ATL 2017

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terça-feira, 9 de outubro de 2012

Passo Piraju, a um passo da cova


 

Querem decididamente a comunidade kaiowá Guarani, embaixo da terra, há sete palmos.  Conforme pedido do senhor Esmalte, confirmado pelo juiz de primeiro grau, já em 2004 " O MM. juiz de primeiro grau, então, determinou seja o cacique Carlitos de Oliveira advertido a não mais autorizar, incentivar ou permitir que os indígenas sob sua chefia ingressem na propriedade do autor e que a FUNAI providencie "a retirada dos índios da margem da propriedade do autor, assentando-os em local distante" (f. 159).

Quase uma década de tribulação, tormento e desassossego permanente. Talvez seja a comunidade Kaiowá Guarani da Terra Indígena Passo Piraju, emblemática de uma comunidade indígena sitiada, cercada de soja, cana e ódio. "Reduzidos sim, mas não vencidos", diziam comunidades indígenas da Amazônia, quando da Marcha e Conferência Indígena do ano 2000.

Neste período vi as lágrimas deslizando no rosto de Carlitos, ao narrar tudo que passou nas décadas de luta pela terra e vida de seu povo. Ele recebeu a visita de dezenas de personalidades e delegações de Direitos Humanos e aliados, do Brasil e do mundo. Narrou com a mesma dignidade e fidelidade os acontecimentos, desde a expulsão de seu pai e comunidade do Passo Piraju, da área onde hoje se encontram.

Apesar de doenças, mortes, tensões e conflitos, pressões e enganações de toda ordem, Carlitos e sua comunidade,enfrentaram todas essas adversidades com muita fé e convicção de que Tupã, Nhanderu fará um dia justiça para seu povo. Agora se encontra diante de uma nova ordem de despejo.

A pergunta crucial que fica é o que se quer de fato dos Kaiowá Guarani. Serão os sete palmos de terra, para consumar de vez o genocídio nunca estancado? Para os arautos dos decretos e

 

praticas de extermínio é muito mais importante ampliar as lavouras de soja, uma vez que na bolsa de valores a cotação do grão maldito está alto, bem acima da vida de qualquer indígena.

Dos 43 indígenas assassinados neste ano, conforme dados divulgados pelo Cimi, mais de 60% ocorreram no Mato Grosso do Sul, confirmando a triste estatística de campeão de violência contra os povos indígenas. Com certeza ações de reintegração de posse, além de ser um ato de violência em si, propiciam o desencadear de mais violências e mortes. No Estado recentemente três reintegrações de posse foram expedidas: Pueblito Kuê-Mbarakay (Iguatemi) Kadiwéu (Bodoquena) e agora Passo Piraju (Dourados)

Para Eliseu Lopes, representante da Aty Guasu na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil- APIB, é inconcebível que se continue provocando mais violência ao invés de resolver o problema das terras indígenas de uma vez. Ele está participando de vários iniciativas dos Direitos Humanos "para que haja uma somatória de forças para impedir a continuação da violação dos direitos do nosso povos Kaiowá Guarani", afirma Eliseu. Ele está cobrando do governo e em especial da Funai, a urgente publicação dos relatórios de identificação de todas as terras indígenas no Mato Grosso do Sul. "A APIB continua exigindo a revogação da portaria 303 da AGU, que é uma das causadoras de violência.

Nesta semana foi instalada em Amambai um grupo de 20 integrantes da Força Nacional, para evitar a violência contra a população indígena em 12 municípios da fronteira com o Paraguai.Se espera uma ação eficaz, especialmente em áreas em que as lideranças estão ameaçadas de morte,como em Arroio Korá.

Comissão da Verdade Indígena

Até que enfim neste país se resolve começar a fazer justiça,ou ao menos dar visibilidade, às violências, crimes, torturas e mortes contra comunidades indígenas em todo o país, ocasionando milhares de mortes. Embora tardiamente, e possivelmente contra a vontade de setores das elites do país, à semelhança da Comissão Camponesa.

Para  o ex-secretário do Cimi, Saulo Feitosa a instauração de uma Comissão de Verdade Indígena, além de um valor simbólico muito grande, traz em seu bojo a possibilidade ( e necessidade) de uma reparação aos povos afetados.

