funai não se precisa entender de índio. Basta ser um administrador”.

Parece que o Governo Temer está indo nessa linha, numa espécie de ditadura civil-econômica, onde o que conta não é a vida, a dignidade, a sabedoria, mas a capacidade de acumular através de um desenvolvimento perverso e concentrador.

As manifestações do presidente interino da Funai, Agostinho Neto, corroboram também essa infeliz perspectiva. As suas afirmações de que não estaria havendo um sucateamento da Funai, cujas evidências foram depois confirmadas por um funcionário graduado do órgão, que revelou que na metade deste ano a Funai já estava sem recursos. O que vem a somar às ações do agronegócio, que não satisfeitos em querer tirar direitos dos povos indígenas, estão arduamente empenhados em criminalizar as lideranças e os aliados dos povos indígenas. Com a CPI da Funai buscam tanger o órgão ao matadouro.




Com a nomeação do coronel Santana para a administração da Funai em Campo Grande, fica evidenciado a política de remover obstáculos aos seus intentos de retirar direitos dos povos indígenas.


Os Terena, que são as primeiras vítimas desse processo, já se manifestaram “Não vamos aceitar essa mudança. É um retrocesso muito grande: um coronel indicado pelos ruralistas? Querem acabar com a gente mesmo, mas vamos resistir e não vamos aceitar isso”, diz Lindomar Terena, da Terra Indígena Cachoeirinha”

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Protestos, denúncias e solidariedade


Mais de 40 Kaiowá Guarani que estão em mobilização aqui em Brasília, vão fazer ainda hoje um protesto contra essa afronta aos povos indígenas, que é a nomeação do Coronel Santana para a Administração regional de Campo Grande. Dessa forma estão se solidarizando aos Terena, Kinikinau e outros povos indígenas do Mato Grosso do Sul. Que já ocuparam a Funai, desde ontem.
Na Audiência Pública realizada no Ministério Público Federal, houve inúmeras manifestações de apoio aos Kaiowá Guarani, em luta e retomada de seus territórios tradicionais (Tekohá). Nesse processo estão sendo violentamente atacados pelos pistoleiros e forças paramilitares sustentadas pelo agronegócio.


Em suas recomendações a relatora para questões indígenas Victoria Corpuz fez o apelo para que o governo brasileiro dê condições objetivas à Funai para defender os povos indígenas e seus direitos. O veemente apelo dos povos indígenas do Brasil à ONU se deve ao fato de estarem sendo submetidos a um processo de genocídio, não tendo mais a quem apelar dentro do nosso país.




“Não passarão” repetiu a Deputada Érica Kokai. Na referida audiência, apesar do tom de desabafo e clamor por justiça e respeito, os povos indígenas do país deram um show de cidadania, consciência política e inquebrantável disposição de continuarem e ampliarem a luta pelos seus direitos.


Egon Heck   fotos: Laila/Cimi
Cimi Secretariado Nacional

Brasília, 11 de novembro de 2016

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Matopiba é uma fraude




No dia 9 de outubro o decreto presidencial 8.852 extinguiu  o programa de Desenvolvimento MATOPIBA (Maranhão-Tocantins-Piauí e Bahia). Ontem o Ministério da Agricultura enviou um de seus assessores para participar da Audiência Pública, realizada no Senado, presidida pela senadora Regina Souza (PT-PI). Ele se esmerou em  demonstrar as benesses que esse mega projeto no cerrado trará para a população local, o Estado e o país.




A representante da Comissão Pastoral da Terra-CPT, iniciou seu depoimento mostrando as contradições e a  falácia das afirmações de que o projeto MATOPIBA estava extinto, conforme informações oficiais. “A explanação do sr. Eduardo é um desmentido da falaciosa afirmação de que esse mega  projeto de expansão da frente agrícola em na maior parte do cerrado, está extinto.” Citou várias iniciativas em curso, que provam o contrário: ele já vem   efetuando nas últimas décadas e representa da continuidade de um projeto de desenvolvimento  predador e nocivo às populações tradicionais e comunidades de pequenos agricultores que vivem há décadas.




