ATL 2017

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terça-feira, 10 de novembro de 2015

Pataxó e Kayapó: unidos na luta pelos direitos




Sol escaldante. A BR-040 é tomada na manhã do dia 9 pelos gritos de guerra, e a beleza dos corpos pintados e o colorido dos cocares. Bordunas, arcos e flechas foram as armas originárias dos Pataxó e Kayapó, no fechamento da estrada.

O local, em frente a uma unidade da JBS Friboi, era indicativo do protesto.  Esta empresa distribuiu 61 milhões para 162 deputados federais eleitos em 2014. Igualmente, empresas desse grupo econômico, dona dos maiores frigoríficos do Brasil, doaram recursos para 21 partidos políticos. Por isso a paralização da rodovia que liga Brasília a São Paulo teve o objetivo claro de dizer aos parlamentares que tentam tirar os direitos indígenas garantidos na Constituição, que continuarão a luta em todo o país, para impedir qualquer retrocesso.

Não era um protesto comum. Tinha também o intuito de conseguir aliados, permitindo que a BR ficasse fechada por algum tempo enquanto visitavam os carros ali parados e entregavam aos motoristas um documento que explicava o motivo do protesto. Em seguida liberavam a pista com os indígenas formando corredores para que o trânsito fluísse. Muitos que por ali passavam buzinavam num gesto de apoio à causa. E assim continuou a manifestação por quase três horas.



Em torno de 250 indígenas vieram a Brasília para dizer aos parlamentares e ao governo que mais de cinco séculos de resistência, se traduz numa luta insurgente e permanente pelos direitos sagrados, constitucionais e internacionalmente reconhecidos e subscritos pelo Brasil.

 “Não vamos abrir mão dos direitos conquistados, de jeito nenhum. Se nos declaram guerra, rasgam a Constituição e nos matam, num permanente extermínio e genocídio, estamos dando a nossa resposta”, exclamou uma liderança Pataxó. E lembrou os fortes momentos das lutas.

“Contra a emancipação das nossas terras na década de 70 pedimos para o general Rangel Reis rasgar esse projeto. E assim aconteceu. Na década seguinte foi a vez de unirmos os nossos parentes indígenas de todo o país para conquistar nossos direitos na Constituição. Pataxó e os Kayapó tiveram uma participação importante.  Depois chegou o ano 2000 e novamente mostramos nossa força em Coroa Vermelha. No Monte Pascoal fizemos nossas mobilizações, construímos o monumento da resistência. Queríamos ir até Porto Seguro para dizer ao governo brasileiro e de Portugal que não tínhamos nada para comemorar. Fomos barrados brutalmente pela polícia. Mas demos o nosso recado ao mundo. Agora estamos novamente mobilizados em nível nacional para impedir que roubem nossos direitos.  Assim que vejo a nossa participação na luta desses dias, junto com os parentes 

Kayapó”.



Uma delegação Kayapó já esteve fazendo mobilizações junto a diversas instâncias e poderes do Estado brasileiro. De maneira especial deixaram seu protesto e indignação no Congresso, diante da tramitação da PEC 215, um verdadeiro decreto de morte e genocídio dos povos originários desse país. Lembrei-me dos fortes momentos em que os Kayapó vieram ao Secretariado do Cimi pedir um pequeno apoio para alimentação e hospedagem em Brasília, pois eles dariam um jeito de chegar até a capital do país para lutar pelos direitos dos povos indígenas.

Lembro também da maneira um tanto tímida com que as delegações do nordeste foram chegando a Brasília no primeiro turno da Constituinte. Já no segundo turno foram praticamente eles que deram o tom e o colorido da presença indígena no Congresso. Essas memórias vivas são muito importantes para entendermos e nos situarmos nesse momento de imensas ameaças que pesam novamente sobre os povos indígenas.

As CPIs anti-indígenas

A forte investida contra os direitos indígenas está presente na estratégia de ataques simultâneos em diversos níveis, sendo um deles a criação de CPIs como a contra o Cimi, no Mato Grosso do Sul, e contra a Funai, na Câmara dos Deputados.

Durante o dia de hoje estarão no Congresso visitando e dialogando com os líderes de partidos para mostrar a razão de suas grandes preocupações. Como povos originários desta terra, querem ter seus direitos respeitados e contribuir para o reconhecimento de um Brasil plural, infelizmente ainda pouco conhecido e valorizado.