Egydio Shwade e a Comissão da Verdade em Manaus estarão entregando, na próxima semana um relatório com mais de 200 documentos comprovando o massacre de mais de 2 mil Waimiri Atroari, por ocasião da construção da estrada BR 194 que liga  Manaus(AM) a Boa Vista (RR). A estrada foi construída durante a ditadura militar, nas décadas de 60 e 70.

Esse será um momento importante para esclarecer a morte de mais de 1.500 Yanomami, em decorrência da invasão de seu território, especialmente por garimpeiros e empresas mineradoras., na década de 80. Também será o momento de esclarecer os massacres dos Juma (Tapauá-AM), do massacre do paralelo 11, Cinta Larga, dentre muitos outros. Quem sabe se comece a reescrever a história fazendo justiça a esses povos.

 

Egon Heck -www.egonheck.blogspot.com.br

Povo Guarani Grande Povo

Cimi 40 anos, 9 de outubro de 2012


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Depois da eleição, o furacão da mineração em terras indígenas



Remover a terra, numa guerra desigual e insaciável, em busca do vil metal! Eis a nova batalha anunciada. As vítimas serão mais uma vez os povos indígenas, que  verão enormes máquinas adentrarem seus territórios, rasgarem o ventre da mãe terra e dela extraírem riquezas para saciar sua voracidade de acumulação de capital e poder.  Mineradoras do mundo inteiro estão com suas máquinas apostas, aguardando apenas o sinal verde da aprovação do projeto que regulamente a exploração mineral em terras indígenas. O relator da Comissão Especial criada na Câmara dos Deputados, Edio Lopes, já anunciou que seu relatório está pronto e estará sendo colocado em votação logo depois das eleições. " Pelas contas do relator, há quase 10 mil requerimentos de pesquisa de lavra, 150 pedidos de lavra e 10 títulos de lavra que incidem sobre terras indígenas " Autor do projeto de Lei é o senador Romero Jucá, de Roraima, que tem enormes expectativas na aprovação, pois parentes seus tem mineradoras naquele estado. O projeto 1610/96 tramita no Congresso há mais de 15 anos. Os povos indígenas e seus aliados já se pronunciaram inúmera vezes contrários à aprovação entendendo que essa questão deve ser apensada  ao Estatuto dos Povos Indígenas.

Em vários encontros os  indígenas tem se posicionado contrários à mineração em seus territórios.  Eles exigem que não apenas sejam consultados a respeito, mas que tenham poder de veto.

Os povos indígenas no Brasil sabem o que significa, em termos de impacto e destruição, a mineração nas terras indígenas.  Por ocasião da constituinte na década de oitenta os interesses minerais nacionais e mundiais tentaram inviabilizar os direitos indígenas na nova Constituição. Montaram uma campanha midiática contra os povos indígenas e seus aliados, como o Cimi, jamais vista na recente história do país.

Os povos indígenas na América latina sustentam uma luta secular contra o saque e destruição que a mineração vem promovendo em seus territórios. Na Bolívia, no Peru e Equador existe uma luta ferrenha contra a predatória e genocida exploração mineral em territórios indígenas, desde os Antes até a Amazônia.

A voracidade e truculência do poder mineral no mundo nunca se conformou com o dispositivo constitucional  que exige uma regulamentação especial para  a exploração mineral em terras indígenas. Em vários momentos tentaram a aprovação no Congresso desse projeto de lei. Aos sobrevivente caberá contar a desgraça anunciada.

Eleições e primavera

Para os povos indígenas as eleições são apenas mais um momento de tapas nas costas, promessas de benefícios imediatas, sorrisos e rostos farisaicamente simpáticos. Para alguns, dos mais de 200 candidatos indígenas a vereador, é também o momento de levar a reflexão política para dentro das aldeias, para mostrar as possibilidades e limites de participar desse ritual da democracia formal, representativa ( tão diferente da democracia comunitária participativa das aldeias!) É provável  que mais de trinta lideranças indígenas sejam aprovados no ritual das urnas e tenham quatro anos de mandato, no estranho e complicado ninho das câmaras dos vereadores. Boa sorte aos que  como Otoniel  Kaiowá Guarani, buscam a reeleição,  na estreita margem de luta pelos direitos de seu povo, especialmente à terra e os recursos naturais nelas existentes.