No decorrer das três horas de audiência, com a exposição feita por oito representantes das populações atingidas, cientistas e entidades de apoio, Ministério Público  e do representante do governo foram sendo elencados inúmeros dados sobre o projeto e as consequentes violências e violações dos direitos humanos e étnicos das populações atingidas. Ao se referir à intensa destruição da natureza, com a política da terra arrasada, dos correntões implacáveis e dos piscinões exaurindo os lençóis freáticos, poluindo os aquíferos e contaminando as águas,  secando rios e riachos, com os desmatamentos das nascentes e matas ciliares uma das depoentes  assim se referiu a esse quadro de proporções dantesca, que irão se agravar com a execução do referido projeto “ a natureza não sabe se defender, mas sabe se vingar”.
Foi denunciado a politica colonialista presente em semelhantes projetos, marcada por intensa violência e criminalização.

Foi feito menção ao índice de violência registrado no relatório de Violência no campo, elaborado pela CPT que indica o dado gritante e perverso de quase  um assassinato por semana, no campo.

Gercilha Krahô denunciou os impactos malévolos do agronegócio que está se desenvolvendo ao redor das terras de seu povo, envenenando tudo, a terra, os rios e a gente. Apesar de todas essas  agressões e violências “nós estamos aqui. Nós vivemos e somos a semente e o broto dessa terra... querem tirar a nossa terra. Mas nós não vamos virar alma para anda no vento. Todos precisamos da mãe terra, para viver em paz e tranquilos.

Representantes das populações atingidas e seus aliados mostraram que essa lógica perversa que está levando a destruição e morte para as populações do campo brasileiro e seus habitantes originários e povos  tradicionais, vem  se acentuando nas últimas décadas, em especial com a expansão do agronegócio nos últimos anos.

Uma representante indígena afirmou “O MATOPIBA  não está morto. Está em alguma gaveta por aí”. Izabel Xerente iniciou seu desabafo e denúncia dizendo “Esse não é o projeto Matopiba, é o projeto  “Matatudo”.

Foi denunciado também essa política de venda de terras a estrangeiros, sem limite colocando em risco a soberania do país e concentra a terra cada vez mais nas mãos do agronegócio e capital nacional e multinacional. Enquanto isso as populações tradicionais e povos indígenas continuam sendo expulsos ou vendo seus direitos sobre seus territórios negados.


Ninguém foi consultado


O  Procurador da República Felício Pontes ressaltou a importância  desse projeto estar sendo debatido em nível nacional uma vez que ele é um dos expoentes da  política agrícola implantada pelo agronegócio em todo país.

Uma vez que esse projeto está sendo implantando sem nenhuma consulta às populações atingidas, propõem que essa consulta seja realizada antes do projeto ser levado adiante. Isso é um direito  internacional e obrigação do Governo, conforme consta na Convenção 169 da organização do Trabalho, da ONU. Os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, vão fazer ao Ministério Público uma solicitação nesse sentido.
Felício Pontes destacou três consequências da implantação desse projeto: degradação ambiental,  violação dos direitos das populações tradicionais e aumento dos conflitos e violência na área do projeto.

Tendo em vista a rápida e implacável destruição da natureza e do meio ambiente em nosso país, em praticamente todos os biomas, foi sugerido que , à semelhança da Amazônia e Mata Atlântica, o Cerrado também seja reconhecido como Patrimônio da Humanidade.

Na avaliação dos povos indígenas participantes e membros do Cimi regional GOTO,  que foram os solicitantes da audiência Pública “Foi muito positivo, pois possibilitou nossa voz e nossas denúncias desse projeto, serem espalhados pelo país e pelo mundo”.


texto: Egon Heck | fotos: Laila/Cimi
Secretariado Nacional do Cimi

Brasilia, 8 de novembro de 2016

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Escola pra que?



Brasília viveu um dia como jamais havia vivido em pouco mais de meio século de existência. A Esplanada dos Ministérios e dos mistérios foi literalmente tomada por cavalos e aficionados da vaquejada. Entradas da Câmara dos Deputados também estavam fortemente guardadas, pois lá dentro decisivas ações e votações estavam sendo tramadas. A CPI da Funai e do Incra foi reinstalada a portas fechadas. A PEC 241 foi aprovada na Câmara, mesmo contra a vontade do povo brasileiro.




Na Universidade de Brasília (UnB) algumas centenas de professores e lideranças de povos indígenas de todo o país debateram e denunciaram as mazelas do Estado colonialista e suas políticas de dominação e genocídio dos povos originários. Foi inevitável que a pergunta que os povos indígenas e aliados faziam “escola pra que?”, voltasse a ser a base de reflexões e debates.

O 2º Fórum de Educação Escolar Indígena, organizado de forma autônoma pelos professores, lideranças indígenas e aliados da sociedade civil e universidades, trouxe com muita força um olhar crítico sobre o momento conjuntural e as escolas indígenas em seu processo secular de instrumentalização pelo projeto colonial e atual dominação pelo modelo capitalista neoliberal e desenvolvimentista.

