ATL 2017

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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Declaração de guerra aos povos indígenas do Brasil




“Quando estão desarquivando a PEC 215 estão declarando guerra aos povos indígenas do Brasil. Vamos mostrar que estamos prontos para a guerra”.  Essa declaração feita por um dos caciques Kayapó na audiência com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, calou fundo no coração e sentimentos de todos os que estavam sentados na sala da Presidência. Tudo que acontecer daqui pra frente, não o será por falta de aviso.


Acabar com a PEC 215
“Acabar com a PEC 215, é isso que estamos pedindo. Cada vez mais o governo está sendo inimigo dos povos indígenas”. Disse em alto e bom tom, na língua Kayapó, um dos cinco caciques participantes da audiência. E arrematou: “Estão querendo acabar com a gente. Mas isso não vamos deixar”. O recado foi claro e contundente: em 2015 nada de PEC 215.
Um batalhão de representantes da imprensa apenas pôde registrar o cenário por breves segundos.  Eduardo Cunha, que depois tentou explicar sua posição, não poderá dizer que não foi avisado. Caso houver insistência na aprovação do projeto de emenda constitucional, “semanalmente estarão delegações dos índios de todo o país para impedir que isso aconteça”, afirmou outro cacique. Esta afirmação foi endossada por parlamentares presentes, como Sarney Filho que afirmou que “a correlação de forças é injusta. Caso houver insistência na aprovação dessa PEC, que não deveria existir, semanalmente teremos delegações indígenas aqui para chamar atenção para essa fratura exposta”.

O cacique Mekren, verberou com gestos incisivos: “Peço, por favor, acabar com esse projeto que vocês estão desengavetando. Peço para acabar com isso”. Outro cacique complementou: “Não é nós que estamos caçando briga com vocês. É vocês que estão caçando briga com nós. Deveria ter o mínimo respeito com nós, porque você fez acordo com os ruralistas...”.
O deputado Chico Alencar lembrou que os índios estão fazendo a leitura de que a Constituição foi como um contrato histórico que querem quebrar com essa PEC. “Eles não aceitam esse ataque. Aliás, essa PEC não deveria existir. Nós estamos declarando guerra a eles. Vamos evitar o genocídio”.

Disse que não fez
Em pouco mais de 20 minutos os Kayapó não deixaram dúvidas quanto à sua disposição de continuar lutando contra a referida PEC. No terceiro dia de trabalho da nova legislatura, os índios deram seu recado. O novo presidente da Câmara, que no último dia de janeiro se filiou à frente ruralista, tentou explicar sua posição enquanto presidente da Câmara. “Não tenho condições de barrar essa PEC e a formação de uma nova Comissão. É uma questão regimental. É só algum deputado pedir o desarquivamento e ela passará a tramitar conforme determina o regimento interno da Casa”. Em tom de desabafo: “Não fui eu que fiz essa PEC, que criou a Comissão. Só cumpro o regimento. Não tenho poder de acabar com essa PEC, não tenho competência para não desarquivá-la”. Afirmou ainda que não fez acordo com os ruralistas.
Dessa forma disfarçou o fato de que o desarquivamento já havia sido solicitado dia 3 deste mês. Os parlamentares solidários com a causa e direitos indígenas insistiram com o presidente da Câmara para que o tema seja melhor discutido com a sociedade e que não haja açodamento nos encaminhamentos dessa PEC, que se façam encontros com os ruralistas no sentido de encontrar alternativas , como a indenização dos títulos de propriedades de boa fé. Outro parlamentar ressaltou que está se fazendo uma espécie de terrorismo entre os ruralistas afirmando estar se criando terras indígenas aleatoriamente. O que não é verdade. Esse risco não existe.
No final, Eduardo Cunha concluiu dizendo se empenhar para a construção de diálogos e consensos. E deixou seu recado: “Vocês devem fazer isso civilizadamente”.