A primavera explode em beleza rara, no serrado em flor. A cagaita com suas minúsculas flores e folhas de cores variadas são de encher os olhos e regar o coração, numa infinita série maravilhosa de imagens gravadas em nossos atentos olhares. As flores do pequizeiro recebem inúmeras abelhas entre seus brancos filetes com bolinhas nas pontas. As árvores que há poucos dias espetavam o céu desnudas, agora colocam suas novas vestes para engalanar a primavera com seus verdes tons, e sons dos pássaros, das cigarras e inúmeros viventes encantados.

No embalo da primavera a vida é mais vida, a esperança galopa na beleza abundante da natureza que renasce em cada olhar atento e desabrocha em gratidão à mãe terra.

No dia da " pacificação"

Convite irrecusável. Colegas do Cimi em Florianópolis convidaram para falar da "Vivência com os Povos Indígenas", e juntamente com o Kaiowá Guarani Elizeu Lopes, debater a situação dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul.  Não poderia deixar de falar sobre a trajetória de luta e compromisso com os povos indígenas, uma vez que foi com os Kaingang, Guarani e Xokleng que inicie a trajetória de 40 anos de aprendizado e luta com os habitantes primeiros desta terra. Eram quase 100 alunos indígenas de um curso de licenciatura na Universidade Federal de Santa Catarina.

Ao final da conversa os Xokleng pediram um tempo para apresentar algo sobre a data de 22 de setembro, que além do início da primavera, para eles tinha um significado especial. Faziam exatos 98 anos em que eles decidiram fazer contato pacífico com os brancos. É considerado o dia da "pacificação", ou seja, quando eles decidiram manter contato com a equipe de atração do Serviço de Proteção ao Índio- SPI. Assim como os Kaingang os Xokleng se mantiveram isolados e resistentes ao contato até o início do século 20. E a resistência deles foi a razão da criação do SPI, em 1910.

Egon Heck  -www.egonheck.blogspot.com.br  - Cimi 40 anos, inicio de primavera de 2012

sábado, 22 de setembro de 2012

Homenagem ao guerreiro Avá Apykaverá - Amilton


Jonia, da FIAN Brasil, escreveu uma linda mensagem lembrando o quanto, pacientemente, Ava Apykavera ensinou a nós sobre o modo de vida , luta e resistência do povo Guarani “Aprendi a ter paciência e respeitar as diferenças, a ter perseverança e saber que não importa as derrotas que temos e sim o que podemos construir com o cenário que temos... Ao final do dia estávamos exaustos e Amilton jamais se queixou, se manteve firme e sereno. Sempre que indagado sobre o perigo da situação guarani, ele respondia não temer: “vale a pena lutar pela terra sem males para o bem viver guarani”.
Amilton, era um guerreiro, nada temia por estar com suas plumagens mágicas. É triste Amilton partir antes de ver seu povo desfrutando da terra sem males. Ficam as boas lembranças e o estímulo para continuar na árida busca pela efetivação dos direitos humanos do povo Guarani. Assim, talvez um dia, mesmo que distante, mesmo que em outro plano, ele possa ver a realização de seu sonho, sonho de seu povo. Os feitos de Ava Apykaverá são inspirações ao nosso viver e na atuação do FIAN Brasil. “ Jônia Rodrigues  - FIAN Brasil
Recolhi, para homenagear esse guerreiro Avá, alguns trechos dos escritos e registros das falas que ele foi semeando, com indignação e espeerança, por vários países do velho mundo.