Para o secretário do Cimi, Cleber Buzatto, o momento é delicado e extremamente preocupante, pois “os ataques aos povos indígenas e seus direitos, crescem, gerando ainda mais violência em praticamente todas as regiões do país”. Como exemplos destacou a total paralização das demarcações das terras/territórios indígenas e a constante tentativa de abrir as terras já demarcadas aos interesses do agronegócio, mineradoras, madeireiras, dentre outros. De igual gravidade é a interpretação e utilização do Marco Temporal, nas diversas instâncias do Poder Judiciário. “Isso pode levar a total inviabilização de reconhecimento e demarcação das terras indígenas”. Concluiu dizendo que “nem tudo está perdido. Pelo contrário. A resistência e insurgência dos povos indígenas, munidos de sua ciência e sabedoria, tem cada vez mais demonstrado sua força e disposição lutar pelos seus projetos de vida e Bem Viver”.

Cleber concluiu afirmando que “os povos e comunidades tradicionais são sujeitos de ‘tradição do futuro’. Uma eventual derrota deles para as forças do capital no atual contexto poderá representar a derrota da  humanidade.”


O professor Dori, da Universidade Federal da Grande Dourados, no Mato Grosso o Sul, ao explicitar a experiência de formação de professores indígenas, destacou a necessidade da indianização da universidade: “infelizmente muito pouco tem sido feito para acolher e respeitar a especificidade dos povos indígenas. A universidade continua sendo um ambiente hostil aos indígenas. Os conhecimentos dos povos originários e seus modos de produção são pouco aproveitados na universidade”. Na afirmação de Dari, “a universidade continua preparando os indígenas para uma sociedade sabidamente falida”.

Para Dari, “os saberes indígenas podem ajudar a mudar o mundo. Para tanto a educação escolar indígena tem que ser de resistência e insurgência.  Resistência Física, epistemológica, cultural, de classe, sociológica e de autoria”. Concluiu afirmando que “o problema é que nem sempre as pessoas sabem ou tem consciência, onde querem chegar com a escola. Às vezes querem chegar à integração na sociedade majoritária, adequando-se aos seus liberais e capitalistas valores, pensando que essa é a única possibilidade de pensar a dignidade. Outras vezes querem construir a autonomia, a alteridade e a solidariedade indígena”.







Rituais e cultura: a invisibilidade do país plural


Um dos objetivos deste Fórum de Educação Escolar Indígena foi dar visibilidade a esse
Brasil plural (com 305 povos originários) e profundo, historicamente massacrado e silenciado, e atualmente renascendo e se reencontrando para continuar na luta pelos seus direitos, movidos pelos seus projetos de Bem Viver e seus processos de resistência e permanente reconstrução de suas culturas e projetos de vida.



A descolonização é um processo dolorido e incompleto, porém existem sinais de descolonização: mestres tradicionais, demandas indígenas já começam a aparecer nos currículos e está se esboçando uma política linguística. E o importante é que os povos e suas organizações começam a acompanhar e exigir dos alunos que vão à universidade.

Um dos elementos fundamentais de resistência, insurgência e sobrevivência dos povos indígenas é sem dúvida a sua profunda religiosidade e vivência em harmonia com a natureza e todas as formas de vida.

A tucandeira, um ritual de passagem, dos índios Sateré Mawé, do Amazonas, está sendo realizado em toda sua beleza e profundidade cultural, social e religiosa, talvez pela primeira vez em Brasília, como expressou um dos representantes desse povo.

A esperança vai à aula e às ruas




No decorrer desses dias do Fórum, representantes indígenas estarão indo às salas de aula para debater e mostrar aos estudantes suas lutas e seus direitos. Em especial mostrando como é importante lutar juntos por uma sociedade reconhecidamente plural, tolerante, digna e justa.

Também estão sendo realizadas exposições de artesanato típico dos diferentes povos, bem como preparação de comidas típicas de vários estados.

Na tarde de ontem os professores e lideranças indígenas fizeram uma marcha, na Esplanada dos Ministérios para mostrar as agressões, violências, negação de direitos e descaso e omissão do Estado brasileiro.