Lutas heroicas dos Kayapó pelos direitos indígenas

Lembro do momento histórico em que os Kayapó pediram que o Cimi os ajudasse apenas com hospedagem, que eles viriam a Brasilia para se unir aos demais povos indígenas na luta pelos direitos na Constituinte. Foram momentos inesquecíveis em que não houve guardas que os barrassem para exigir os direitos em qualquer espaço do Congresso. Isso nos idos tempos de 1987 e 1988. Passados mais de 25 anos e aqui estão eles novamente. Desta vez, quando se imaginava que os direitos estivessem sendo respeitados e colocados em prática, eles retornam ao cenário da luta, para evitar que haja retrocesso ou mesmo perda de direitos constitucionais.
É lamentável que o Brasil, após aprovar uma das constituições mais avançadas à época, com relação aos direitos indígenas, em especial, se encontre na deplorável situação de querer excluir ao invés de cumprir esses direitos.
Como no início do século XIX, na interpretação dos povos indígenas, está em curso nova declaração de guerra aos povos indígenas do Brasil.

Egon Heck
Cimi secretariado
Brasília, 5 de fevereiro de 2015

Kayapó vem a Brasília exigir seus direitos



Uma delegação de mais de 50 indígenas Kayapó  das Terras Indígenas Mekragnotire e Baú, do sul do Pará, município de Bom Progresso está em Brasília para cobrar das autoridades seus direitos constitucionais e as promessas feitas e não cumpridas.
Quando chegaram em frente ao Congresso não demoraram a chegar os primeiros interlocutores, os policiais. Logo um ar de nervosismo se espalhou pelos espaços do poder, ainda sob o impacto das reações de dezembro do ano passado, quando conseguiram evitar a aprovação do relatório da Comissão especial da PEC 215.
Astutamente conduziram os indígenas até uma sombra distante da portaria de entrada do anexo 2, com a promessa de que iriam ver a questão da conversa que os Kayapó estavam solicitando com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. A ele queriam perguntar as razões e consequências de suas declarações com relação ao apoio aos ruralistas, em detrimento dos direitos indígenas. “Queremos ouvir sua palavra”, afirma os indígenas em documento que gostariam de ter entregue ontem ao deputado Eduardo Cunha. Após mais de duas horas de espera, enquanto acontecia a reunião dos líderes dos partidos na Câmara, finalmente uma informação transmitida pelo deputado aliado da causa indígena, Chico Alencar “O presidente está muito atarefado, mas vai receber uma delegação de 5 lideranças amanhã às 15 horas.
Cobrando promessas exigindo direitos
A agenda da delegação é ampla. “os brancos não cumprem as leis que eles mesmos criam...Vamos brigar apelos nossos direitos até o fim”, manifestaram por ocasião do fechamento da BR 163, em anos passados. Esse histórico de luta dos Kayapó ficou nacionalmente conhecido, especialmente por ocasião da Constituinte, em 1988 quando estiveram frequentemente em Brasilia lutando ao lado dos demais povos indígenas do país. Na década de 80 para cá enfrentaram muita pressões e invasão de seu território, principalmente de parte de madeireiros e, fazendeiros e garimpeiros.
Na agenda dos encontros desejados consta uma  conversa com a presidente da República, Ministro da Justiça, Ministros do Meio Ambiente e Transporte, além da Procuradoria Geral da República.
Além disso irão questionar a construção de PCHs(hidrelétricas de pequeno porte) em seu território. Também querem saber a posição dos diversos órgãos e as ações com relação à Hidrelétrica de Belo Monte. Os Kayapó tem se manifestado criticamente e contrários à obra, desde o primeiro grande encontro contra a obra, em 1989.
Recebidos pela polícia
Uma questão de causa estranheza é o grande aumento de seguranças contratadas na legislatura anterior e o fato da segurança estar encarregada de fazer a interlocução com as delegações indígenas. Comentava o assessor de um dos partidos, que é inacreditável que a Câmara não tenha pessoas que façam essa interlocução  política, uma vez que não se trata de relação com povos  que em nada representam ameaças aos poderes constitucionais. É hora da presidência da Câmara instituir uma comissão para tratar com as lideranças indígenas,  pois essa não é função dos seguranças da casa.
Barrados na entrada da Câmara
Suspense e agitação se espalhou rapidamente com a presença dos índios. Enquanto os indígenas aguardavam resposta da audiência com o novo presidente da Câmara, o secretário e ex-secretário do Cimi, foram barrados na entrada do anexo 2. Sem justificativa e de forma arbitrária, a segurança da “casa do povo”  simplesmente se restringiu dizendo estar cumprindo ordens.” É absurdo e inaceitável que esse tipo de arbitrariedade continue existindo, impedindo cidadãos desse país a estar num espaço que a Constituição lhes garante.”, comentou o secretário do Cimi, enquanto aguardava que o presidente do partido, com o qual iriam ter reunião, conseguisse liberar a entrada. Infelizmente parece que os movimentos sociais terão cada vez mais dificuldade de acesso aos espaços do diálogo e do poder.

