ATL 2017

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sexta-feira, 25 de julho de 2014

Avante caminhantes

 Na energia do universo, no caminho da alma, no espírito dos ancestrais,  na sagrada terra indígena da ilha do Bananal!
Ao iniciar o mês de julho adentramos  às terras, águas flores e animais da ilha, com a benção dos índios Jawaé.  Seguimos nos caminhos de muita vida, em partilha, reciprocidade e troca de saberes com os povos indígenas. Nos despedimos, depois de 20 dias,  na aldeia Karajá de Santa Izabel do Morro. Atravessamos o Araguaia para um encontro muito especial, em São Felix do Araguaia, com D. Pedro Casaldáliga. Com sua ternura radical e testemunho profético nos conclamou para a causa indígena e nos abençoou como ancião, poeta e irmão maior na fé.  Na momento da  foto sorridente comentou  “é proibido usar em campanha eleitoral.
Vinte dias de travessia e partilha. Quase  100 km de troca de passos, espaços e saberes. Uma caminhada memorável atravessando os medos e as belezas da maior ilha fluvial do planeta. Fomos os primeiros a fazer a travessia a pé. Muitas recomendações e temores: cuidado com as onças, os jacarés, as piranhas. Atravessamos ilesos todos esses medos e apreensões.
Os Jawaé, Karajá e Avá Canoeiro, povos guerreiros e resistentes, nos acolhem com alegria e sabedoria. Tudo no seu tempo e significado. As redes atadas na beira do rio ou da estrada, as barracas embaixo de frondosas mangueiras ou  vegetação do cerrado. Tudo acontecendo a contento e a seu tempo.
Quarenta e quatro caminhantes, pé na estrada, mochila nas costas e o coração aberto para o diferente.  Fomos sendo surpreendidos pelos bandos de biguá, garças, socó boi e uma infinidade de pássaros.  Até os enormes Tuiuiu,  em seus ninhos no alto das árvores, vigilantes com seus filhotes deram os ares de sua graça
Quando as bolhas, calos começaram aparecer, era a hora da solidariedade e  as paradas para refazer as energias e tratar as feridas no corpo e na alma com os óleos naturais, e os cuidados necessários

A ilha do Bananal: belezas, impactos e ameaças

A ilha do Banana é berço natural de povos indígenas como os Jawaé e Karajá. Há mais de dois séculos se iniciou um processo de contatos e invasões por parte dos interesses nos recursos naturais e belezas da ilha. Porém a invasão maior se deu a partir de meados do século vinte, com a marcha para o Brasil Central. A partir de então interesses turísticos e da expansão  pecuária se estabeleceram na ilha. Apesar de ser declarada Parque Nacional e a partir da década de 80, dois terços serem declarados Terra Indígena, as invasões estimuladas por políticos e o latifúndio, dez com que mais de 20 mil pessoas ocupassem a ilha,  chegando a ter  mais de 100 mil cabeças de gado.
No governo de Juscelino Kubitschek, foi construído um grande hotel, próximo à aldeia Kararjá  de Santa Izabel, com o intuito de desenvolver ali um polo turístico.  Serviu como local de férias e safari para os militares durante a ditadura. Foi repassado parar o governo de Goias no iíncio da década de 80, para  utilização para o turismo na ilha. Felizmente o projeto não se consolidou. Os índios se livraram do pesadelo ateando fogo no lendário Hotel JK. Hoje restam apenas as ruinas entre árvores e as casas de palha de babaçu.
Outra grande ameaça foi o início da construção da estrada Transaraguaia, em 1983. Houve uma grande reação nacional, pois se considerava essa como “estrada da morte”, da insensatez, da ignomínia. Um absurdo. Teriam que ser feitos mais de 80 km de aterro de 3 a 6 metros. O impacto sobre o ecossistema da ilha seria fatal No depois de iniciadas as obras os índios Jawaé interromperam os trabalhos e obrigaram a retirada das máquinas. Porém até hoje continuam as pressões dos políticos e do agronegócio para a construção dessa estrada. Ainda no ano passado o governador do Tocantins, Siqueira Campos esteve com os Karajá tentando mostrar as vantagens da estrada, fazendo promessas e doando objetos agrícolas. Uma liderança Jawaé, solicitou aos caminhantes que os apoiássemos na luta contra a construção dessa estrada. Nos comprometemos com essa luta pelo bem da vida e da mãe terra. Vimos, sentimos e nos sintonizamos com o direito amplo de todas as formas de vida existentes na ilha do Bananal.
D. Pedro comentou que há mais de quatro décadas, quando aí chegou a ilha era um espetáculo pela exuberância de vida . Infelizmente já foi bastante impactada pelas sucessivas e variadas formas de invasão, principalmente pela pecuária e turismo.
Nos unimos, no caminho da resistência, afirmação de direitos e da vida, a todos os que lutam para que a ilha do Bananal  continue sendo não apenas a maior ilha fluvial do mundo, mas também um exemplo de preservação sócio-ambiental.
Caminhantes da  vida na “troca de saberes”, não apenas vivenciamos uma experiência admirável desse grande Brasil desconhecido, mas construímos e assumimos um compromisso com os povos indígenas e a ameaçada biodiversidade dessa região.
Avante caminhantes, o caminho se faz caminhando, com lutas concretas, sonhos e utopias.

