ATL 2017

ATL 2017

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Escola pra que?



Brasília viveu um dia como jamais havia vivido em pouco mais de meio século de existência. A Esplanada dos Ministérios e dos mistérios foi literalmente tomada por cavalos e aficionados da vaquejada. Entradas da Câmara dos Deputados também estavam fortemente guardadas, pois lá dentro decisivas ações e votações estavam sendo tramadas. A CPI da Funai e do Incra foi reinstalada a portas fechadas. A PEC 241 foi aprovada na Câmara, mesmo contra a vontade do povo brasileiro.




Na Universidade de Brasília (UnB) algumas centenas de professores e lideranças de povos indígenas de todo o país debateram e denunciaram as mazelas do Estado colonialista e suas políticas de dominação e genocídio dos povos originários. Foi inevitável que a pergunta que os povos indígenas e aliados faziam “escola pra que?”, voltasse a ser a base de reflexões e debates.

O 2º Fórum de Educação Escolar Indígena, organizado de forma autônoma pelos professores, lideranças indígenas e aliados da sociedade civil e universidades, trouxe com muita força um olhar crítico sobre o momento conjuntural e as escolas indígenas em seu processo secular de instrumentalização pelo projeto colonial e atual dominação pelo modelo capitalista neoliberal e desenvolvimentista.

Para o secretário do Cimi, Cleber Buzatto, o momento é delicado e extremamente preocupante, pois “os ataques aos povos indígenas e seus direitos, crescem, gerando ainda mais violência em praticamente todas as regiões do país”. Como exemplos destacou a total paralização das demarcações das terras/territórios indígenas e a constante tentativa de abrir as terras já demarcadas aos interesses do agronegócio, mineradoras, madeireiras, dentre outros. De igual gravidade é a interpretação e utilização do Marco Temporal, nas diversas instâncias do Poder Judiciário. “Isso pode levar a total inviabilização de reconhecimento e demarcação das terras indígenas”. Concluiu dizendo que “nem tudo está perdido. Pelo contrário. A resistência e insurgência dos povos indígenas, munidos de sua ciência e sabedoria, tem cada vez mais demonstrado sua força e disposição lutar pelos seus projetos de vida e Bem Viver”.

Cleber concluiu afirmando que “os povos e comunidades tradicionais são sujeitos de ‘tradição do futuro’. Uma eventual derrota deles para as forças do capital no atual contexto poderá representar a derrota da  humanidade.”


O professor Dori, da Universidade Federal da Grande Dourados, no Mato Grosso o Sul, ao explicitar a experiência de formação de professores indígenas, destacou a necessidade da indianização da universidade: “infelizmente muito pouco tem sido feito para acolher e respeitar a especificidade dos povos indígenas. A universidade continua sendo um ambiente hostil aos indígenas. Os conhecimentos dos povos originários e seus modos de produção são pouco aproveitados na universidade”. Na afirmação de Dari, “a universidade continua preparando os indígenas para uma sociedade sabidamente falida”.

Para Dari, “os saberes indígenas podem ajudar a mudar o mundo. Para tanto a educação escolar indígena tem que ser de resistência e insurgência.  Resistência Física, epistemológica, cultural, de classe, sociológica e de autoria”. Concluiu afirmando que “o problema é que nem sempre as pessoas sabem ou tem consciência, onde querem chegar com a escola. Às vezes querem chegar à integração na sociedade majoritária, adequando-se aos seus liberais e capitalistas valores, pensando que essa é a única possibilidade de pensar a dignidade. Outras vezes querem construir a autonomia, a alteridade e a solidariedade indígena”.







Rituais e cultura: a invisibilidade do país plural


Um dos objetivos deste Fórum de Educação Escolar Indígena foi dar visibilidade a esse
Brasil plural (com 305 povos originários) e profundo, historicamente massacrado e silenciado, e atualmente renascendo e se reencontrando para continuar na luta pelos seus direitos, movidos pelos seus projetos de Bem Viver e seus processos de resistência e permanente reconstrução de suas culturas e projetos de vida.



A descolonização é um processo dolorido e incompleto, porém existem sinais de descolonização: mestres tradicionais, demandas indígenas já começam a aparecer nos currículos e está se esboçando uma política linguística. E o importante é que os povos e suas organizações começam a acompanhar e exigir dos alunos que vão à universidade.