Egon Heck  - fotos Laila/Cimi
Cimi Secretariado nacional
Brasília, 25 de outubro de 2016



segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O Mal e Bem Viver dos Povos Indígenas no Brasil




Mal o sol se levanta e começam a vir abaixo as casas da comunidade Pataxó de Aratikum. Essa comunidade indígena está localizada na região onde iniciou a invasão a 516 anos. Em homenagem aos invasores, o município leva o simpático nome de Santa Cruz Cabrália. A revolta e indignação das mais de 30 famílias que viram suas casas e sonhos ruírem, foram a denúncia silenciosa diante de mais uma brutal violência contra os direitos de uma comunidade indígena desse “país tão grande e tão pequeno para nós, povos indígenas”, nas palavras de Marçal Tupã’y ao Papa, em Manaus, em julho de 1980.





Infelizmente, a cena que se repetiu na semana passada, em Cabrália, não é uma exceção, mas tem sido recorrente nas últimas décadas e meses. No ano 2000, foi nesta cidade que se estabeleceu a base dos “Outros 500”, importante base da articulação do “Movimento de Resistência Indígena, Negra e Popular”. Naquela ocasião, houve violência contra várias comunidades indígenas da região e no dia 21 de abril, a polícia usou de truculência para impedir a marcha de protesto até Porto Seguro.
Os males na vida dos povos originários no país tem sido uma constante expressando-se principalmente na negação de demarcação e garantia dos territórios, conforme determinam os artigos 231 e 232 da Constituição e a legislação internacional. Essa tem sido a principal causa das violências contra esses povos, e o saque de seus recursos naturais.


O Bem Viver para todos


Apesar de estarmos atravessando um período de retrocessos e golpes, acima de tudo temos que alimentar a esperança e a utopia. “Temos que disputar o espaço público, mas temos que garantir a sobrevivência dos ‘territórios da utopia’ que são os territórios que estão sendo massacrados... É estratégico que os quilombolas e os indígenas experimentem o processo do pós-eucalipto. É estratégico que os pescadores garantam os territórios pesqueiros tradicionais. Porque é por aí que poderemos construir um horizonte de transição” (Marcelo Calazans, 2015).



Mas os povos indígenas se mobilizam, lutam, resistem. O povo Apinajé, de Tocantins, realizou sua 7ª Assembleia – PEMPXA, dando seu recado com veemência e lucidez política:

“Nesse momento consideramos o PDA/Matopiba o mais letal e ameaçador plano de intervenção na vida das populações (indígenas, quilombolas, ribeirinhos e quebradeiras de coco) que depende do bioma Cerrado para sobreviver, esse com certeza é parte da proposta (entreguista) do governo de vender, alienar e arrendar as terras brasileiras para as grandes empresas produtoras de grãos. Por outro lado, o governo também fala em afrouxar as regras para o Licenciamento Ambiental. Isso significa que a ganância e a fome de lucro das multinacionais do setor elétrico, dos ruralistas e das mineradoras nunca terão limites”.

O povo Kinikinaua, no Mato Grosso do Sul, realizou sua 3ª Assembleia. Uma história de resistência inquebrantável de um povo que foi obrigado a viver escondido sob identidade de outro povo, fruto da política do Estado brasileiro.



Diante dessa realidade catastrófica, o Bem Viver surge como uma das formas de criarmos um novo horizonte para as lutas das populações e povos tradicionais, os povos indígenas, os sem terra, os marginalizados dos centros urbanos e de todos os que se propõem a construir um futuro/presente melhor para todos. Conforme expressam lutadores sociais do continente, o “Bem Viver é um projeto libertador e tolerante sem preconceitos e sem dogmas... O Bem Viver, enquanto ideia em construção, livre de preconceitos, abre a porta para formular visões alternativas de vida, a partir das resistências e experiências históricas” (A. Acosta, 216).





A partir dos povos originários
Vamos emergir da longa noite colonial
Que teima em se projetar até os dias atuais,
Romper o neodesenvolvimentismo,
Juntar nossas lutas e esperanças
Para pintar o nosso horizonte
Com as múltiplas cores
Da história, da memória
Espiritualidade, originária e atual.
Do silêncio do Bem Viver,
Do ventre da Mãe Terra
Vamos reencantar nossos
Arcos e flechas na luta diária,
Nos caminhos plurais
Dos projetos de Bem Viver

Nossa singela homenagem à lutadora e guerreira Rosana Kaingang, que neste fim de semana partiu para a aldeia definitiva.