Egon Heck e Laila Menezes
Cimi-Secretariado
Brasilia, 24 de julho de 2014


sábado, 28 de junho de 2014

Por detrás da bola

 
 Vem correndo um moleque feliz. Descontraído, sente-se livre. Enquanto  os demais estão amarrados a uma TV ou estádio, ele, com outros seus iguais, conquistou um pedaço da rua deserta. Estrada que vira campo  de futebol não é novidade. Causa espanto quando isso acontece em pleno dia da semana, em rua movimentada. Só sucede num país eletrizado pela Copa do Mundo. A criançada da periferia agradece.
Do outro lado da rua, a cachorrada  anda em fila indiana, atrás do prazer, sem saber como esconder o profundo mal estar que lhe proporcionava aquele barulho infernal, dos rojões.  Chegaram a expressar a intenção de se esconder em algum  local a prova de barulho. Mas aonde se esconder, se os estouros eram tantos que não lhes deixavam nenhuma alternativa.  O jeito era suportar a dor nos tímpanos buscando se divertir ou protestar, com umas orquestradas latidas e uivadas.
Enquanto isso, em várias regiões do país, silenciosamente, cidadãos desse país, se preparam para mais uma jornada da “Caminhada Troca de Saberes”. Atividade de interação, troca de saberes e solidariedade. Momentos ímpares de encontro consigo mesmo, com as populações, com a natureza. Cada passo é uma partilha. Cada abraço é a valorização e respeito ao diferente. O caminho vai sendo feito em harmonia com a mãe terra e a natureza acolhedora, com sua beleza e a sabedoria profunda de seus habitantes primeiros. Salve os Javaé, Karaajá e Avá Canoeiro, sobreviventes. Salve a Ilha do Bananal em sua rica sócio e biodiversidade, que será o berço de nossos sonhos e ações nas próximas semanas.

Ilha do Bananal – Malvado Tory (branco) – turismo, prostituição e cachaça

Consta nos livros de geografia de que se trata da maior ilha de águas fluviais do mundo. Carregamos o estigma de “maiores do mundo” em alguns aspectos. Portanto nada de mais se a ilha do Bananal nos brinda também com esse título.