Um dos elementos fundamentais de resistência, insurgência e sobrevivência dos povos indígenas é sem dúvida a sua profunda religiosidade e vivência em harmonia com a natureza e todas as formas de vida.

A tucandeira, um ritual de passagem, dos índios Sateré Mawé, do Amazonas, está sendo realizado em toda sua beleza e profundidade cultural, social e religiosa, talvez pela primeira vez em Brasília, como expressou um dos representantes desse povo.

A esperança vai à aula e às ruas




No decorrer desses dias do Fórum, representantes indígenas estarão indo às salas de aula para debater e mostrar aos estudantes suas lutas e seus direitos. Em especial mostrando como é importante lutar juntos por uma sociedade reconhecidamente plural, tolerante, digna e justa.

Também estão sendo realizadas exposições de artesanato típico dos diferentes povos, bem como preparação de comidas típicas de vários estados.

Na tarde de ontem os professores e lideranças indígenas fizeram uma marcha, na Esplanada dos Ministérios para mostrar as agressões, violências, negação de direitos e descaso e omissão do Estado brasileiro.

Egon Heck  - fotos Laila/Cimi
Cimi Secretariado nacional
Brasília, 25 de outubro de 2016



segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O Mal e Bem Viver dos Povos Indígenas no Brasil




Mal o sol se levanta e começam a vir abaixo as casas da comunidade Pataxó de Aratikum. Essa comunidade indígena está localizada na região onde iniciou a invasão a 516 anos. Em homenagem aos invasores, o município leva o simpático nome de Santa Cruz Cabrália. A revolta e indignação das mais de 30 famílias que viram suas casas e sonhos ruírem, foram a denúncia silenciosa diante de mais uma brutal violência contra os direitos de uma comunidade indígena desse “país tão grande e tão pequeno para nós, povos indígenas”, nas palavras de Marçal Tupã’y ao Papa, em Manaus, em julho de 1980.





Infelizmente, a cena que se repetiu na semana passada, em Cabrália, não é uma exceção, mas tem sido recorrente nas últimas décadas e meses. No ano 2000, foi nesta cidade que se estabeleceu a base dos “Outros 500”, importante base da articulação do “Movimento de Resistência Indígena, Negra e Popular”. Naquela ocasião, houve violência contra várias comunidades indígenas da região e no dia 21 de abril, a polícia usou de truculência para impedir a marcha de protesto até Porto Seguro.
Os males na vida dos povos originários no país tem sido uma constante expressando-se principalmente na negação de demarcação e garantia dos territórios, conforme determinam os artigos 231 e 232 da Constituição e a legislação internacional. Essa tem sido a principal causa das violências contra esses povos, e o saque de seus recursos naturais.


O Bem Viver para todos


Apesar de estarmos atravessando um período de retrocessos e golpes, acima de tudo temos que alimentar a esperança e a utopia. “Temos que disputar o espaço público, mas temos que garantir a sobrevivência dos ‘territórios da utopia’ que são os territórios que estão sendo massacrados... É estratégico que os quilombolas e os indígenas experimentem o processo do pós-eucalipto. É estratégico que os pescadores garantam os territórios pesqueiros tradicionais. Porque é por aí que poderemos construir um horizonte de transição” (Marcelo Calazans, 2015).



Mas os povos indígenas se mobilizam, lutam, resistem. O povo Apinajé, de Tocantins, realizou sua 7ª Assembleia – PEMPXA, dando seu recado com veemência e lucidez política:

“Nesse momento consideramos o PDA/Matopiba o mais letal e ameaçador plano de intervenção na vida das populações (indígenas, quilombolas, ribeirinhos e quebradeiras de coco) que depende do bioma Cerrado para sobreviver, esse com certeza é parte da proposta (entreguista) do governo de vender, alienar e arrendar as terras brasileiras para as grandes empresas produtoras de grãos. Por outro lado, o governo também fala em afrouxar as regras para o Licenciamento Ambiental. Isso significa que a ganância e a fome de lucro das multinacionais do setor elétrico, dos ruralistas e das mineradoras nunca terão limites”.