Nesta semana em que estarão sendo instaladas as CPIs da Funai e do Incra, e a do Genocídio, ocorrerá também mais uma sessão de oitivas na CPI do Cimi, mais conhecida como a “ditadura do achismo”.

Egon Heck – fotos Laila Menezes
Cimi Secretariado Nacional
Brasília, 10 de novembro de 2015.




sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Kayapó: “estamos de volta"






“Por que não estão cumprindo a lei e nossos direitos, que conquistamos em 1988?
Lutamos muito, viemos várias vezes a Brasília, juntamos com nossos parentes de todo o Brasil, nos encontrarmos na escola Santa Maria, visitamos os gabinetes dos deputados, fizemos nossos rituais de vida e de luta, entramos várias vezes no Congresso pela porta da frente, falamos com o Ulisses Guimarães, presidente da Constituinte.

Com todo esse movimento, ganhamos muitos aliados da nossa causa. Parlamentares reconheceram nossa luta e nosso direito. E, assim, conquistamos nossos direitos há 27 anos passados.
Estamos cientes que a maioria dos nossos direitos aprovados não foram colocados em prática. Principalmente em relação à demarcação das terras de todos os povos indígenas do Brasil, conforme foi determinado pela Constituição. Por isso estamos de volta para cobrar nossos direitos. A situação agora é muito grave. Os parlamentares não estão satisfeitos em rasgar a constituição. Agora querem tirar nossos direitos. Isso não vamos deixar. Se já lutamos muito, agora nossas lutas têm que ser mais intensas ainda.

Ontem (4) conseguimos falar com o presidente do Senado, Renan Calheiros. Ele disse pra nossa comissão de Kayapó que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 ainda não está preocupando muito os senadores, que estão discutindo outros temas importantes. Ele nos pediu que a gente fosse falar com os líderes dos partidos, para que quando esse projeto de emenda constitucional chegasse no Senado, fosse barrado, não fosse aprovado.

Também fomos conversar com o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha. Ele nos ouviu e depois falou que da parte dele ele não iria colocar a PEC 215 em votação”.
Esse foi o teor das conversas com a delegação Kayapó, que com seus fortes rituais, empunhando suas bordunas, arcos e flechas, com seus corpos pintados e vistosos cocares, estiveram por horas e horas nas mediações do Congresso Nacional durante toda o dia de ontem.

A mobilização e luta continuam
Hoje (5) eles estão de volta a Brasília para conversar com as lideranças dos partidos e explicar a eles a grande preocupação que têm em relação à aprovação da PEC, que significa a retirada de seus direitos da Constituição, especialmente as ameaças às terras de todos os seus parentes indígenas de todo o Brasil. Com a chegada dos parentes Xikrim, estarão mostrando aos congressistas e à sociedade brasileira que continuarão lutando para que não haja a perda de seus direitos.

Os povos indígenas de todo o país estão se mobilizando para mostrar ao Brasil e ao mundo que seus direitos estão correndo sérios riscos de serem suprimidos da Constituição. Os povos que lutaram para conquistá-los não permitirão que sejam violados, não cumpridos ou suprimidos, como é a proposta da PEC 215, dentre outras.


Os Kayapó estão de volta a Brasília. E essa volta significa muito. Estão muito preocupados e revoltados com essas propostas de mudanças na Constituição que eles ajudaram a conquistar. Querem retornar às suas aldeias com a certeza de que o Congresso Nacional não vai lhes retirar o direito de viverem em paz e com dignidade em suas terras tradicionais.

domingo, 1 de novembro de 2015

Da indignação ao protesto e interrupção dos jogos



No entardecer do dia 28, um grupo de quase 300 indígenas participantes dos Jogos Mundiais Indígenas, empunhando cartazes e faixas, visibilizaram a indignação contra a aprovação da PEC 215. Não estiveram fazendo um ato isolado. Foi o resultado de uma somatória de descontentamentos e revoltas diante dos inúmeros casos de descaso, omissão e falhas principalmente na infraestrutura e tratamento dispensado às delegações e indígenas que vieram a Palmas para participar dos Jogos Mundiais e para a venda de seus artesanatos.