O velho cacique Arutana desabafa “ todas as doenças foram trazidas por ‘tory’. O que estragou a gente foi doença e bebida” Em depoimento registrado pela jornalista Memélia Moreira  publicada em FSP, 25/04/1977 com as manchetes “Carajás um povo ameaçado de extinção” e “Turismo pode acabar com índios que moram na Ilha do Bananal”. Era o momento em que se estava começando a implantação um grande projeto de turismo que tinha como ícone e famoso Hotel John Kennedy. O Hotel na ilha, com suíte presidencial fora construído por Juscelino Kubistchek, num dos mais belos lugares do país. Serviria para refúgio e turismo dos altos escalões dos governos. Acabou na decadência total e só voltou ao cenário econômico quando  a Superintendência de Desenvolvimento do Centro Oeste-Sudeco, entregou à Goiastur o lendário hotel, nas margens do Rio Araguaia. Era dia do índio de 1977. Mais um golpe para a população indígena da ilha.

Transaraguaia –“estrada assassina”

Assim D. Pedro Casaldáliga classificou esse empreendimento do governo militar (Folha de São Paulo 19-10-1983). Em seu depoimento na Comissão do Índio da Câmara, disse que a estrada é “absolutamente inviável, pois atinge áreas que são leito do rio Araguaia e sua construção exigirá a realização de obras de aterro num percurso igual a 80 km.”...e prosseguiu “se  o governo quisesse de fato beneficiar a população da região bastaria que com apenas 20 por cento dos recursos previstos para a construção da Transaraguaia, realizasse obras de correção e pavimentação da estrada do  Calcário, que serve hoje à população do Araguaia”
A construção dessas estrada cortando ao meio a ilha do Bananal foi duramente criticada por instituições, organismos e pessoas ligadas ao meio ambiente, populações indígenas e indigenistas e direitos humanos .’Não é preciso ser nenhum profeta para adivinhar que essa estrada irá acabar com a flora e fauna da região...Os índios da Ilha do Bananal já demonstraram que não aceitam, sem luta, o extermínio ecológico do lugar que abitam” (Brasigois Felício – O Popular 28-08-1983) O autor qualifica a construção dessa estrada como  “crime de lesa humanidade e de “ecocídio sistemático”.
A pressão para abrir estradas na ilha  continuam. No ano passado  foi relizado um rally atravessando a  ilha do Bananal para entregar um documento ao governador pedindo a construção de uma estrada asfaltada cortando a ilha do Bananal.
Nos próximos 20 dias estaremos caminhando nesse chão de forma respeitosa e solidários na defesa da natureza e dos povos indígenas.
Caminhantes, pé na estrada, com muita dignidade, pois o chão que vamos pisar é sagrado, é a mãe terra dos povos Javaé, Krajá e Avá Canoeiro.

Para entender melhor

Caminhada troca de saberes
É um momento, no início ou metade do ano, em  algumas dezenas de pessoas se encontram parar caminhar em determina espaço do território nacional ou latino americano, para sentir, conviver e trocar saberes com as comunidades que ali vivem.
São vinte dias de intensa interação e conhecimento da sociobiodiversidade. Embalados pelo lema: verdade, simplicidade e amor, cada caminhante sente-se comprometido com a vida existente na mãe terra.Para maiores informações assista o vídeo em que Antonio Alencar, um dos idealizadores e esteio dessa iniciativa, fala um pouco do histórico e objetivos da caminhada troca de saberes.

http://www.youtube.com/watch?v=2-JmYrWcQQs

O Parque Nacional do Araguaia – criado em 1950 com 562 mil hectares.
A construção da estrada seria para atender um polo de produção de álcool e açúcar na região leste do MT e beneficiar 150 empresas agropecuárias.

População originária-indígena

Foram caçados como mão de obra pelos bandeirantes no século XVIII
O avanço da frente agropecuária se intensificou a partir da “Marcha  para o Oeste, na década de 50. Com a expansão  da pecuária, o meio ambiente e as terras indígenas e seus habitantes foram drástica e violentamente atingidos. Destruição da natureza e proliferação de doenças e epidemias.
Simultaneamente foi estimulado o turismo na região da ilha.