O povo Kinikinaua, no Mato Grosso do Sul, realizou sua 3ª Assembleia. Uma história de resistência inquebrantável de um povo que foi obrigado a viver escondido sob identidade de outro povo, fruto da política do Estado brasileiro.



Diante dessa realidade catastrófica, o Bem Viver surge como uma das formas de criarmos um novo horizonte para as lutas das populações e povos tradicionais, os povos indígenas, os sem terra, os marginalizados dos centros urbanos e de todos os que se propõem a construir um futuro/presente melhor para todos. Conforme expressam lutadores sociais do continente, o “Bem Viver é um projeto libertador e tolerante sem preconceitos e sem dogmas... O Bem Viver, enquanto ideia em construção, livre de preconceitos, abre a porta para formular visões alternativas de vida, a partir das resistências e experiências históricas” (A. Acosta, 216).





A partir dos povos originários
Vamos emergir da longa noite colonial
Que teima em se projetar até os dias atuais,
Romper o neodesenvolvimentismo,
Juntar nossas lutas e esperanças
Para pintar o nosso horizonte
Com as múltiplas cores
Da história, da memória
Espiritualidade, originária e atual.
Do silêncio do Bem Viver,
Do ventre da Mãe Terra
Vamos reencantar nossos
Arcos e flechas na luta diária,
Nos caminhos plurais
Dos projetos de Bem Viver

Nossa singela homenagem à lutadora e guerreira Rosana Kaingang, que neste fim de semana partiu para a aldeia definitiva.

Egon Heck
Secretariado Nacional Cimi
15 de outubro de 2016



quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Povos Indígenas, eleições e o Bem Viver


“Um povo que não sabe de onde vem,
 jamais saberá para onde ir.
Um povo sem consciência histórica,
jamais terá consciência ideológica
(Conselho Mundial dos Povos Indígenas, 1980)







Quando começa a baixar a poeira das urnas eletrônicas, digitais ou não, é hora de um lento e atento olhar para os rumos e roncos das urnas. Nesse turbilhão de olhares, talvez em sua maioria descrentes ou decepcionados no caminho, emergem os povos indígenas.

Como nas últimas décadas, não foi difícil contar o número dos indígenas eleitos, prefeitos ou vereadores. A percentagem é pequena. Porém, podemos garimpar alguns números e resultados expressivos. Os Terena, do Mato Grosso do Sul comemoraram o fato de passarem de um para cinco vereadores. No Acre, pela primeira vez na história, os povos indígenas elegeram um prefeito. Os povos indígenas do Alto Rio Negro elegeram parentes para ocupar os cargos de prefeito e vice-prefeito em São Gabriel da Cachoeira. Eles já haviam eleito Pedro Tariano no final do século passado.  Os Xakriabá, em Minas Gerais, reelegeram o prefeito de São João das Missões. E assim poderíamos continuar pontuando alguns resultados positivos para os povos indígenas.

 Nas redes sociais, os indígenas eleitos agradecem os eleitores ou são gratificados pelos resultados obtidos.  Outros manifestam seu desejo de continuar suas lutas pelos seus direitos nesses novos espaços. Neste sentido, vale lembrar a articulação dos parlamentares (vereadores indígenas) do Mato Grosso do Sul, por iniciativa do indigenista, professor Antonio Brand (in memoriam), através de encontros e debates sobre as possibilidades e limites de cada um em seus municípios e em conjunto enquanto indígenas.




O grande desafio colocado, não apenas aos vereadores e prefeitos, mas ao movimento indígena é conseguir efetivamente fazer um bom trabalho numa conjuntura que é cada vez mais adversa aos direitos dos povos originários. Por outro lado, temos uma política partidária confusa, marcada pela forte corrupção gerando um descrédito e descontentamento cada vez maior na sociedade e movimentos sociais e populares, bem como nos povos e comunidades tradicionais.
Nos três poderes vemos avançar iniciativas contrárias aos direitos dos povos indígenas, com ênfase no Legislativo com a tropa de choque antiindígena encastelada na bancada ruralista. Já reconstituíram a CPI da Funai e do Incra e deixaram a PEC 215 na marca do pênalti. E nessas investidas contra os direitos indígenas certamente estarão contando com o novo governo que deixou a Funai sem norte, e ainda mais pobre e subserviente.  Ao movimento indígena e seus representantes eleitos, só resta a continuidade da mobilização permanente, desde as aldeias até Brasília. O importante é consolidar o movimento indígena, ampliar as alianças e fortalecer a resistência. Só assim talvez consigam se livrar das armadilhas e das trilhas da corrupção e cooptação a que estarão permanentemente submetidos