Egon Heck
Secretariado nacional do Cimi
Brasilia, 4 de fevereiro de 2014

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Munduruku abrem o ano de luta em Brasília

Munduruku abrem o ano de luta em Brasília
I
Depois de quatro ou cinco dias de ônibus e voadeira, uma delegação de 30 lideranças do povo Munduruku, chegou a Brasília nessa quarta-feira (28), com pés inchados, corpo dolorido e muita disposição para lutar pelos direitos de seu povo e de todos os povos indígenas no Brasil.
Querem conversar com o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e com o ministro Miguel Rossetto, da Secretaria Geral da Presidência da República, exigindo uma resposta concreta com relação a seus direitos básicos, às terras, aos recursos hídricos e tudo que pretende ameaçar seus direitos, sua autonomia e seus recursos naturais.
Querem saber o que efetivamente o governo irá fazer para impedir retrocessos como a aprovação da PEC 215, o PL 1610 e outros tantos projetos ameaçadores à vida dos povos originários deste país. Essas e outras questões mais específicas relacionadas à construção de hidrelétricas em território Munduruku, no médio e alto Tapajós.
O governo precisa nos ouvir
Dentre os vários assuntos que irão debater e obter respostas e compromissos está a questão da relação do Estado Brasileiro com o povo Munduruku. Questionam a forma autoritária e má fé com que o governo diz ter consultado o povo para a construção de hidrelétricas, especialmente a de São Luiz do Tapajós, forjando posicionamentos favoráveis e dividindo o povo. Em função dessa atitude política maldosa e perversa,  os Munduruku se reuniram por diversas vezes no ano passado, e em dezembro aprovaram o “Protocolo de Consulta Munduruku”.
No documento, exigem do governo a demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, antes de iniciar a consulta prévia sobre os empreendimentos hidrelétricos “sabemos que o relatório está pronto e que a demarcação não ocorre por conta da hidrelétrica.” E demonstrando firmeza, clareza e estratégia política, exigem que os outros povos indígenas e os ribeirinhos também sejam ouvidos, de modo adequado e específico  à  realidade deles.
Colocam com muita clareza que devem ser ouvidos amplamente as 130 aldeias, os caciques, os guerreiros e guerreiros. Devem ainda ser consultadas as mulheres (que são pajés, parteiras e artesãs), os professores e agentes de saúde. “As decisões do povo Munduruku são coletivas”.
Colocam suas exigências sobre como deve ser o processo de consulta: “O governo não pode nos consultar apenas quando já tiver tomado uma decisão. A consulta deve ser antes de tudo”. E descrevem como querem que sejam as consultas “Eles têm que viver com a gente, comer o que a gente come. Eles têm que ouvir a nossa conversa. O governo não precisa ter medo de nós. Se ele quer propor algo que vai afetar nossas vidas, que ele venha até nossa casa. Não aceitaremos conversar com assessores, queremos ser consultados por quem tem poder de decisão”. A isso acrescem que as reuniões devem ser feitas em seu território, na língua Munduruku e coordenadas pelos líderes de seu povo. Descrevem como devem ser as reuniões. “Reunião para fazer acordo sobre o plano de consulta. Reunião informativa, quando o governo deve reunir o nosso povo de aldeia em aldeia. Reuniões internas, necessárias para discutir entre nós a proposta do governo, com tantas reuniões quantas forem necessárias para que o povo Munduruku possa informar-se completamente. Reunião de negociação, quando tivermos discutido com o nosso povo e tivermos uma resposta a dar ao governo”.
Terminam o documento dizendo que “nossa decisão deve ser coletiva... nós esperamos que o governo aceite nossa decisão. Nós temos poder de veto, Sawe”
Educação e saúde como nós queremos
Em debate na Funai nesta quinta-feira (29), ressaltaram que não abrem mão de ter uma escola diferenciada conforme a vontade do povo. Que as escolas profissionalizantes, de nível médio, funcionem efetivamente e que as atividades se dêem nas aldeias, e não nas cidades da região.
Na discussão sobre uma possível Universidade Intercultural do Tapajós, foi sugerido o intercâmbio com experiências nessa perspectiva já em curso no país e a criação de um Instituto que viabilize um processo nas perspectivas desejadas.
Quanto aos diversos problemas e desafios que enfrentam no dia a dia nas aldeias foram sugeridos alguns encaminhamentos.