Egon Heck 
Luziania GO 28/06/14



segunda-feira, 9 de junho de 2014

Matando com e contra a lei


Seguidamente  vemos os povos dos indígenas expressões como “estão nos matando com a lei, a canetaços,  leis que eles mesmos fizeram, dizendo que é para nos defender. Basta citar todas as Constituições desde 1938 até a de 1988. Em todas elas está garantido o direito a nossas terras, à proteção dos nossos territórios. É obvio que nesse quesito a Lei Maior do país foi olimpicamente desrespeitada. Os territórios indígenas foram invadidos, os recursos naturais saqueados. E o que é mais grave, continua o mesmo processo.  
Vale lembrar o Código Civil, de 1916,  tão cioso em defender os índios, que os enquadrou na categoria dos menores de idade, dos relativamente  incapazes. Será que já paramos para olhar as barbaridades feitas contra os índios por seus tutores, em nome da tutela? Basta dar uma foleada nas mais de 7 mil páginas do Relatório Figueiredo, fruto de uma rápida investigação, em 1967, sobre a atuação do Serviço de Proteção aos Índios - SPI  Poder-se-ia dizer que tudo que é crime e perversidade foi encontrado, sendo em maior parte  as ações e crueldades feitas por agentes do Estado, pelos tutores, ou no mínimo, com a conivência e omissão dos mesmos. E se tivermos mais um pouco de tempo, que tal folear as milhares de páginas de violências contra os povos indígenas expostas nas Comissões Parlamentar de Inquérito-CPIs de 1953 (senado), 1963 e em consequência dessa outra em 1968 e depois em 1977.  Assim teríamos um enorme mosaico de violências, violações dos direitos indígenas, caracterizando um processo de etnocídio e genocídio.
Até mesmo a lei 6.001 – Estatuto do Índio, de dezembro de 1973,  vigente até hoje,  tem sido largamente usada pelos inimigos dos índios e pelo Estado brasileiro, para promover a integração-assimilação dos povos indígenas, e utilizar os territórios conforme suas conveniências, pois no artigo 20 estabelece que a União pode dispor das terras indígenas sempre que entender que seja para a “segurança nacional”, ou para realização de obras, ações, de interesse ao desenvolvimento do país.
Se tudo isso não bastasse para ao menos sacudir um pouco a nossa consciência adormecida e mal informada com relação aos povos indígenas e seus direitos, vemos que, infelizmente o processo de matar os índios com a lei, apesar da lei ou contra a lei continua. Lembremos o que afirmou Orlando Vilas Boas, na década de 70 “Em cada século o Brasil matou um milhão de índios”. Provavelmente o número seja ainda maior. Apesar de tudo isso continuamos impassíveis, sendo alimentados com bombardeios de informações sobre a Copa do Mundo. Para a maioria dos povos indígenas é apenas mais um tempo de sofrimento, de violências, desrespeito, racismo e assassinatos. Mas avisam “estamos em campo, nem que seja nas batalhas, enfrentando bombas e balas de borracha. “O gol que interessa a nós povos indígenas é a demarcação de nossas terras” afirmou Sonia Guajajara, após encontro com os presidentes da Câmara e do Senado.
A luta ruralista contra a lei
Não satisfeitos  com todas as investidas para tirar os direitos indígenas da Constituição, na semana passada eles abriram um novo flanco para sua artilharia pesada.  O novo alvo foi a “iníqua”(segundo eles) Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT, da qual o Brasil é signatário desde 2004.
O debate sobre a revogação da Convenção 169 é uma investida dos ruralistas, que estão utilizando a Comissão especial da PEC 215 para fazer palanque contra os direitos dos povos indígenas e populações tradicionais. O propositor da investida é o deputado José Cezar Quartiero, conhecido pela truculência contra os povos indígenas em Roraima, respondendo a vários processos.  Segundo Fernando Prioste, advogado popular e o coordenador da Terra de Direitos, “a iniciativa ruralista é um claro ataque a indígenas, quilombolas e povos tradicionais que lutam pela efetivação de direitos.”
O mais grave descumprimento de leis foram sem dúvida a da não demarcação das terras/territórios indígenas. É como se o Estatuto do Índio não tivesse ordenado ao Estado brasileiro a demarcação de todas as terras indígenas até dezembro de 1978. E o mais grave, a Constituição de 1988 estabeleceu outros 5 anos para a demarcação de todas as terras indígenas. Até hoje vemos a recusa do Estado brasileiro em cumprir essa sua obrigação, e o legislativo, por pressão dos ruralistas e do agronegócio, tentando inviabilizar a demarcação das terras indígenas. Quem está pagando com seu sangue e sofrimento esse descumprimento das leis são os povos originários desta terra. Enquanto isso se continua matando com a lei, procurando também desconstruir e matar direitos conquistados na Constituição e legislações internacionais.
Enquanto isso a bola vai rolar tentando fazer o gol da terra mãe!