Nas trilhas do Bem Viver




Nessa conjuntura de retrocessos no país e no continente, são preciosas as lutas vitoriosas e as conquistas de reconhecimento de direitos e os avanços constitucionais e na prática em países como Equador e Bolívia. O reconhecimento da plurinacionalidade, dos direitos da Mãe Terra, do Bem Viver, da interculturalidade e da justiça indígena, são indiscutivelmente avanços e referências para os movimentos indígenas no continente e no mundo.

“O bem Viver é eminentemente subversivo. Propõem saídas descolonizadoras em todos os âmbitos da vida Humana. O Bem Viver não é um simples conceito. É uma vivência” (Alberto Acosta).
O Bem Viver, a partir das lutas dos povos por seus territórios, é a alma da resistência e o novo horizonte a nos iluminar o caminho. É antes de mais nada a contestação cabal do sistema capitalista, onde não há espaço para os povos indígenas, nem para aqueles que sonham e lutam por um país melhor para todos.

Egon Heck
Cimi – Secretariado Nacional

Brasília, primavera de 2016

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Francamente, saudade
Dom Franco: dez anos do martírio, testemunho e memória
Disposição, doação e sabedoria




Permanente alegria estampada no rosto.  Coração grande e generoso. Lucidez e sabedoria na defesa corajosa e radical dos povos indígenas e dos pobres.

Juventude acumulada, mesmo aos 65 anos. Ainda jogava um futebolzinho e não deixava de fazer suas caminhadas diárias. Admirável sua disposição para o trabalho na causa dos mais pobres, especialmente os povos originários. Na medida em que foi conhecendo suas culturas e lutas, com maior paixão e garra foi assumindo essa causa.

Nos seis anos na presidência do Cimi teve momentos marcantes na caminhada e lutas dos povos indígenas, como a Marcha e Conferência 2.000, organizada pelo Movimento de Resistência Indígena, Negra e Popular. Foi o movimento de resistência indígena mais expressivo das últimas décadas. A repressão do Estado brasileiro à Marcha que se dirigia a Porto Seguro foi a demonstração mais cabal dos 500 anos de violência. Dom Franco estava lá participando e sofrendo a violência com que a Marcha foi reprimida.

Em 2002, a Campanha da Fraternidade foi sobre a questão indígena: Por uma Terra Sem Males. Foi um momento forte de tomada de consciência dos cristãos sobre as vidas e lutas dos povos indígenas no Brasil. Intensas atividades de informação, reflexão e solidariedade com os povos originários do nosso país. Dom Franco, como presidente do Cimi, teve intensas agendas em nível da Igreja e sociedade. Foi também o ano de muita reflexão e autocritica interna do Cimi, por ocasião de seus 30 anos de existência.



A centralidade da questão missionária

Dom Franco teve importante contribuição na dimensão missionária. Foi um grande conhecedor e defensor da dimensão missionária, tendo conhecido e participado de inúmeras experiências e trabalhos missionários, especialmente na África e América Latina. Trouxe esse vigor missionário para as atividades e agendas do Cimi. Contribuiu de forma fundamental na elaboração do Plano Pastoral da entidade. Empenhou-se para a construção da simpática capela no Centro de Formação Vicente Cañas.

Foi um missionário por excelência. Entendia como missão a opção radical pelos pobres e oprimidos e a doação da vida por essa gente: “Se quisermos mudar esse mundo temos que gastar nossa vida em defesa dos mais pobres”.

 Como sociólogo, não deixava de assumir e ressaltar a dimensão transformadora e libertadora da missão. Sempre esteve alinhado e unido ao grupo dos bispos que tinha uma pastoral e compromisso social em sua atuação pastoral e política.

Não deixou de considerar, em sua atuação como presidente do Cimi e atuação como bispo de Balsas, no Maranhão, dimensões cruciais para os dias atuais, como a questão ambiental, o aquecimento global e a destruição brutal das condições de vida em nossa casa comum, como tantas vezes tem repetido o Papa Francisco.