Egon Heck
Cimi Secretariado
Brasília, 29 de janeiro de 2015

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O Brasil nas trilhas


Muitas vezes somos surpreendidos com a expressão “precisamos colocar o país nos trilhos”. Não ensejamos falar de uma situação de algo “descarrilhado” e que mineiramente desejamos ajudar a colocar o trem no trilho, uai!
Queremos falar  de rara beleza nas trilhas da Chapada Diamantina, na Bahia. No rastro dos garimpeiros, do início do século passado,  brotaram íngremes caminhos e sôfregos povoados. Em meio às rochas de mais de um bilhão de anos, os diamantes foram sendo procurados com a ansiedade de quem vai ao pote com muita sede  e fica rico, ou permanece lascado. Um século depois aí encontramos frondosas montanhas  e vales de heroica resistência banhadas de águas cristalinas, cachoeiras espetaculares e monumentais formações rochosas.
Não é possível andar nessas trilhas sem se deixar envolver pelo encanto desse Brasil ainda por poucos conhecido. Afinal de contas a nossa classe dominante ainda continua de costas para esse país profundo e belo.  A maioria dos pacotes turísticas continuam sendo para Las Vegas, Disney, Europa...onde é possível esbanjar dinheiro acumulado às custas do trabalho e suor do povo brasileiro.
As trilhas de encantadoras maravilhas por esse país afora, continuam envoltas em poeira e descaso das alquebradas secretarias de turismo.  Talvez seja essa uma das razões que mantém a natureza quase intacta,  e vista, sentida e apreciada por pouca gente.

Um deslumbre a cada passo

Tivemos a felicidade de  usufruir  do privilégio  de  passar alguns dias nos deliciando  com as caminhadas nas trilhas dessa beleza. Depois de algumas horas de  subidas e descidas 

subitamente somos agraciados com espetáculos indescritíveis.
São flores dando as boas vindas com seus suaves abanos, são as límpidas águas se esparramando em nossa frente, em irresistíveis convites para um mergulho,  são as serras majestosas vistas num ângulo de 360 graus, é o sol se esparramando por sobre as montanhas, enchendo a alma de sentimentos de gratidão e louvor ao autor de espetáculos tão emocionantes.
Seguindo nossas caminhadas pudemos observar uma tênue  quantidade de água se precipitando em mais de 350 metros de queda, transformando-se em fumaça no meio  do caminho. É a espetacular cachoeira da Fumaça. Em frente um colossal paredão de rochas, nos dá a dimensão de nossa pequenez  diante do espetáculo que vislumbramos. Seguindo em outra direção chegamos à cachoeira da Purificação.  Suas águas geladas desafiam a nossa coragem de um sagrado ritual  de purificação de nosso corpo, nossa mente e nosso espírito.



E assim nosso grupo de caminhada com um pouco mais de 20 pessoas de várias regiões do país, fomos saboreando as belezas, armando e desarmando nossas barracas e carregando-as até mais de mil metros de altitude, em sintonia com a natureza e suas energias.  Nos topos das montanhas um vento gélido nos envolvia durante a noite.  Os trovões, raios e chuva, com suas roucas vozes e luzes intermitentes, foram nos  abençoando. Pisamos leve e livres no chão da
Chapada Diamantina. Nos sentimos revigorados e oxigenados em nossa  esperança e compromisso  com a luta pelos direitos da Mãe Terra e justiça para todos os povos e vida do planeta Terra.