Conforme C. Terena, um dos coordenadores, em torno de 70% do prometido não foi cumprido. Esse fato se refletiu na precariedade das estruturas e infraestrutura, tudo montado às pressas, com montantes bem superiores ao estabelecido. Fato esse que levou os organizadores a pensar no cancelamento do evento, no início do ano.


Rola a bola e os protestos

A aprovação da PEC 215 fez a bola rolar fora e dentro do campo. Tornou-se o fator aglutinador de manifestações. Unificou descontentamentos e indignações.

Um dos mais contrariados com a decisão é Ubiratan Pataxó. O cacique disse que se a PEC for colocada em votação em plenário, os indígenas vão pressionar os parlamentares de uma forma justa e honesta. Mas não descarta uma postura mais incisiva: “Se eles não ouvirem, vamos partir para guerra mesmo, aí não terá mais jeito. Os guerreiros estão preparados”(Agência Brasil, 28/10/15).

Outra liderança Pataxó também manifestou a disposição de seu povo: “Se for preciso, vamos guerrear, vamos fazer uma movimentação geral. Se nós fechamos as BRs do Brasil, nós paramos o país. Então eles têm que ter respeito"(G1, Tocantins, 28/10/2015).

Narúbia Karajá também foi contundente: “Esse evento, ao mesmo tempo que é triste, está sendo uma voz para nós que nunca somos ouvidos, que sofremos” (Agência Brasil, 28/10/2015).



Em consequência das manifestações e interrupção dos jogos, a direção do evento tomou algumas providências como colocar grades dentro da arena dos jogos, para evitar o acesso aos microfones. O que as lideranças perguntam é:Medo de que? Porque tentar silenciar o protesto contra a PEC 215?

Manifestações de repúdio e solidariedade


Movimentossociais, pastorais, igrejas, entidades de direitos humanos, organismos e instituições da sociedade civil, mais de 30 ao todo, divulgaram nesta tarde o “Manifesto de Palmas”, no qual expressam seu repúdio contra a PEC 215 e expressam a confiança de que esse projeto seja rejeitado e definitivamente enterrado:

Lágrimas de revolta, diante da morte anunciada com a aprovação da PEC 215 pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados.Os gritos de socorro ecoam mundo afora. É hora de colocar o sofrimento na rua, numa grande aliança de resistência e esperança. Não passarão. A sabedoria e união guiarão os guerreiros da vida, da mãe terra e da paz.

Em Palmas, Tocantins, as lideranças dos povos originários do mundo afirmam que podem parar os jogos em protesto contra a PEC. Nós dos movimentos sociais e aliados dos povos indígenas externamos nossa incondicional solidariedade aos povos originários, diante de mais esse decreto de morte de mais de 300 povos nativos do Brasil”(Manifesto de Palmas, outubro de 2015).

EgonHeck - Fotos Laila Menezes
Cimi GOTO
Palmas, 30 de outubro de 2015



 MANIFESTO DE PALMAS
 EM DEFESA DA VIDA E DA MÃE TERRA

PEC   215: O extermínio dos Povos Indígenas e das populações tradicionais do Brasil


Lagrimas de revolta, diante da morte anunciada com a aprovação da PEC 215 pela comissão Especial da Câmara dos Deputados.  Os gritos de socorro  ecoam mundo afora. É hora de colocar o sofrimento na rua, numa grande  aliança de resistência e esperança. Não passarão.  A sabedoria e união guiarão os guerreiros da vida, da mãe terra e da paz.

Em Palmas -TO, as lideranças dos povos originários do mundo afirmam que  podem parar os jogos em protesto contra a PEC. Nós dos movimentos sociais e aliados dos povos indígenas externamos nossa incondicional solidariedade aos povos originários,  diante de mais esse decreto de morte  de mais de 300 povos nativos do Brasil.

Com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 215, os parlamentares antiindígenas pretendem não apenas impedir a demarcação das terras indígenas, mas também redefinir as terras já regularizadas e abri-las para a exploração do latifúndio e agronegócio. Em outras palavras, é impedir que os povos indígenas tenham assegurado seus territórios  e seus projetos de vida, cultura e sociedades diferenciadas. Ou seja, fica decretada a morte cultural (etnocídio) e física (genocídio) dos povos indígenas.