Após dez anos de sua súbita partida, deixa não apenas um testemunho e um desafio para nós que lutamos ao lado dos povos indígenas na luta pela vida e seus direitos, mas para todos os brasileiros, que lutam por um Brasil plural, justo e solidário.

Dom Franco, presente.


Somos gratos e homenageamos todos os presidentes do Cimi, que deram sua valiosa contribuição e o melhor de si no serviço à causa indígena, na presidência do Cimi. Pe.  Jaime Venturelli, Pe. Vicente Cesar, Dom Tomás Balduino, Dom José Gomes, Dom Erwin Kräutler, Dom Aparecido José Dias, Dom Franco Masserdotti, Dom Roque Paloschi. E nesta homenagem de reconhecimento e gratidão queremos nos unir aos nossos mártires e todos os missionários e agentes de pastoral indigenista, que se doaram à causa indígena nesses 44 anos do Cimi.




 
Foi um testemunho de diálogo e esperança: “Importante é saber valorizar o outro, acreditar no pluralismo da experiência cristã e na inculturação do Evangelho, promover a escuta e a colaboração entre as igrejas e as religiões, assumindo em conjunto as grandes causas que caracterizam hoje o Reino de Deus na história: a justiça, a paz, a ecologia, os direitos humanos, a reforma agrária, os refugiados, os migrantes... A visão crítica do passado convida a superar toda atitude de arrogância, mas não admite medo, fatalismo, pessimismo. Requer confiança, esperança” (Porantim nº 223 – março 2000).

“A verdadeira morte acontece quando colocamos a nossa esperança e o sentido de nossa vida na posse, no poder, no prazer desregrado, quando fechamos o nosso coração ao próximo e nos deixamos levar pelo egoísmo. A verdadeira morte é quando temos medo de perder nossa vida por causa de Jesus e do Evangelho (cf Mt 8,35)” (Em Memória de Dom Luciano, 30/08/2006).




Brasília, 16 de setembro de 2016.
Egon Dionísio Heck     fotos arquivo Cimi

Cimi Secretariado Nacional

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Unir para lutar e unificar para vencer









Com essa proclamação os estudantes indígenas  concluíram seu encontro nacional parra dar continuidade em suas aldeias e comunidades ao compromisso assumido.
 pois “Nós somos jovens guerreiros e por nossas terras vamos lutar,
 espalhar nossas sementes, nossa aldeia germinar.
 “Tentaram nos enterrar, mas se esqueceram que somos sementes” ,
 e “Quem nasceu para viver lutando, não vai morrer de braços cruzados”.
Por isso reafirmamos que “Em cima do medo, CORAGEM!”

“Estou ansioso” afirmava uma das lideranças presentes ao Seminário Nacional da juventude indígena. Com razão, diante do complexo e iníquo cenário em que se pretende a todo custo suprimir direitos indígenas, resta-lhes a árdua luta da resistência e afirmação de seus direitos e projetos do Bem  Viver.

Enquanto jovens e vários deles professores em suas aldeias, não poderiam deixar de debater a precariedade das escolas indígenas, estando a maior parte delas submetidas a ditames que contrariam a própria constituição e outras leis que lhes garante um escola com currículo diferenciado e de qualidade. Essa é uma das lutas que eles vem sustentando a décadas e certamente continuarão tendo que forjar o processo a partir das realidades de cada aldeia.  No Início de outubro se realizará  o 2º Fórum de Educação Escolar Indígena, que é um espaço de luta que está sendo construído pelos professores indígenas de todo o país. A grande maioria desses professores são jovens e com certeza estarão mutuamente construindo as bandeiras de luta do movimento.

Nesse eixo de formação política que deverá ser um dos eixos transversais de toda a luta, também discutiram a importância de trabalharem a memória de seus povos, como uma ferramenta, uma arma, um “Porantim”. Ao invés de esperar que historiadores, antropólogos e outros cientistas venham registrar a história dos povos, é importante que os próprios jovens o façam e se capacitem em todas essas áreas do conhecimento e da sabedoria dos anciões.