Egon Heck
Grupo da “Caminhada Troca de Saberes
Brasilia, 27 de janeiro de 2015





sábado, 10 de janeiro de 2015

A força ritual dos povos originários





Vou começar 2015 com o final de 2014. Por uma razão muito singela e justa. Os povos indígenas do Brasil terminaram o ano com uma vitória quase impossível. Infringiram aos todos poderosos senhores do agronegócio, do latifúndio e da agroindústria uma derrota que eles não admitiam de jeito nenhum. Terminar o ano sem aprovar o relatório da comissão especial  da  PEC 215, era um cenário  descartado.  A realidade com que tiveram que se confrontar teve um amargo gosto de derrota de uma vitória certa.
Como seria possível que algumas dúzias de indígenas com apoio de alguns aliados pudessem impedir a aprovação desse projeto de emenda constitucional, genocida?  Isso numa comissão e num Congresso em que os interesses anti-indígenas tem ampla maioria.
Nailton, Pataxó Hã-Hã-Hai,  aguerrida liderança na luta pelos direitos de seu povo, na recuperação do território e na conquista dos direitos indígenas na Constituição de 1988, Exclama: Em nossas vidas devemos ter firmeza dos  rituais e a eles dedicar 50 por cento de nosso tempo e os outros 50 por cento dividir com as outras atividades.  Com essa fala    animou seus parentes  que permaneceram firmes nos rituais diante da portaria da Câmara compactamente  tomada por militares e seguranças.  Entusiasmou  os guerreiros que foram  barrados, vergonhosamente, em cenas piores do que no período da ditadura militar/civil.
 Eu poderia dizer como algo jamais visto quanto mais as forças policiais se multiplicavam em numero mais os rituais cresciam em forças, em animo, entusiasmo e em respostas que para muitos parece casualidades, mas que para os povos são providencias dos encantados. Como por exemplo, na primeira noite em que prenderam algumas lideranças indígenas a chuva foi tão forte que o congresso não por acaso foi invadido por lama e alguns parlamentares ficaram por horas ilhadas em um mar de lama. No segundo dia enquanto a  comissão esteve reunida, apagaram-se as luzes, impedindo a continuidade dos trabalhos ou seja faltou energia no congresso. Segundo os indígenas os policiais lá fora barravam apenas a entrada dos corpos e não dos espíritos. ”  Ininawa, do Acre, reforçou  essa convicção, dizendo que só com os rituais os povos indígenas poderiam  conquistar essa vitória. “Essa é a arma mais importante e forte que temos.  Enquanto nós continuamos unidos em ritual, os espíritos dos nossos antepassados estarão no lado de dentro do Congresso, onde nós estamos impedidos de estar”. Os encantados e os deuses estão agindo em nosso favor, em favor dos nossos direitos.
Fortes chuvas, raios e trovões estrondaram nos céus de Brasília, enquanto os indígenas continuaram em ritual, durante 12 horas seguidas. Cinco lideranças da mobilização indígena foram presos, acusados de tentativa de assassinato de policiais. Tudo foi desmascarados e poucos dias depois foram libertados.
Não existem dúvidas que só povos com tamanha sabedoria e espiritualidade podem fazer frente e vencer forças tão poderosas.  Um possível cenário aponta para a continuidade dessa luta, com a constituição de nova comissão especial, produção e votação de um novo relatório desta PEC e de outras

Katia Agronegócio Breu
A Ministra do agronegócio assumiu. Logo vieram  novas pérolas envoltas em cinismo, prepotência e ignorância sobre os povos indígenas e sua história de resistência, seus territórios e seus direitos.
Ao afirmar que não mais existem  latifúndios no Brasil, a ministra da Agricultura só faltou repetir um velho jargão da ditadura “os índios são latifundiários”. E afirmar de que eles estão deixando seus territórios sagrados para irem ocupar os espaços da produção não é apenas um caso de má fé ou ignorância, mas é a explicitação  da intenção do agronegócio em restringir ou até acabar com os direitos indígenas a seus territórios coletivos com o beneplácito do governo.
Os caminhos das manifestações dos povos indígenas em Brasilia certamente ganhou mais endereços: Ministério da Agricultura, Ministério de Minas e Energia, dente outros.