Egon Heck
Secretariado Nacional Cimi
15 de outubro de 2016



quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Povos Indígenas, eleições e o Bem Viver


“Um povo que não sabe de onde vem,
 jamais saberá para onde ir.
Um povo sem consciência histórica,
jamais terá consciência ideológica
(Conselho Mundial dos Povos Indígenas, 1980)







Quando começa a baixar a poeira das urnas eletrônicas, digitais ou não, é hora de um lento e atento olhar para os rumos e roncos das urnas. Nesse turbilhão de olhares, talvez em sua maioria descrentes ou decepcionados no caminho, emergem os povos indígenas.

Como nas últimas décadas, não foi difícil contar o número dos indígenas eleitos, prefeitos ou vereadores. A percentagem é pequena. Porém, podemos garimpar alguns números e resultados expressivos. Os Terena, do Mato Grosso do Sul comemoraram o fato de passarem de um para cinco vereadores. No Acre, pela primeira vez na história, os povos indígenas elegeram um prefeito. Os povos indígenas do Alto Rio Negro elegeram parentes para ocupar os cargos de prefeito e vice-prefeito em São Gabriel da Cachoeira. Eles já haviam eleito Pedro Tariano no final do século passado.  Os Xakriabá, em Minas Gerais, reelegeram o prefeito de São João das Missões. E assim poderíamos continuar pontuando alguns resultados positivos para os povos indígenas.

 Nas redes sociais, os indígenas eleitos agradecem os eleitores ou são gratificados pelos resultados obtidos.  Outros manifestam seu desejo de continuar suas lutas pelos seus direitos nesses novos espaços. Neste sentido, vale lembrar a articulação dos parlamentares (vereadores indígenas) do Mato Grosso do Sul, por iniciativa do indigenista, professor Antonio Brand (in memoriam), através de encontros e debates sobre as possibilidades e limites de cada um em seus municípios e em conjunto enquanto indígenas.




O grande desafio colocado, não apenas aos vereadores e prefeitos, mas ao movimento indígena é conseguir efetivamente fazer um bom trabalho numa conjuntura que é cada vez mais adversa aos direitos dos povos originários. Por outro lado, temos uma política partidária confusa, marcada pela forte corrupção gerando um descrédito e descontentamento cada vez maior na sociedade e movimentos sociais e populares, bem como nos povos e comunidades tradicionais.
Nos três poderes vemos avançar iniciativas contrárias aos direitos dos povos indígenas, com ênfase no Legislativo com a tropa de choque antiindígena encastelada na bancada ruralista. Já reconstituíram a CPI da Funai e do Incra e deixaram a PEC 215 na marca do pênalti. E nessas investidas contra os direitos indígenas certamente estarão contando com o novo governo que deixou a Funai sem norte, e ainda mais pobre e subserviente.  Ao movimento indígena e seus representantes eleitos, só resta a continuidade da mobilização permanente, desde as aldeias até Brasília. O importante é consolidar o movimento indígena, ampliar as alianças e fortalecer a resistência. Só assim talvez consigam se livrar das armadilhas e das trilhas da corrupção e cooptação a que estarão permanentemente submetidos

Nas trilhas do Bem Viver




Nessa conjuntura de retrocessos no país e no continente, são preciosas as lutas vitoriosas e as conquistas de reconhecimento de direitos e os avanços constitucionais e na prática em países como Equador e Bolívia. O reconhecimento da plurinacionalidade, dos direitos da Mãe Terra, do Bem Viver, da interculturalidade e da justiça indígena, são indiscutivelmente avanços e referências para os movimentos indígenas no continente e no mundo.

“O bem Viver é eminentemente subversivo. Propõem saídas descolonizadoras em todos os âmbitos da vida Humana. O Bem Viver não é um simples conceito. É uma vivência” (Alberto Acosta).
O Bem Viver, a partir das lutas dos povos por seus territórios, é a alma da resistência e o novo horizonte a nos iluminar o caminho. É antes de mais nada a contestação cabal do sistema capitalista, onde não há espaço para os povos indígenas, nem para aqueles que sonham e lutam por um país melhor para todos.

Egon Heck
Cimi – Secretariado Nacional

Brasília, primavera de 2016

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Francamente, saudade
Dom Franco: dez anos do martírio, testemunho e memória
Disposição, doação e sabedoria




Permanente alegria estampada no rosto.  Coração grande e generoso. Lucidez e sabedoria na defesa corajosa e radical dos povos indígenas e dos pobres.

Juventude acumulada, mesmo aos 65 anos. Ainda jogava um futebolzinho e não deixava de fazer suas caminhadas diárias. Admirável sua disposição para o trabalho na causa dos mais pobres, especialmente os povos originários. Na medida em que foi conhecendo suas culturas e lutas, com maior paixão e garra foi assumindo essa causa.