O Território, enquanto espaço integrador e fonte de vida para os povos, devem ser legalizados e garantidos,   numa luta contínua   contra todas as investidas feitas pelo agronegócio e outros setores. Terra/território é sagrado, é mãe é vida, e Apesar de todas as ameaças lutaremos pelas nossas terras, pois somos filhos delas. Dançaremos, cantaremos, rezaremos pois nossa luta é uma luta pela nossa cultura, pela nossa tradição e modo de ser originário. Somarem-nos com nossas lideranças e fortalecidos pela união entre os diferentes povos, principalmente com os mais velhos, estamos aqui reafirmando nosso compromisso e responsabilidade de dar continuidade as nossas lutas já iniciadas por nossos ancestrais.”( Carta do Seminário)link

Alguns temos que apesar de preocupantes, ficaram para ser debatidos e aprofundados nas comunidades, dentre eles ficaram destacados a questão da política partidária e eleições. Esse é um desafio histórico que precisa ser enfrentado, não apenas pelos jovens mas pelas comunidades e movimento indígena. Apesar dos imensos danos que normalmente são causados pelos políticos em suas incursões nos períodos eleitorais, não se vê, no final do túnel, uma saída conjunta e articulada.




Outro tema que merece maior debate e  análise são as presenças de inúmeras igrejas dentro das aldeias, sendo várias fundamentalistas, com grandes interferências na cultura e lutas dos povos indígenas por seus direitos. Ficou como sugestão ir fortalecendo as religiões e cultura próprias dos povos.

Quanto ao processo organizativo interno dos jovens indígenas e suas alianças com outros movimentos de jovens em luta, particularmente no movimento popular e populações e povos tradicionais. Isso supõem um trabalho dentro do próprio povo e uma necessária articulação com as comunidades e participação  nas lutas de cada comunidade.

Durante o encontro fórum muitos e expressivos os momentos de rituais dos diversos povos participantes. Voltaram para suas comunidades com a certeza de que deram um passo importante na luta pelos direitos dos povos originários indígenas no Brasil

Egon Heck
Cimi Secretariado nacional
Brasilia, agosto de 2016


domingo, 28 de agosto de 2016

Juventude Indígena na luta





Não dá para titubear. O momento é delicado e complexo. Exige clareza política e ousadia na luta. É com essa determinação que os jovens indígenas vem se engajando cada vez mais na luta pelos direitos de seus povos, particularmente na reconquista e garantia de seus territórios e autodeterminação a partir de seus projetos de Bem Viver.

Quem acompanhou as lutas dos povos indígenas, mormente nas últimas quatro décadas,  certamente ficou impressionado com os processos de envolvimento crescente  da juventude indígena nesses processos complexos de resistência e afirmação de suas identidades enquanto povos originários desse país. Eles tem  defendido com determinação e galhardia seu espaço na luta e vida das aldeias e comunidades, apesar dos enormes desafios que enfrentam no dia a dia.
Nailton Pataxó Hã Hã Hai, tem insistentemente ressaltado o papel fundamental que os jovens de seu povo desempenharam, na reconquista de seu território. E e por essa razão que não se cansa de desafiar e convocar a juventude indígena a não apenas continuar participando, mas ampliar  e qualificar essa presença nas lutas.  Em função desses desafios que ele e inúmeras lideranças tem insistido na importância da formação politica dos jovens indígenas.   Estes, por sua vez vem forjando processos importantes na perspectiva de troca de experiências e articulação  em nível mais amplo, nacional e internacionalmente.

Lembro que a liderança Kaingang, Nelson Xangrê, que liderou com muita sabedoria, ousadia e astúcia as ações de expulsão mais de dez mil invasores e colonos assentados pelo governo  Estadual  da Terra Indígena Nonoai no Rio Grande do Sul. Após esse memorável feito Xangrê manifestou sua preocupação e desejo “Agora que reconquistamos nossa terra está reconquistada, precisamos  urgentemente dar formação a nossos jovens para reconstruir nossa subsistência e economia, bem como iniciar imediatamente um processo de recuperação da terra e reflorestamento”. Infelizmente nesse aspecto ele não teve o mesmo sucesso do que na desocupação.