Registrando o momento da partida “Avá senta em frente a seu barraco antes da viagem iniciar.  Vem à memória os 25 anos de luta pela terra, vida e futuro Guarani Kaiowá.  Naquele outubro de 1983 quando, finalmente, voltaram, resolutos, ao tekoha de Pirakuá. Menos de um mês depois Marçal Tupã’i seria assassinado à porta de seu barraco. Vinte e cinco anos depois continuam confinados dentro de sua terra. Continuam as mesmas ameaças e violências. Algumas lágrimas caem ao chão. Não serão em vão. Pega a maleta e parte para mais uma missão de vida e esperança. Acabou de votar e ser votado. O horizonte nunca acaba! Um outro mundo é possível, urgente e necessário.(Nhanderu Marangatu, 5 de outubro de 2008)
Retomando os sonhos Guarani
Avá Apykuverá está muito animado. Em suas falas tem ressaltado a importância de retomarem os sonhos Guarani, que são de não apenas retornar a seus tekoha, mas de verem nelas novamente crescer os alimentos e as florestas. Os animais das florestas sumiram. Quem sabe daqui uns tempos eles possam retornar a essas terras. Só assim também os espíritos, os rituais, a saúde de seu povo poderão novamente estar presentes nas comunidades. Avá está feliz. Está completando 52 anos, aqui em Grenoble. Parabéns! (Grenoble,França, 9 de outubro 2008)