Egon Heck
Cimi, secretariado nacional

CFVC-Luziânia, 8 de junho de 2015

sábado, 31 de maio de 2014

Nos caminhos do poder – repressão e medo




 

Brasília amanheceu em tom acinzentado. Para os quase 600 representantes indígenas de todo país reunidos no décimo acampamento Terra Livre era um dia de intensa mobilização e manifestações na capital federal.

Parece que procuraram testar o esquema de segurança e repressão com os povos indígenas. O local do acampamento foi permanentemente  vigiado  e tentaram  intimidar as lideranças  parando os ônibus  na BR  040, rumo aos três poderes.

Nada mais simbólico do que ocupar, com rituais, danças, flechas , maracás e bordunas, a praça dos três poderes. Ecoou forte o grito de “estamos vivos! E estamos aqui!. Na praça já estavam manifestantes dos atingidos por barragens – MAB.

A parte da manhã desse memorável dia 27 de maio terminou com os indígenas protocolando uma queixa crime contra os parlamentares Luiz Carlos Heinze e Alceu Moreira por declarações racistas e criminoso incitamento à violência contra os índios. A bancada ruralista está aproveitando a Comissão Especial da PEC 215 como palanque anti-indígena e ataques aos direitos constitucionais desses povos.

Sob um Sol escaldante , com o refrigério de algumas nuvens densas, os indígenas deram sequencia às manifestações dirigindo-se em passeata até à frente do palácio do planalto. Forte esquema de segurança já estava armado. Os índios deram seu recado em frente à rampa do palácio e seguiram em direção do Congresso.  De repente irromperam para a plataforma que envolve os plenários da Câmara dos deputados e do Senado. Ali fizeram rituais e danças, à semelhança de 1988 quando da conquista dos direitos indígenas na Carta Magna. Esse “espaço público especial,  foi fechado ao povo. Porém assim como visitaram o plenário por dentro, em abril do ano passado, desta vez o visitaram, pelo lado de fora. Os povos primeiros visitam os lugares proibidos!

A manifestação seguiu, acompanhado de veementes falas das lideranças, até o Ministério da in-justiça. De maneira incisiva e dura, cobraram do ministro Cardozo a retomada das demarcações das terras indígenas e garantia dos direitos desses povos. Foi também o momento de um bom grupo se refrescar nas cachoeiras do ministério.


Nos caminhos da Copa, a repressão



O dia já avançava para seu final, com um agradável clima para os manifestantes que se dirigiram para o Estádio Internacional Mané Garrincha. Como brasileiros tinham o direito de  ver a taça ali exposta. Porém, no caminho, já próximo ao estádio a marcha foi brutalmente interrompida com cavalaria, gás lacrimogêneo e de efeito moral, balas de borracha e spray de pimenta. Seis índios foram feridos com balas de borracha.  A caminhada havia sido convocada pelo Comitê Popular da Copa – DF, numa caminhada pacífica até o Estádio mais caro do país, que mostra o encastelamento do poder da FIFA.

A articulação dos Povos Indígenas do Brasil, distribuiu nota de repúdio contra mais essa violência contra os povos indígenas. Repetiu-se a repressão cometida em Coroa Vermelha no ano 2000..