Vemos com extrema preocupação o avanço da nova fronteira agrícola com a abrangência de 73 milhões de hectares no bioma Cerrado, abrangendo os estados doMaranhão, Tocantins, Piauí e Bahia - MATOPIBA. Esse mega projeto do agronegócio terá um enorme impacto destrutivo sobre o meio ambiente e milhares de comunidades tradicionais e povos indígenas, eles impactados, já que, dentro do MATOPIBA existem 28 terras indígenas, 34 Quilombos, 865 assentamentos e 42 Unidades de Conservação.
 
Nesse momento gravíssimo de ameaças às vidas e aos direitos dos povos indígenas do Brasil  renovamos nossa esperança de que os projetos de morte, como a PEC 215 não prevalecerão. Confiamos no poder de mobilização dos povos e da sociedade nessa causa humanitária, que ultrapassa e rompe todas as fronteiras.

Estamos certos de que a sabedoria e resistência dos povos e comunidades tradicionais como os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, dentre outros,  a natureza e toda a sociedade brasileira que seremos atingidos, venceremos mais esse projeto de morte
.
Seguem assinantes,

Associação Brasileira de Comunidades Alternativas (ABRASCA)
Associação Negra Cor (ANCA – TO)
Associação União das Aldeias Apinajé   (PEMPXÁ)
Alternativa para Pequena Agricultura do Tocantins  ( APA-TO)
Associação de Preservação Ambiental e valorização da Vida (ECOTERRA)
Arquidiocese de Palmas  Tocantins
Arquidiocese de Miracema Tocantins
Associação de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis da Região Centro Norte de Palmas ( ASCAMPA-TO)
Aliança Multiétnica de Permacultura – AWIRE
Centro Educacional São Francisco de Assis  - TO
Conselho de Visões Guardiões da Mãe Terra
Conselho de Assentamentos Sustentáveis da América Latina  (CASA)
Colégio Marista Palmas 
Congregação Irmãs Franciscana de Allegany
Centro de Direitos Humanos de Palmas (CDHP)
Conferência dos Religiosos do Brasil  – Regional Palmas (CRB-TO)
Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Glória de Ivone (CEDECA)
Central Única dos Trabalhadores  (CUT-TO)
Cáritas Arquidiocesana de Palmas (CARITAS)
Congregação das Irmãs Dominicanas do Rosário de Monteils
Comissão Pastoral da Terra – Araguaia /Tocantins (CPT-AT)
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO)
Comitê Popular Estadual da Constituinte no Tocantins ( PLEBISCITO)
Comunidade de Saúde Desenvolvimento e Educação (COMSAÚDE)
Centro de Direitos Humanos de Cristalândia (CDHC)
Centro de Direitos Humanos de Formoso do Araguaia (CDHF)
Centro de Estudos Bíblicos do Tocantins  (CEBI-TO)
Coletivo Permacultural Guazuma
Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil
Conselho Indigenista Missionário CIMI
Comunidades Eclesiais de Base do Tocantins (CEB’s -TO)
Congregação das Irmãs Capuchinhas
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil  (CNBB Regional Norte 3)
Consulta Popular
Cooperativa dos Pescadores e Piscicultores do Médio Tocantins (COOPERATINS)
Earth Code Project
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social (FMCJS)
Instituto Biorregional do Cerrado (IBC)
Instituto de Defesa dos Direitos Humanos e Meio Ambiente (IDPDHMA)
Instituto Nossa Senhora de Lourdes (INSL)
Levante Popular da Juventude                                              
Missionárias Servas do Espírito Santo (MSSpS)
Movimento Estadual de Direitos Humanos do Tocantins (MEDH-TO)
Movimento pela Vida
Movimento de Atingidos por Barragem (MAB)
Movimento  Nacional dos Trabalhadores Sem Terra do Brasil(MST)
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Tocantins (MST-TO)
Pacto Mundial Consciente (PMC)
Permacultura Social Brasileira (PSB)
Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado do Tocantins (SINTET)
Secretaria da Mulher Trabalhadora do Tocantins (CUT-TO)
Rede Novos Parques
Danielle Mastelari Levorato, Professora Assistente da Universidade Federal do Tocantins, Coordenadora do Curso Gestão de Cooperativas da UFT, Campus de Araguaína - TO
Palmas, 30 de outubro de 2015.









quinta-feira, 29 de outubro de 2015

PEC 215: texto cada vez pior




O grande e real embate que está estabelecido é o da demarcação das terras e territórios indígenas. É isso que pensam também boa parte dos indígenas presentes em Palmas nos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas.