Ano de solidariedade com os povos indígenas e a mãe terra

Se a espiritualidade, os rituais e a mobilização foram os esteios das lutas e vitórias do movimento indígena no ano que passou, foi também muito importante a solidariedade e apoio de seus aliados em nível nacional e mundial.  A ampliação e consolidação dessa solidariedade será sem dúvida fundamental para os duros embates que estão pintados com os interesses do Estado brasileiro e  um governo com posturas anti indígenas e um Congresso preponderantemente conservador e alinhado com as forças contrárias aos direitos indígenas, especialmente os direitos dos territórios e os recursos naturais neles existentes.
Quem acompanha os difíceis e duros embates dos povos indígenas, desde as aldeias até Brasília, não tem dúvidas de que “o atual movimento indígena brasileiro está cada dia mais forte. Tem lideranças jovens, aguerridas e persistentes...  Saberão responder à altura toda ignorância que insiste em se disseminar em declarações como essa vinda da boca de uma ministra de estado. Os índios não estão descendo para  áreas de produção.  Estão subindo as rampas dos palácios, entrando nas terras que lhes pertencem, exigindo seus direitos” (Elaine Tavares, janeiro 2015)
Na manifesta solidariedade aos povos indígenas do Brasil, vale destacar as palavras de Boaventura de Souza Santos em carta às autoridades brasileiras: podemos estar perante um verdadeiro atentado contra a humanidade. Explico-me. Autoridades brasileiras estão diante de uma decisão que pode abalar definitivamente a garantia dos direitos dos povos indígenas no país...).A PEC 215/2000 é um golpe frontal e impiedoso às vidas dos povos indígenas...”
Os povos indígenas no Brasil certamente terão, juntamente com outros setores e os povos tradicionais, duros embates com os interesses manifestos do governo e do Congresso. Será um ano de permanentes rituais e mobilizações.
Egon Heck e Laila Menezes
Secretariado nacional do Cimi
Brasília, 10 de janeiro de 2015


quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Que país é esse?



Soldados com escudos e artefatos contra motim fechavam a porta de entrada da Câmara dos deputados. No Senado também já haviam sido barrados. Um forte esquema policial se espalhou pelos espaços dos três poderes. Parecia que estaria prestes a acontecer uma perigosa invasão de vândalos.
Na pauta das duas casas do Congresso estavam temas vitais para os povos indígenas. Uns 150 indígenas estavam em Brasília para participar desses espaços conforme lhes garante a Constituição e a Convenção 169 da Convenção Internacional do Trabalho.
Ao serem barrados, ficaram indignados e revoltados, com essa atitude ditatorial e absurda do Estado Brasileiro. “Isso é um crime...o que vocês soldados estão fazendo ao impedir esses brasileiros nativos entrar no congresso é um crime”, dizia um dos presentes ao ato. Ao tentarem forçar a entrada, foram recebidos com spray de pimenta e rechaçados. A grande mídia qualificou o ato como tentativa de invasão. Porém não registrou que os invasores estavam lá dentro tentando rasgar a Constituição e tirar direitos indígenas.
Que país é esse? Que recebe seus habitantes originários com bombas e baionetas? Exclamou a deputada Erika Kokai. Nessa mesma linha se manifestaram parlamentares e indígenas. Quando os parlamentares, inclusive o presidente da Comissão, deputado Afonso, vieram comunicar aos indígenas sua firme posição de inviabilizar a votação da Comissão Especial da PEC 215, afirmaram “essa PEC está enterrada”. Porém se manifestaram no sentido de que a mobilização indígena foi fundamental para se chegar a essa decisão.

Presos e agredidos

No decorrer do dia  deis indígenas foram presos numa clara atitude de prepotência e intimidação do movimento de resistência e afirmação da dignidade de homens, mulheres, guerreiros e guerreiras indígenas. “Queremos ser respeitados”. Essa foi o grito mais ouvido em dezenas de falas dos povos indígenas.
Ao serem barrados de entrar no Congresso os indígenas apontaram para um cartaz que se encontrava na entrada “Bem Vindos, essa casa também é sua”. Que ironia. Os indígenas exigiam seu mais elementar direito de cidadãos e habitantes primeiros dessa terra “Amanhã viremos em mais. Não vamos aceitar ser barrados em nossos direitos. Nos querem massacrar aqui fora e lá dentro. Isso nós não vamos aceitar” dizia uma das lideranças de mais de duas dezenas de povos ali presentes.
Quando a noite já ia encobrindo o cenário da batalha, os indígenas, sentindo mais uma injustiça e brutal negação de seus direitos, estavam inconformados com a prisão dos seis integrantes de sua delegação. Queriam dizer ao Brasil e ao mundo, de que não desistirão de seus direitos “que prendam a todos nós. Mostrem o que de fato estão fazendo ao rasgar a constituição e roubar nossos direitos”.
Porém nada os demove a continuar a batalho por seus direitos. Hoje novamente estão em Brasília, apesar de toda a violência, ameaças e prisões.