Egon Heck
 Secretariado do Cimi

Brasília, 28 de maio de 2014

O ajuste do Ministro da Justiça


 “Para nós indígenas o único gol que interessa é a demarcação de nossas terras”. Essa foi a afirmação de Sonia Guajajara, após o encontro com os presidentes da Câmara e do Senado. Deles as lideranças receberam mais uma vez a promessa de que a PEC 215 só irá a votação se houver “consenso”, conforme Henrique Alves  ou “convergência” para aprovar a PEC 208 no Senado, segundo  Renan Calheiros.
Não é a primeira vez que se tenta tirar direitos e terras dos índios. Essa é uma prática  colonialista de cinco séculos. Mudam apenas os atores e nomes: sesmarias, coronéis, latifundiários, governos, militares, direita e esquerda. Sem escrúpulos ou preocupações com direitos humanos, justiça, opinião pública, reações dos índios. A força prevalece. Se impõem o estado da injustiça.

Diante do fracasso das chamadas “meses de negociação ou diálogo” o ministro Cardozo encontrou uma pérola jurídico/política que é o “ajuste de direitos” ou seja você reduz a terra de sua comunidade Guarani de Mato Preto, de 4.000 para 600 hectares, ou fica sem terra ad infinitum.  Vocês escolhem. O que é mesmo terrorismo na legislação internacional e para o ministro da Justiça? Os Guarani de Mato Preto e mais trezentos e poucos povos sabem em suas vidas o que isso significa.

A delegação de lideranças indígenas que participaram da audiência com o Ministro da Justiça ficaram revoltadas ao ouvir dele as afirmações de que pretende sim mudar os critérios de regularização das terras indígenas e de que os processos de demarcação continuarão paralisados, sendo o único caminho o das “mesas de negociação”.  Afirmações que demonstram claramente a subordinação do atual governo à república ruralista e interesses eleitoreiros.
A paralização da demarcação das terras indígenas e as armadilhas das negociações e ajustes de direitos, que joga na vala da insegurança centenas de terras indígenas, foram denunciadas no 10º Acampamento Terra Livre.



A terra mãe, no caminho do Bem Viver

 “A nós povos indígenas resta o caminho da denúncia sistemática, em nível nacional e internacional, da violação dos nossos direitos, a pressão sobre os responsáveis pelos crimes, criminalização e assassinato de nossas lideranças e ações  de retomadas de nossas terras”, afirmou Lindomar Terena, ao participar de mais uma mobilização nacional dos povos indígenas.  Ele acabava de fazer a denúncia da violação dos direitos dos povos indígenas do Brasil, na União das Nações Unidas – ONU. “Ao contestar a bela imagem de harmonia que o governo brasileiro tenta impor internacionalmente, nós povos indígenas estamos passando por um dos piores momentos de nossa história. Estamos submetidos a violências diárias,  sendo nossas lideranças criminalizadas, presas e assassinadas.  Em consequência disso a gente percebe o desespero cada vez maior. Só entre os Kaiowá Guarani houve 73 suicídios em 2013,, um dos índices mais altos do mundo. E a demarcação das terras paradas. Não querem a nossa sobrevivência. Mas apesar de tudo isso nós continuaremos resistindo e apresentando o caminho dos nossos projetos do “Bem Viver”, para a sociedade brasileira”, afirma Lindomar.

Concluiu dizendo que “apesar de toda perseguição e morte, temos a certeza da vitória”.