Na tarde de ontem em três cenários distintos e distantes se deram embates entre os povos indígenas e seus aliados e setores anti indígenas.

Em Brasília mais uma vez os povos indígenas  foram barrados, ao buscarem entrar na “casa do povo”, o congresso nacional. Lá dentro se dava mais um golpe  contra os direitos e vidas dos  povos.  A cada nova redação, o texto da PEC 215 consegue ser pior e mais claramente montado para acabar com as terras indígenas.

Originariamente essa emenda constitucional tinha como foco possibilitar ao Congresso a decisão sobre os processos de demarcação das terras indígenas, que cabe hoje ao Poder Executivo. Aliás, as terras indígenas, conforme o Artigo 231 da Carta Magna pertencem originariamente a esses povos, cabendo ao governo estabelecer os limites e protegê-las.

A última redação apresentada vai muito além, incluindo o famigerado “marco temporal” e retirando o usufruto exclusivo dos recursos naturais existentes nas terras indígenas. Além disso, o projeto passaria a dar o poder ao Congresso de avaliar todas as terras indígenas pelos novos critérios, ou seja, seriam atingidas as terras indígenas já demarcadas, as em processo de regularização e todas as que precisam ainda ser demarcadas. Ou seja, as terras do presente, passado e futuro estariam sob a batuta dos parlamentares, amplamente antiindígenas, a definição de todo e qualquer direito dos índios sobre seus territórios.

 Enquanto isso, em Campo Grande-MS, acontecia mais uma sessão da CPI do Cimi, com depoimentos indígenas em sigilo, afirmações intempestuosas,  com o intuito de criminalizar a questão indígena e a entidade aliada de seus direitos.

Em  Palmas – TO prosseguiam as atividades esportivas e manifestações culturais dos Jogos Mundiais Indígenas. Na arena dos jogos um expressivo grupo se manifestou contra a PEC, contra o genocídio, na luta pelos direitos. O protesto também brotou no asfalto.

Representantes indígenas presentes nos jogos mundiais indígenas já realizaram ontem uma manifestação paralisando a rodovia que dá acesso ao espaço dos jogos. E neste momento alguns participantes estão novamente se organizando para um novo protesto contra a PEC 215.

A vitória que os povos indígenas estão almejando é a demarcação e garantia das terras indígenas. Como diz Antônio Apinajé: “A melhor atitude pela paz é demarcar e respeitar os territórios indígenas que são sagrados para nossos povos e necessários para o equilíbrio e a sustentação do clima no planeta terra”.

Em Campo Grande, MS, a Assembleia Legislativa do estado, realizou mais uma sessão da CPI contra os índios. Aquela que tenta criminalizar o Cimi. Um dos depoimentos foi sigiloso, numa atitude preocupante, tendo em vista a dificuldade de compreensão e expressão em português. Não se sabendo se houve tradução, conforme garante a legislação.

Os indígenas que vendiam seu artesanato do lado de fora do evento, foram conduzidos para dentro do espaço dos jogos, debates e celebrações. Porém, seus artesanatos ficam expostos no chão, castigados pelo forte calor e ainda sujeitos as chuvas. Enquanto isso, estandes climatizados e desocupados não podem ser utilizados pelos indígenas. Quem sabe o apartheid acabe.