Nos seis anos na presidência do Cimi teve momentos marcantes na caminhada e lutas dos povos indígenas, como a Marcha e Conferência 2.000, organizada pelo Movimento de Resistência Indígena, Negra e Popular. Foi o movimento de resistência indígena mais expressivo das últimas décadas. A repressão do Estado brasileiro à Marcha que se dirigia a Porto Seguro foi a demonstração mais cabal dos 500 anos de violência. Dom Franco estava lá participando e sofrendo a violência com que a Marcha foi reprimida.

Em 2002, a Campanha da Fraternidade foi sobre a questão indígena: Por uma Terra Sem Males. Foi um momento forte de tomada de consciência dos cristãos sobre as vidas e lutas dos povos indígenas no Brasil. Intensas atividades de informação, reflexão e solidariedade com os povos originários do nosso país. Dom Franco, como presidente do Cimi, teve intensas agendas em nível da Igreja e sociedade. Foi também o ano de muita reflexão e autocritica interna do Cimi, por ocasião de seus 30 anos de existência.



A centralidade da questão missionária

Dom Franco teve importante contribuição na dimensão missionária. Foi um grande conhecedor e defensor da dimensão missionária, tendo conhecido e participado de inúmeras experiências e trabalhos missionários, especialmente na África e América Latina. Trouxe esse vigor missionário para as atividades e agendas do Cimi. Contribuiu de forma fundamental na elaboração do Plano Pastoral da entidade. Empenhou-se para a construção da simpática capela no Centro de Formação Vicente Cañas.

Foi um missionário por excelência. Entendia como missão a opção radical pelos pobres e oprimidos e a doação da vida por essa gente: “Se quisermos mudar esse mundo temos que gastar nossa vida em defesa dos mais pobres”.

 Como sociólogo, não deixava de assumir e ressaltar a dimensão transformadora e libertadora da missão. Sempre esteve alinhado e unido ao grupo dos bispos que tinha uma pastoral e compromisso social em sua atuação pastoral e política.

Não deixou de considerar, em sua atuação como presidente do Cimi e atuação como bispo de Balsas, no Maranhão, dimensões cruciais para os dias atuais, como a questão ambiental, o aquecimento global e a destruição brutal das condições de vida em nossa casa comum, como tantas vezes tem repetido o Papa Francisco.

Após dez anos de sua súbita partida, deixa não apenas um testemunho e um desafio para nós que lutamos ao lado dos povos indígenas na luta pela vida e seus direitos, mas para todos os brasileiros, que lutam por um Brasil plural, justo e solidário.

Dom Franco, presente.


Somos gratos e homenageamos todos os presidentes do Cimi, que deram sua valiosa contribuição e o melhor de si no serviço à causa indígena, na presidência do Cimi. Pe.  Jaime Venturelli, Pe. Vicente Cesar, Dom Tomás Balduino, Dom José Gomes, Dom Erwin Kräutler, Dom Aparecido José Dias, Dom Franco Masserdotti, Dom Roque Paloschi. E nesta homenagem de reconhecimento e gratidão queremos nos unir aos nossos mártires e todos os missionários e agentes de pastoral indigenista, que se doaram à causa indígena nesses 44 anos do Cimi.




 
Foi um testemunho de diálogo e esperança: “Importante é saber valorizar o outro, acreditar no pluralismo da experiência cristã e na inculturação do Evangelho, promover a escuta e a colaboração entre as igrejas e as religiões, assumindo em conjunto as grandes causas que caracterizam hoje o Reino de Deus na história: a justiça, a paz, a ecologia, os direitos humanos, a reforma agrária, os refugiados, os migrantes... A visão crítica do passado convida a superar toda atitude de arrogância, mas não admite medo, fatalismo, pessimismo. Requer confiança, esperança” (Porantim nº 223 – março 2000).

“A verdadeira morte acontece quando colocamos a nossa esperança e o sentido de nossa vida na posse, no poder, no prazer desregrado, quando fechamos o nosso coração ao próximo e nos deixamos levar pelo egoísmo. A verdadeira morte é quando temos medo de perder nossa vida por causa de Jesus e do Evangelho (cf Mt 8,35)” (Em Memória de Dom Luciano, 30/08/2006).




Brasília, 16 de setembro de 2016.
Egon Dionísio Heck     fotos arquivo Cimi

Cimi Secretariado Nacional