Ao retornarem às suas aldeias levam a certeza de que valeu a pena. Valeu enfrentarem a polícia e as bombas da repressão, como na Marcha e Conferência 2.000 em Porto Seguro. Valeu dançar e fazer ritual na plataforma do Congresso, como na conquista da Constituição em 1988. Valeu  o encontro entre parentes de todo o país, para oxigenar a esperança e traçar os rumos das flechas incendiárias e os sonhos de um novo amanhecer. Valeu externar toda a indignação e revoltas represadas, em longos rituais e falas cortantes.Valeu

ocupar o ministério da (in) Justiça por um dia, para gritarmos a uma só voz – basta de sangue derramado e toda tipo de violência. Valeu conclamar todos os guerreiros e antepassados, para junto com nossos deuses tornar nossas lutas vitoriosas e construir com nosso sangue e saber, o Brasil plural e justo pelo que tanto lutamos.


Egon Heck, Cimi
Secretariado Nacional
Brasilia31 de maio de 2014

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Memória e mobilização indígena







Mobilizar a memória perigosa.  Lutar sabia e tenazmente contra todas as tentativas de suprimir direitos constitucionais. Dizer um enfático basta às violências e violações  dos direitos dos povos indígenas e outras populações oprimidas.
Nesse contexto  realizou-se em Brasília a reunião da Comissão Indígena da Verdade e Justiça. Esse é um dos espaços de luta do movimento indígena e aliados para fazer frente à avalanche de iniciativas que visam retirar direitos constitucionais e consuetudinários desses povos, articulados pelas ruralistas e o agronegócio  com a complacência e anuência tácita do governo.
O objetivo maior da Comissão Indígena é que se faça justiça através da reparação coletiva e individual  pelos crimes perpetrados contra os povos indígenas com a participação direta de entes do Estado ou pela omissão do mesmo. O Ministério Público Federal, que participou da reunião, constituiu um  grupo de trabalho que já está trabalhando em alguns casos.

Hoje como ontem

Também foi insistido na importância de se reescrever a história desse país com os povos nativos para que aflore a verdade desses 500 anos de invasão, em que em cada século se exterminou mais de m milhão de indígenas, conforme afirmação de Orlando Vilas Boas. Essa história não pode continuar sendo jogada embaixo do tapete.  A memória militante e permanente contada por cada ancião dará visibilidade a essa resistência combativa e insurgente dos povos massacrados, porém não vencidos.
Há poucos dias o governo brasileiro foi denunciado na Organização das Nações Unidas – ONU pela violação dos direitos dos povos indígenas, pela repressão e prisões arbitrárias, pela paralisação da demarcação das terras indígenas, que estão na origem de situações clamorosas como o suicídio de 73 Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul, em 2013. Situação semelhante às denuncias feitas por Lindomar Terena, ocorreu em 1980, quando Daniel Pareci denunciou na Assembleia Geral  do Conselho Mundial dos povos indígenas – CMPI, as arbitrariedades e violências  contra os povos indígenas praticadas pelos governos da ditadura militar. Nesta ocasião foi aprovado resolução de encaminhar essas denúncias à ONU e ao Vaticano. Neste mesmo ano Juruna foi impedido de ir ao Tribunal Russel, na Holanda, onde foram analisadas as violações dos direitos dos povos indígenas nas Américas. Só após intensa batalha judicial ele conseguiu viajar, presidindo o último dia dos trabalhos.  O Brasil foi condenado por violação dos direitos indígenas e genocídio. Do tribunal também participaram Darcy Ribeiro, Alvaro Tucano, Dom Tomás Balduino, Marcio Souza e Egydio Schwade.  Os governantes de então temiam que as denuncias  graves maculassem a imagem do país.


 

Mobilizando a luta e a esperança


Inicia nesta segunda feira mais uma semana de mobilização nacional dos povos indígenas, promovida anualmente  pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil  - APIB, com apoio dos aliados da causa.. A pauta principal é a garantia das terras e territórios indígenas, que estão sob intensa pressão por parte do Estado brasileiro, especialmente o poder Legislativo, através da bancada ruralista e o agronegócio. Estão em curso inúmeras iniciativas para suprimir direitos indígenas da Constituição.  As mineradoras também voltaram  com sua artilharia e máquinas pesadas, postadas diante das terras  indígenas.