Destruiram nosso supermercado
Uma das questçoes que Avá tem ressaltado em suas falas é a grande tristeza por terem destruído tanto a terra, a mata, os animais, os peixes, enfim, tudo que era parte essencial de sua alimentação natural. “Destruiram nosso supermercado que eram as florestas. Hoje vivemos de alimentos com produtos químicos, pobres, que vem na sexta básica, na maioria das vezes. Quase não comemos mais carne.  A comida de uma sexta básica mal dá para alguns dias. É um tipo de um lanche.” Dessa forma desabafa sobre a triste realidade de carência e dependencia em que se transformou a maior parte dos mais de  40 mil Kaiowá Guarani do Maato Grosso do Sul. “Nosso supermercado foi destruído pelo governo. Nosso supermercado foi trocado pela Colonia Agricola. Nosso supermercado foi trocado pela erva mate, depois pelo gado e soja. E agora está sendo trocado pela cana e etanol”.
Fome de solidariedade e luta
Nesta véspera do dia mundial da alimentação, quando os movimentos sociais, e particularmente os do campo, os trabalhadores rurais que são a metade da população que passa fome no mundo hoje, estarão fazendo mobilizações, Avá também fará seu protesto e diálogo em Bruxelas, sede da União Européia. Irá com outros ativiistas sociais protestar contra a fome e violência a que está submetido seu povo, pedindo a demarcação o mais urgentemente possível das terras Guarani.  “Só com terra poderemos novamente ter liberdade, alegria e fartura”, declarou AVá em diversos momentos.
Em Budapest - Hungria
Avá Apykaverá Kaiowá Guarani faz uma rápida explanação sobre  a situação grave por que passa sua comunidade e povo por causa do confinamento e falta de reconhecimento das terras. Lembra que essa história de violência na verdade já dura mais de 500 anos.. “Hoje estão nos matando lentamente com as leis e as demoras em reconhecer nossos direitos, como as nossas terras”, explica.
Após mais alguns dados para compreensão da realidade  Kaiowá Guarani e da conjuntura  atual em conseqüência do modelo de produção e da  expansão rápida do setor sucroalcoleiro na região, foi aberto espaço para as perguntas dos jornalistas. Havia grande interesse em conhecer a realidade trazida até a Hungria pela Campanha Guarani, através da FIAN e do CIMI. Foi um longo tempo de perguntas visando um melhor entendimento especialmente da situação fundiária, terras Guarani e o sistema de produção do etanol. Foram quase duas horas de esforço intenso para o entendimento de uma das realidades mais graves por que passa um povo indígena no Brasil.  Houve insistência na co-responsabilidade mundial diante da grande crise por que passa o planeta e da necessária solidariedade em nível global diante da violação de direitos fundamentais dos povos e das pessoas ( Budapest, 22 de outubro de 2008)
O que fazer
No final dos encontros, contatos e debates sempre se manifestam os desejos de saber como apoiar essa causa nobre e justa, a vida, terra e futuro dos Kaiowá Guarani. Juntos se tem construído algumas possibilidades e gestos concretos de apoio
  1. Pedir o cumprimento da Constituição  que garante a terra e vivência conforme a organização social, tradição e cultura dos povos indígenas. Igualmente esses direitos estão garantidos na legislação internacional como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas aprovada no ano passado pela Organização das Nações Unidas.
  2. Articulação das instituições e pessoas sensíveis à causa do Povo Guarani construindo uma rede que possa conhecer sempre mais a vida, os valores e os desafios que encontra esse povo nos cinco países da América do Sul onde vivem hoje.
  3. Contribuir com a descolonização exigida pelos povos em todos os lugares do mundo, que significa mudar atitudes, modos de vida, abdicar de privilégios e ajudar na construção de um mundo plural e justo.
  4. Participar concretamente de campanhas de apoio aos Povos Guarani, como a Campanha que a FiAN internacional está realizando enviando cartão ao presidente Lula pedindo a urgente demarcação das terras Kaiowá Guarani .
Pelas ruas , calçadas, corações e mentes, Avá vai semeando a semente da volta do povo Guarani Kaiowá a seus tekohá, terras tradicionais e ali fazer brotar os sonhos e a sabedoria que foram cultivados por milhares de anos pelo seu povo.( Paris, 17 de outubro de 2008)
A volta -  a Campanha Povo Guarani Grarnde Povo nas alturas
Enquanto brigamos com o tempo, aproveitamos para socializar nossas impressões no giro pelo velho mundo. O futuro certamente não passará mais por aqui. Creio que está vindo das Américas. E mais  precisamente das raízes e valores indígenas. É o que nos contou com muito entusiasmo Geza, na Hungria, ex-república da União Soviética. Nos dizia ele que a presença da questão indígena ente eles naqueles dias tinha uma dupla mão. Entender e ver como ser solidário com essa causa e ao mesmo tempo aprender com essas sociedades como voltar a ter uma vida mais simples, solidária e coletiva. Certamente a inspiração na aldeia e seus valores é algo muito real, concreto e possível hoje.
Fomos refletindo sobre os inúmeros contatos, pessoas extremamente gentis, receptivas e solidárias, entidades entusiasmadas com a Campanha, especialmente as equipes de FIAN nos diversos países. Recordamos o acolhimento nas casas dos membros das equipes, as longas caminhas, sobe e desce de metrô, trem, ônibus, trembus (um cruzamento de bondinho e ônibus) e assim por diante. Só não andamos de bicicleta em Amsterdam, onde milhares de bicicletas circulam constantemente e outras tantas estão amarradas nas ruas, com direito até a prédios de estacionamento de bicicleta. Creio que é algo que aponta para o futuro. Ao menos deixa respirar melhor do que em Paris, Pudapest e outros lugares que se assemelham dramaticamente às ruas das nossas grandes cidades. O impressionante é que não vimos nenhum acidente nesses dias e lugares todos e também não atropelamos nenhuma bicicleta em Amsterdam.
  o que não faltou guarani e gauchamente, foi o chimarrão. Não ficamos um dia sem o precioso líquido. A primeira palavra que tínhamos que decorar nas diversas línguas era “água quente”. O único fato curioso foi na Hungria, onde não conseguimos nos prevenir, e quando de manhã fomos entregar a garrafa termina pedindo água quente nas línguas que  conhecíamos o resultado foi uma garra de chá bem doce. Não tivemos dúvidas. Foi o nosso chá-mate.
Já estamos nos reencontrando com a saudade que já foi ao Brasil e voltou. Em breve estaremos pisando firme em chão brasileiro. Pena que seja na poluição de São Paulo. Mas seguiremos. Em Campo grande, antes do dia findar, iremos respirar novamente nosso ar.
Sobre o oceano Atlântico, há 10300 metros de altura, 23, de outubro de 2008
Egon Heck (Cimi) Avá Apykaverá Kaikowá Guaran)i
Mas a esperança está viva como ouvimos nas falas da filha “Meu pai não morreu, está vivo em nossos corações e no nosso sangue de guerreiros”.
Egon Heck  -Povo Guarani Grande Povo, 20 de setembro de 2012