Egon Heck   fotos Laila Menezes
Cimi Goiás/Tocantins






terça-feira, 27 de outubro de 2015

Protestos e Silêncios nos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas




É lamentável falarmos do teto do refeitório que  desabou ontem cedo,   no local de alojamento das delegações indígenas brasileiras, resultando em três funcionários feridos e as refeições preparadas e  servidas precariamente em locais improvisados.
Assim como é inadmissível que, na semana passada o sistema de aclimatação da cozinha entrasse em pane, elevando a temperatura do local a 65 graus, como confirmou o Ministério Público Federal, levando oito trabalhadores/as  do local a serem atendidas em unidades de emergência, com sinais de desidratação, devido à exposição ao calor excessivo. E por falar em cozinha fomos informados de que as cozinheiras trabalham das 4 da manhã até as 10 da noite, sem que haja rodízio, sendo submetidas a uma jornada de trabalho exaustiva.
Essas são apenas algumas amostras da forma irresponsável com que foi implantada às pressas uma precária infra estrutura para os jogos mundiais dos povos indígenas, em Palmas-TO
É para que não aconteçam coisas mais graves e comprometedoras que o Ministério Público Federal se encontra no local dos jogos. Alertas foram dados, mas infelizmente a atitude autoritária e pouco transparente na condução do processo  não permitiu que se realizasse esse trabalho com mais tempo e segurança.
Tendo em vista essa precariedade, por um lado, e uma atitude contrariando o espírito de integração e celebração, por outro,  com barreiras arbitrárias, cercas da vergonha, que foram realizados atos de protesto dentro e fora da Arena de Abertura do evento.

Os protestos

Indignações e protestos, especialmente dos povos indígenas,  foram registrados desde o início da chegada das delegações, na semana passada, seja pela impossibilidade de credenciamento para assistir a abertura dos jogos, ou ainda, pela falta de estrutura para alojar as delegações que não estivessem credenciadas. Eles aumentaram de intensidade na medida em que foram acontecendo os desmandos, a falta de diálogo, o descaso e a falta de transparência.


Os protestos tiveram maior intensidade no dia 23, por ocasião da abertura. Barrados na entrada do local dos jogos, centenas de indígenas fizeram o seu protesto do lado de fora, procurando obstruir a entrada das delegações e ameaçando derrubar as grades. Os gritos e as palavras de ordem eram contra a PEC 215, a demarcação das terras indígenas e fora Kátia Abreu. Faixas com os mesmos dizeres  foram  abertas dentro da arena.
Próximo ao local do evento também protestaram representantes dos movimentos sociais e aliados da causa indígena. Com inúmeras faixas e mais de uma centena de cruzes fincadas ao longo da avenida de acesso ao local dos jogos, procuraram dar visibilidade aos povos indígenas, seus direitos, suas lutas e sua resistência. Jogos sim, mas com terra demarcada, respeito e dignidade. As faixas refletiam a indignação de “Fora Kátia Abreu, “Fim do Genocídio Indígena”,  ”Não ao MATOPIBA”, além de exigir  o fim dos Projetos de Lei e Reforma Constitucional, como a PEC 215, PL 1610 dentre outras. Quando a noite veio nos envolver com seu manto, acendemos as velas da esperança embalados com canções de luta, resistência e transformação.

O silêncio eloqüente da presidente

Quando o mestre de cerimonial chamou a Presidente Dilma os participantes se dividiram entre vaias e aplausos. Era então esperada a fala da presidente. Diante do total silêncio dela, um representante da coordenação do evento desandou falação dizendo que “vaia não é do povo indígena, isso aqui não é comício”. Podem vaiar nas eleições do ano que vem”.
Qual terá sido a razão do silêncio? É notório que a presidente tem evitado se encontrar com os povos indígenas. Não seria um gesto de desconsideração para com os povos indígenas de todo mundo, por parte das autoridades brasileiras?

Deprimente



Destaco a seguir o sentimento contido no desabafo de uma indígena, a partir do ritual de abertura e presença no local do evento.
“Deprimente, este e o sentimento que me corta a alma. Deprimida é como me sinto ao estar presenciando o que aconteceu aqui na vila olímpica. Vejo e  me recuso a olhar a Corrida de Torra, Ritual Sagrado para nós os povos indígenas,  sendo apresentada  em uma arena e narrada como se fosse rodeio.
É um Ritual Sagrado praticado pelos povos indígenas em momentos especiais de suas vidas  buscando sempre o equilíbrio do povo com o Todo. Demonstra a igualdade e a importância que todos têm dentro da comunidade, duas partes que correm sempre buscando estar juntas, caminhar em equilíbrio e respeito uns com os outros. Não é rodeio, não é e nunca foi competitivo. Não são animais correndo, carregando toras que jamais podem cair. Não existe ninguém querendo chegar antes que o outro. Não há competição.