Gol da terra

A Copa do Mundo está à porta. O governo propala e se ufana de que entregou ingressos a alguns indígenas. A mobilização indígena está interessada em saber quando vão ser demarcadas as terras indígenas e reparados os danos ambientais e massacres cometidos contra esses povos.
A mãe terra clama pelos seus primeiros habitantes, juntando-se a eles
Nesta semana de mobilização pela vida e os direitos dos povos originários.
Só haverá gol com a demarcação e garantia das terras, respeito à natureza e justiça. Estamos todos convocados parra essa mobilização

Egon Heck
Cimi – Secretariado nacional

Brasília, 26 de maio 2014

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Espiritualidade Indígena – a força que vem de dentro





O  que move povos tão distintos como os Aymara e Quechua dos Andes do Chile e Bolivia a se encontrar com os guerreiros Xavantes ou os resistente Kayowá, Guarani   ou Pay do Paraguai
 Talvez só o sonho e o compromisso com os povos indígenas das Irmãs Lauritas, as irmãs dos índios, e  a intensa busca de união e harmonia dos  
povos indígenas nesses quatro países foram  construindo  esse encontro continental de espiritualidade indígena,  em consonância com os encontros continentais de Teologia India e outras iniciativas que buscam o intercambio e reflexão dessa temática.
O que ficou evidenciado nesses dois primeiros dias do encontro é a centralidade que tem a espiritualidade nos processos de resistência e luta dos povos indígenas por seus direitos, particularmente pelos seus territórios. Daí decorre  uma espécie de espiritualidade da terra, da mãe terra, da Pacha Mama.  Um momento importante  é de harmonizar e trazer aqueles que já partiram para a celebração. Os espíritos dos antepassados se fazem presente nos rituais.
Essa harmonia e integração com a natureza, a comunidade, os parentes, ficou ressaltada nos rituais e exposições da delegação andina.  A religiosidade e espiritualidade, após mais de 500 anos de intensa relação com outras religiões, especialmente as cristãs, construíram uma espiritualidade muito própria, nas raízes profundas de suas espiritualidades com elementos do cristianismo.
Evidencia-se  os aspectos festivos e alegres dos rituais e celebrações, da partilha, da reciprocidade, dos presentes, da cura,da gratidão à Pacha Mama. A reverência ao sol e a folha da coca  tem uma função simbólica sagrada na relação dos povos  originários e a mãe terra

A espiritualidade guerreira dos Xavante ecoou forte. Quirino fez questão de ressaltar “Somos um povo guerreiro, mas somos alegres”. Essa alegria e energia não é apenas ressaltada nos corpos robustos cobertos de urucum mas também nos rituais e danças de expressão forte, ritmada.
O ritual da cura, com uma complexa interação com o universo e com Deus, foi detalhada por Quirino e lideranças desse povo.
O que mais está marcando o encontro é a interação, o intercambio, a celebração da vida na pluralidade de rituais e simbolismos.
Uma das manifestações importantes foi o desejo de construir e reconstruir caminhos e formas de solidariedade entre os povos como tem acontecido com frequência nas lutas das décadas de 70 e 80.  Foi expresso pelos Xavante seu desejo de apoiar concretamente a luta dos parentes Kaiowá Guarani e Terena.
Os Kaiowá Guarani com sua intensa espiritualidade marcaram desde o início o encontro, dando o tom celebrativo e o desejo de união não apenas dos Guarani do Brasil, Paraguai, mas de todos os povos originários do continente.
Para melhor compreensão todas as intervenções e colocações são feitas em três línguas – português, espanhol e guarani.
Mais do que belas palavras, frases de efeito, raciocínios lógicos, o que se vivenciou nesses dois dias foram intensos rituais e manifestações religiosas na pluralidade originária deste continente, a partir da força que vem de dentro.
Egon Heck e Laila Menezes
Secretariado Cimi
Campo Grande, 13 de maio 2014


Na memória dos lutadores e guerreiros, Dom Moreira e Dom Tomás e todos os que deram sua vida nesta causa