Tudo pelos Guarani



Amilton Lopes, Avá Apikaverá na sua língua Guarani, nasceu em território Guarani, na fronteira com o Paraguai.
Em 2008  foi à Europa para falar da realidade de seu povo, denunciando toda sorte de violência a que estão submetidos os Kaiowá Guarani e buscar solidariedade para os direitos e luta de seu povo.  Carregando  sua bagagem de viagem de duas semanas de mobilização pelos direitos do povo Kaiowá Guarani, na Europa, suava mas não perdia o bom humor. Quando a carga pesava demais e os sobe e desce escadaria de metro eram intermináveis, ele estampava um sorriso no rosto e dizia “tudo pelos Guarani”.  No decorrer da viagem, assim ficou registrado:“ Quando batia o cansaço depois de um dia intensivo de falas, debates, contatos, “Tudo pelos Guarani”, Quando a saudade das gentes e terras brasis batiam forte, quando a falta do feijão e arroz, da carne e das nossas frutas tropicais se fazia sentir, “tudo pelos Guarani”.
Esse era o Amilton Lopes, guerreiro incansável dos direitos de seu povo, que viveu como  poucos os caminhos e descaminhos, as idas e voltas de uma liderança Kaiowá Guarani. Teve momentos de intensa contribuição nas lutas de retomadas das terras, iniciado pelo tekohá Pirakuá, em 1983. Poucos meses depois seria brutalmente assassinado Marçal Tupã’y,  na aldeia de Campestre. A partir daquele momento Amilton sentiu-se comprometido em continuar a luta de Marçal pelos territórios Guarani. É o que fez. Foi mais adiante morar em Nhnaderu Marangatu. Desempenhou importante liderança no processo da luta pela terra. Quando a comunidade foi expulsa pra a beira da estrada, em 15 de dezembro de 2005, fez uma fala violenta, contra a expulsão  defendendo a liberdade e direito de seu povo àquele território.
Se sorrio neste instante
um sorriso de dor,
Não é expressão de felicidade
Mas de um drama,
De uma revolta e indignação,
Pois hoje estamos despejados,
Estamos na rua!
A gente chora
Porque somos expulsados,
O que faremos agora?
Não temos mais paz.

Os Kaiowá tem que ser livres,
Nunca podem ser assim executados,
Hoje choro pelas crianças!

Tenho a certeza
De que esse juiz e esses policiais
Vão dar os melhores presentes
Para suas crianças.
E nós o que daremos para as nossas?
Carinho e esperança,
Fome e talvez um pedaço de pão!

O que pensam que somos,
Esses que fazem isso conosco,
Que somos animais ou traficantes,
Para virem tirar nós daqui
Com fortes armas?
Não precisavam.
Nós sabemos lutar saindo
E sair lutando,
Porque nós Kaiowá Guarani
Resistimos e vamos resistir
Com nossas palavras!

Pisaram em cima de nós,
Mas ainda temos raiz,
Vamos brotar, crescer
E dar frutos.

O sol ilumina o mundo
Ele é nosso pai,
Se ninguém gosta de nós
Vamos destruir o mundo.
(Nhanderu Marangatu – para que o mundo saiba )
A fatalidade e a luta
No domingo, dia 16 Amilton e sua esposa saíram antes do clarear do dia, para pescar. Por volta das 10 horas da manhã, com muita esperança de  pegar uns bons peixes no rio Apa, que passa pela terra indígena Pirakuá, que ele ajudou a recuperar há quase três décadas,  jogou a tarafa. Ao tentar desenroscá-la caiu na água. Fatalidade. Dali não mais conseguiu sair. Seu corpo só foi encontrado três horas depois. Deixou esposa, seis filhas e três netos. No dia  9 de outubro ele completaria 56 anos.
Sua trajetória de vida expressam bem as contradições e lutas do povo Kaiowá Guarani. A terra onde nasceu foi tomada pelo processo de colonização da região do cone sul do Mato Grosso do Sul. De  pequeno foi doado a uma família não indígena para que por eles fosse educado e escolarizado. Viveu então parte de sua infância e juventude em Campo Grande. Cursou o ensino primário. Pelos seus talentos artísticos, integrou-se num grupo de teatro, que fez apresentações em várias regiões do país. Após longos anos em terras estranhas decide retornar às comunidades e lutas de seu povo Guarani Kaiowá. Em outubro faria 29 anos desse retorno. A partir de então participou intensamente do processo da Aty Guasu e as lutas de retomada dos tekohá. Participou de eventos nacionais e internacionais. Teve momentos de intensas alegrias, mas também de tribulações e conflitos. Foi candidato a vereador  nas últimas eleições e foi membro do Conselho Tutelar do município de Antonio João.
Várias vezes falou que gostaria de contar toda a história de vida e luta para que futuramente pudessem conhecer os detalhes dessas lutas. Sua bela e dura trajetória de lutas, vitórias e sofrimentos, certamente será lembrada pelo povo Kaiowá Guarani e seus aliados.
Egon Heck e Laila Menezes
Povo Guarani Grande Povo - Cimi 40 anos ,  19 de setembro de 2012