Ultima esperança: nós mesmos

Diante de um quadro tão brutal e criminosamente adverso os indígenas presentes nas manifestações em Brasília, pelos seus direitos, dignidade e vida, se mostraram su crença e convicção de que vencerão, com a força de seus guerreiros, do espírito  secular de resistência, sabedoria e espiritualidade. “O índio brasileiro se revolta. E com razão. Querem jogar a gente na beira das estradas ou debaixo de pontes. Mas nós vamos enfrentar a luta com coragem. Eles tem que respeitar nossos direitos. O que deixa a gente revoltado é a prisão e assassinato de nossas lideranças”. E diante de um mundo  tão fechado a eles, onde muitas vezes não tem a que recorrer, afirmam convictos “a última esperança somos nós mesmos”
Virá um novo dia.

Egon Heck
Cimi Secretariado
Brasilia, 17 de dezembro de 2014
Fotos - Catxeikuei


quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O agronegócio mata


Dezenas de camionetes chegam furiosamente até o tekohá Tey’juçu, no município de Caarapó-MS.  Entre a forte poeira iniciam um intenso tiroteio sobre os Kaiowá Guarani, que há poucos dias haviam retornado a sua terra tradicional. Pavor e correria. Julia de Almeira, de 17 anos é  atingida pelos tiros.  Continua desaparecida. Os indígenas temem que tenha acontecido o mesmo que passou com os corpos de Nisio Gomes e  Rolindo Vera, cujos corpos continuam desaparecidos.
No Mato Grosso do Sul o agronegócio já definiu suas estratégias na relação com os povos indígenas e seus territórios. A primeira atitude  é a garantia legal através do pedido de interdito proibitório. Em caso  de qualquer  tentativa de  indígena de retorno a seus territórios, em processo de retomada, ação de rechaço imediato, através de pistoleiros, capangas ou milícias particulares. Alegam que essa ação e mais eficaz, pois ações judiciais são muito demoradas.  Agir de forma articulada com os fazendeiros e produtores rurais da região. Imediato pedido de reintegração de posse, caso a situação não seja resolvido pela ação imediata. É a política indigenista ruralista se materializando.

Plantando cruzes

Aos povos indígenas do Estado, onde menos terras indígenas proporcionalmente se demarcou até agora, só restou enfrenar a mais dura situação de guerra permanente, buscando seus direitos com suas próprias pernas e mãos, retornando aos territórios tradicionais, enfrentando inimigos fortemente armados, mesmo  que derramando sangue e plantando cruzes de resistência e esperança.
O que qualquer  cidadão do país e do planeta terra se perguntam são as razões de tanta brutalidade, barbárie e violência, diante de inúmeros  prazos legais descumpridos,  em galopante impunidade e ineficácia do governo, que tem por obrigação constitucional demarcar os territórios indígenas e  proteger os direitos e a vida desses povos.

Como matam

Colocando veneno em nossas mesas, na terra, nas águas e no ar,
Avançando ferozmente sobre as poucas florestas que restam,
Com a lei, apesar da lei ou contra a lei fazem suas potentes máquinas  avançarem,
Com a disponibilização de enormes verbas  federais
Com violência contra as resistências,  das populações tradicionais, indígenas, sem terra,
Através das armas na contratação de pistoleiros, milícias particulares
Certeza da impunidade,
Com apoio de políticos e poder econômico regional,

 Como resistem os povos indígenas

Com a sabedoria e paciência histórica,
Com profunda espiritualidade e rituais (Jeroki Guasu...)
Com a valorização dos lideres religiosos – nhanderu (para os Guarani Kaiowá)
Com fortalecimento da união e apoio mútuo,
Definição de suas estratégias nas grandes Assembleias, Aty Guasu
Denunciando as violências e negação dos direitos em nível regional, nacional e internacional
Construindo alianças com outros povos indígenas e setores da sociedade
Cobrando do Estado brasileiro o cumprimento da Constituição
Retornando a seus territórios tradicionais,
Exigindo políticas públicas coerentes e eficazes

Egon Heck
Cimi – secretariado
Brasilia, Dia Mundial dos Direitos Humanos