É deprimente estar na feira de artesanato indígena, coordenado pelo Sebrae e  me deparar com uma jovem que está vestida com uma roupa diferente que não caracteriza nenhum povo indígena. Usava um cocar indígena e estava de prontidão frente a um painel simplesmente para posar para fotos com visitantes.  Me aproximei dela   e perguntei de que povo era. Ela respondeu: não sou indígena, sou modelo. Fiquei estarrecida com tamanho desrespeito. Quantas mulheres indígenas lindas ocupam aquele espaço e não são vistas, muito menos consideradas pelos organizadores do evento. Contrataram uma modelo para posar de índia.”
JMPI onde os indígenas, continuam invisíveis para aqueles que organizaram o evento. E do lado de fora da arena mais de 200 indígenas são proibidos de adentrarem. Sendo somente eles o público que teria a compreensão do significado de todos os rituais e atividades que ali aconteciam .

Texto e fotos Egon Heck Laila Menezes
Cimi GOTO
Palmas 26 de outubro de 2015


Jogos Indígenas: um mundo de contradições


Na semana em que acontece a abertura do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, lideranças denunciam na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), o genocídio de seus povos em várias regiões do Brasil e, principalmente, no Mato Grosso do Sul. Neste mesmo estado, na Assembleia Legislativa, foi instalada a “CPI do Genocídio”.

De última quarta-feira (21) para cá, os Guarani-Kaiowá tiveram duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendendo a reintegração de posse nos tekohas (“lugar onde se é”) Ñhanderú Marangatú e Guaiviry, no Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai. Vitórias fundamentais dos povos indígenas e das lutas contundentes pelos seus direitos, especialmente suas terras. Neste contexto, têm sido decisivas as manifestações de repúdio, as declarações e gestos de solidariedade dos povos indígenas e seus aliados no Brasil e no mundo.

E o presidente da Comissão Especial da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), deputado Nilson Leitão, após a realização de três reuniões nesta semana - em que inúmeras manifestações de racismo e colonialismo foram feitas pelos membros ruralistas da comissão -, garantiu que da semana que vem a votação do Parecer da PEC não passa.

Ou seja, a realidade indígena indica que a realização destes Jogos, e o seu caráter celebrativo, por si, são extremamente contraditórios.

Dilma Rousseff e Kátia Abreu, juntas na abertura

Juntamente com a ministra Kátia Abreu, a presidente da República, que se nega a receber representantes dos povos indígenas para tratar da paralisação das demarcações das terras indígenas, estará na abertura do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. Para garantir a “segurança” da presidente, um forte esquema de segurança foi montado, envolvendo as polícias civil, militar e federal. Segundo um jornal local, até um esquadrão antibombas está à disposição.

Testando esquemas de segurança e repressão

Entre os movimentos sociais e povos indígenas vêm circulando informações sobre um sofisticado esquema de “inteligência” de segurança que estaria sendo testado nesses jogos com o intuito de ser utilizado nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, no próximo ano. Além disso, estão sendo utilizados espécies de robôs para desarmar artefatos explosivos e bombas, além de cães treinados na identificação de explosivos.

Na fila dos indignados

Continua o clima de insatisfação de muitos indígenas, especialmente os que vieram com a intenção de vender seus artesanatos durante a realização do evento internacional. Tinham como referência os jogos indígenas nacionais, onde existia um acesso livre para essas atividades. O fato foi denunciado ao Ministério Público Federal (MPF) que intimou a organização dos jogos a liberar o acesso dos indígenas, caso contrário medidas judiciais poderão ser tomadas.

Repórteres internacionais mostraram-se surpresos com a proibição imposta aos indígenas de darem entrevistas. Conforme informações colhidas no local, nem pessoas credenciadas puderam adentrar na arena dos jogos. Fotos, nem pensar.

Quem ganha, quem perde

Um folder sobre os jogos, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), tem sido distribuído e divulgado, em português, espanhol e inglês. Este material contém uma série de informações e questionamentos que procuram fazer um contraponto ao ufanismo que envolve os jogos e que tentam desviar o foco das lutas e realidades dos povos indígenas. Além disso, várias lideranças e povos indígenas questionam o fato de se estar gastando vultosas quantias de recursos públicos. Enquanto o governo alega falta de recursos para a demarcação de terras indígenas e políticas públicas para esses povos, a informação corrente por aqui é de que pelo menos R$ 163 milhões teriam sido disponibilizados para os jogos.