domingo, 9 de setembro de 2012

Em Rondônia - Celebrando os 40 anos do Cimi


É tempo de celebração. Tempo de graça, de gratidão, de agradecimento ao Deus da Vida e aos povos indígenas por esses 40 anos de caminhada, de crescimento, de doação e presença solidária junto aos povos primeiros, originários desta terra.

Quando nos dirigimos a Nova  Mamoré para nos encontrarmos,  refletir e analisar a realidade, a partir da memória perigosa de décadas de luta  contra os opressores, dominadores e invasores dos territórios indígenas, ficamos  abismados com o cenário de destruição que vem sendo implantado com a construção das duas hidrelétricas – Santo Antonio e Jirau. Repete-se  o macabro cenário das quatro décadas de destruição: mata matada, capim semeado, implantando com a pata do boi a civilização desejada. Hoje mudam apenas os projetos, porém a lógica  perversa da acumulação e destruição continua a mesma. E as principais vítimas são novamente os povos indígenas,  com  seus territórios negados ou invadidos e saqueados.
Celebrando o testemunho, sangue derramado e presença solidária
D. Benedito Araujo, bispo de Guajará Mirim, presidiu a celebração na Igreja São Francisco de Nova Mamoré.   Igreja lotada. Pela primeira vez mais de trinta indígenas Wari, que são desta região, estiveram nos primeiros lugares da igreja. Tocaram sua flauta (hiruroi) e wakam (tambores). D. Bendito pediu perdão a Deus pelas vezes que a igreja foi omissa ou conivente, pelas vezes que os cristãos foram algozes e não irmãos solidários desses povos. Falou dos grandes projetos que continuam sendo implantados sobre os  cadáveres dos povos que ali viviam e que continuam sendo impactados e desrespeitados em seus direitos e sua dignidade.
Também falou da importância de celebrar os 40 anos do Cimi, que possibilitou uma presença missionária profética,solidária,libertadora junto aos povos indígenas   na região e em  todo o país. Ao lembrar  a  responsabi-lidade de todos  os cristãos pela ação missionária solidária e respeitosa com esses povos, pediu a Deus que nos livre dos preconceitos,  dos conflitos, dos projetos  de morte e de toda sorte de  males que trazem injustiça e opressão.
Nós missionários do regional Rondônia e participantes nesta XXVII assembleia também externamos nosso sentimento de  carinho e apoio solidário a esses povos,  dos quais  tanto aprendemos e que infelizmente continuam sendo tratados com descaso, preconceito ou racismo.
Rondônia que sonhamos
De povos felizes se respeitando, convivendo e se enriquecendo com os valores, sabedorias e conhecimentos partilhados.  Com a natureza respeitada, convivendo com a pluralidade da vida semeada por Deus e que não deve ser destruída pela primazia do boi, da soja ou da cana. Essa Rondônia queremos construir com os povos indígenas e todos aqueles que atingidos e explorados pelos grandes projetos,  com o acelerador de morte e destruição, implantado pelo atual modelo de desenvolvimento.

As constantes ameaças e violência sofrida pelo povos indígenas e nos últimos meses tendo-se intensificado contra o povo Kaxarari, localizados em Extrema – RO, que depois de muitas ameaças por parte dos fazendeiros e madeireiros que ilegalmente invadem seus territórios e não contentes com a ampliação do território, tem tomado proporção perversa, com o recente assassinato anunciado de João Kaxarari, sem que as FUNAI e Policia Federal e autoridades tomassem providencias para as constantes ameaças de morte que os lideres deste povo vem sofrendo, mesmo sendo notificados pelo povo, sobre as constantes ameaças de morte.

Nova Mamoré, 05 de Setembro de 2012.
Conselho Indigenista Missionário - Regional Rondonia