Juventude indígena: ampliando as lutas e esperança




Em apoio a essas demandas o Cimi tem, desde maio deste ano, apoiado a realização de encontros regionais e macrorregionais da juventude indígena. Em quatro Seminários regionais realizados em Pernambuco, Bahia, Mato Grosso do Sul e Manaus, teve a participação de 1.159 indígenas de 58 povos de 15 Estados. E nesses dias de 23 a 27 de agosta está se realizando o Seminário Nacional de Juventude  Indígena no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia.
As cartas e documentos elaborados nos quatro Encontros regionais dão a dimensão dos desafios enormes enfrentados hoje pela juventude indígena em nosso país. Os desafios maiores giram em torno da retomada e reconquista dos territórios dos povos originários. E não é apenas ter alguma segurança jurídica, pois constantemente são invadidos e agredidos pelos interesses do agronegócio e elites econômicas e políticas. E as maiores vítimas de todos esses processos acabam sendo os jovens que são assassinados e violentados, encontrando como saídas extremas o suicídio.

Os jovens reunidos em Manaus denunciaram as violências e injustiças quw sofre “Atualmente estamos sofrendo violências e violações de nossos direitos constitucionais.  Buscamos justiça pela vida, fortalecendo nossos costumes, crenças e tradições protegendo nossas terras e territórios. Não queremos a criminalização das nossas Lideranças, a exploração de nossas terras, rios, florestas e lagos, denunciamos o massacre dos nossos povos, e a postura colonialista do governo e do Estado. Diante dessa realidade expressam seu grito de rebeldia e vida.




“estamos aqui, estamos vivos, nós somos, vivemos nossas culturas, somos povos , nossa  existência está aqui ainda, temos nossa  força, não são vocês que vão nos derrubar, viemos para somar, pois juntos somos mais.”

Os mais de 300 jovens Kaiowá w Guarani assim afirmaram sua disposição de luta “Nascemos na luta e da luta não sairemos. Hoje sabemos como o Estado e o Governo agem contra nosso povo pois sofremos o descaso que praticam contra nossa juventude que fica abandonada na beira de estradas. Hoje sabemos o que são os ataques paramilitares pois somos nós que morremos Afinal quem foi Simião? , quem foi Clodiodi? Antes de mais nada eram jovens, cheios de sonhos e vontades de vida como cada um de nós. É por eles que lutamos e lutaremos. A memória deles segue viva na criação de nosso conselho da RAAJ (Retomada da Aty Guasu Jovem). Não admitiremos mais que nenhum de nossos jovens tombem e desde já nos colocamos  na luta pela justiça e pela punição dos assassinos.”

Os jovens do Nordeste fizeram um grande encontro com mais de 400 participantes, onde afirmaram que “O fortalecimento da organização da juventude foi apontando como uma das principais necessidades do movimento de luta indígena no Nordeste, para garantir a posse e permanência nos nossos territórios, partindo dessa realidade os jovens representantes dos povos presentes nessa assembleia criam um grupo que tem como finalidade articular a base para a criação de uma comissão de juventude a nível regional. Assim afirmamos é golpe mas não é NOCALTE. E diga ao povo que avance. AVANÇAREMOS!     
            
No Encontro da Bahia, os jovens expressam sua disposição de continuar lutando:”      Movidos pela nossa herança ancestral, que nos fortalece e nos conduz na busca de uma Terra sem Males, e nos faz reafirmar o compromisso e a responsabilidade de continuar nosso processo de luta contra o Estado brasileiro e contra todos os nossos inimigos, que, com posturas colonialistas, continuam nos roubando, nestes 516 anos, negando nossos direitos, saqueado nossas riquezas naturais, dificultando a manutenção dos nossos projetos de Bem Viver e tentando negar a construção do nosso futuro.

Depois de dois dias de debate e reflexão a partir dos posicionamentos assumidos nas regiões, os jovens indígenas se propõem a Fortalecer a organização da juventude indígena em  nível local, regional e nacional, promovendo momentos de formação política e jurídica, construindo uma agente específica e construindo a realização de uma Marcha Nacional dos jovens indígenas.
Ao concluir seu documento os jovens do encontro da Bahia se unem a tdos os jovens indígenas afirmando “Queremos honrar os nossos compromissos e fazer jus ao tema do seminário, “Herdeiros da história e guerreiros da luta”: ao som dos nossos maracás, olhando e valorizando o nosso passado e fortalecendo o presente, para construir o futuro.”

Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional
Brasiia 26 de  agosto de 2016

                                                                                                                                                       





segunda-feira, 22 de agosto de 2016

E agora que as visitas foram embora!



 Voltam para casa os atletas olímpicos e entra novamente em campo a retrógrada e malfadada agenda ruralista e do governo: PEC 215, PL 1610, Nova CPI contra os índios, Projetos do governo para exploração mineral, Marco Temporal, dentre outras.
Muitas águas represadas vão rolar. O impeachment da presidente Dilma com gosto de medalha com a disputa, em prorrogação.


CPI da Funai e Incra termina sem relatório e sem sentido




Essa CPI foi encerrada à meia noite do dia 17 de agosto, sem relatório aprovado. Após oito meses de funcionamento, foi encerrada, mas os ruralistas querem a sua prorrogação. Segundo o presidente da CPI, Alceu Moreira (PMDB-RS), Rodrigo Maia teria assumido compromisso com os ruralistas de prorrogar. Moreira sustenta que é importante estender os trabalhos porque só recentemente chegaram à comissão documentos das quebras de sigilo fiscal de várias entidades e organizações não-governamentais.

“É uma disputa do agronegócio mais atrasado contra os índios, os quilombolas e os sem-terra. As denúncias já foram enviadas ao Ministério Público, quem investiga e pede indiciamentos”, afirmou o deputado federal, e membro crítico da CPI, Marcon (PT-RS)


CPIs e interesses espúrio
(A Critica-Manaus 13/09/1995

É importante lembrar o fato de que na história recente do nosso país, todas as vezes que se quis impedir o avanço ou violar os direitos dos povos originários criaram-se CPIs, com diferentes conotações e interesses espúrios. Isso aconteceu com a CPMI do Cimi em 1987, por ocasião do processo Constituinte. O mesmo se tentou em 1993, quando se encerrava o prazo estabelecido pela Constituição de 1988 para que todas as terras indígenas fossem demarcadas pelo Estado brasileiro.  Ao invés de demarcar as terras o que se propôs foi um processo de revisão constitucional, onde se tiraria os principais direitos indígenas da Constituição. Dois anos depois, em 1995 novamente ressurge na Assembleia
Jogos Mundiais Indígena, outubro 2015 – Palmas TO


Legislativa do Estado do Amazonas (A Crítica 13,09/95) a proposta de constituir uma CPI “Para Investigar o Cimi e ONGs. Naquela ocasião o deputado Joaquim Corado, justificava a instalação de semelhante CPI alegando haver “falta de critérios racionais para a demarcação das terras indígenas”, afirmava que era uma extensão grande de terras para os povos indígenas do Vale do Javari, e terras pequenas para os Ticuna e outros povos da região” (A Crítica 13/09/95)



Na verdade o que o deputado estava defendendo ao propor a CPI contra o CIMI e ONGs era justificar a exploração madeireira e mineral na região. Sob a alegação de que “a demarcação exagerada” e indiscriminada de terras para os índios inviabilizaria, no futuro a economia da região. É importante lembrar que no Vale do Javari sobrevivem em torno de dez grupos/povos indígenas em estado de isolamento. Se a terra não tivesse sido demarcada, conforme pleiteava o citado deputado (dentre outros interesses), é bem provável que alguns desses grupos teriam sido exterminados.


Olimpíada termina em festa e volta a dura batalha pela vida


Sem Temer e sem os resultados esperados, as olimpíadas terminam em festa, e dão passagem à vida e dura sobrevivência da grande maioria dos brasileiros. Para os povos indígenas, populações tradicionais, sem terra e sem teto, dentre outros. Os jovens indígenas entrarão em campo, em Brasília, com a realização do Seminário Nacional da Juventude Indígena. Será um momento de olharem para a conjuntura nacional, as principais ameaças e negação dos direitos indígenas e traçarem suas estratégias e lutas específicas junto a suas comunidades, aldeias e povos.


A juventude indígena tem se revelado cada vez mais ativa e participante nas lutas de suas comunidades pelos direitos. Depois de realizarem encontros nas diversas regiões do país, estarão debatendo suas lutas juntamente com seus povos para evitar o avanço das agendas anti indígenas nos três poderes.

Egon Heck fotos Laila/Cimi
Cimi Secretariado Nacional
Brasília, 22 de agosto de 2016