Indígenas insatisfeitos



“Não sou contra os jogos. Acho até que já deveriam se realizar há mais tempo, só que não concordo com a forma de como estão sendo conduzidos”, expressou uma liderança Guarani-Mbyá de São Paulo.

Num depoimento emocionado, uma liderança Karajá relatou como se sentiram traídos com a condução dos jogos, falando que a presença de Kátia Abreu, será um horror, pois ela é declaradamente contrária aos povos indígenas: “Será um horror. Estarão zombando de nós. Estão cometendo um genocídio contra nossos povos”.

“A construção da arena é um padrão não indígena. A gente quer fugir desse formato de ‘rodeio’, de campeonato de índios. Como são os primeiros jogos mundiais, todos esses ingredientes que a gente não conhecia fugiram do nosso controle. A ideia inicial era fazer uma coisa mais aberta, mas tem a questão de segurança, bombeiros. Todas essas situações fizeram com que houvesse um desenho essencialmente urbano” (Agencia Brasil, 21/10/15).

Conforme desejo manifesto pelos organizadores, a intenção é de que seja dada continuidade aos jogos mundiais indígenas. Porém, a desorganização e as insatisfações demonstradas até o momento mostram que será necessária uma mudança radical nos procedimentos e na condução dos eventos futuros.




O clima dos Jogos Indígenas


Quente.  Calor sufocante, fumaça das queimadas. Além disso, um clima de forte insegurança e medo. Os organizadores e em especial o governo brasileiro, o Estado de Tocantins e o município de Palmas , temem por qualquer coisa que possa acontecer fora do script. Tem-se a impressão de que os jogos mundiais indígenas acontecerão em espaço sitiado, fortemente vigiado. Quais seriam as razões de tamanhos temores... É notória a crise e a instabilidade política e econômica porque passa o país. Poderia ser esse um momento de positivamente dar mostras ao povo brasileiro e ao mundo de que existem saídas sim e elas emergem de projetos que vem do povo, das raízes plurais, das populações tradicionais, dos povos indígenas originários, dos explorados do campo e da cidade. Populações as quais o governo continua dando as costas, enquanto continua refém das elites dominadoras desse país.

Fila dos indignados

No dia de ontem continuaram os credenciamentos, em meio a muita reclamação e confusão. Indígenas Pataxó do extremo Sul da Bahia, que vieram em dois ônibus, um para participar dos jogos e outro para a feira do artesanato, sendo estes últimos impedidos de se cadastrar e entrar para a feira do artesanato indígena. Cenas de protesto e revolta por essas atitudes que os Pataxó consideraram absurdas, pois vieram até aqui na promessa de que poderiam participar da feira do artesanato.
Diante da desorganização e das longas filas para credenciamento, indígenas entraram em contato com repórteres de um grande canal de tv para denunciar a situação. Mas estes alegaram que não poderiam registrar o fato, pois tinham determinações de que não poderiam divulgar nada que pudesse denegrir a imagem dos jogos!


A propalada confraternização dos povos, por enquanto está restrita entre as grades. Um forte esquema de segurança está montado para impedir indígenas e outras pessoas de terem acesso às delegações indígenas hospedadas nas ocas. No final do dia, uma indígena Avá Canoeiro divulgou mensagem mostrando sua decepção por não poder se encontrar com parentes de outros povos e outros países... Do outro lado da cerca, apenas conseguiu una foto com um Pareci.

Monumento à insanidade. Já as árvores com raízes para o ar, parecem simbolizar um desejo do agronegócio. É uma afronta aos povos indígenas e suas raízes que resistirão aos projetos de morte!

Participação cai quase pela metade

Conforme o Comitê Organizador dos Jogos, participarão 26 povos dos 46 anunciados e  posteriormente reduzidos a 43: “Muitos não conseguiram patrocínio para vir, mas não houve prejuízo, esperávamos isso mesmo” (Conexão Tocantins 19/10/15).
É evidente que uma redução tão drástica de delegações e povos participantes não é normal. É o sintoma da forma centralizada com que foi conduzido o processo, sem uma participação efetiva dos povos indígenas e suas organizações

Cimi Goto
Egon Heck , fotos: Laila Menezes

Palmas, 21/10/2015.